05• BEM MAIS PRECISO

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Minha vida, antes uma correria desenfreada, agora parece um vazio silencioso, sem cor ou sabor. Estou tentando retomar o controle, um passo de cada vez. Não quero voltar a ser aquela Clary vulnerável. Eu mudei e preciso continuar, preciso me manter firme. Parei até minhas aulas de balé, mas já decidi que vou falar com Tereza para retomar. Quero fazer aulas apenas uma vez por semana, à noite. Isso é importante para mim, porque o balé faz parte de quem eu sou, do que quero ser.

Com o trabalho e o curso, meu tempo está cada vez mais escasso. Não posso deixar de dançar, pois é isso que me mantém de pé, que me lembra que ainda estou aqui, lutando para ser diferente daquela Clary de antes. Olhando para trás, eu vejo uma versão de mim que não quero ser outra vez. Não quero ser tomada pela escuridão. Não quero o mesmo destino da... minha mãe. Eu quero viver, continuar vivendo. E, por um breve momento, depois que conheci Red, eu realmente me senti viva. Mas veja onde isso me levou.

Ana está preparando algo na cozinha, o aroma do café e do chocolate preenchendo o ar, tentando me distrair das sombras que me rondam. Ela me atualiza sobre o curso, contando os detalhes que perdi, enquanto eu luto para manter a atenção em suas palavras.

- Você tem que ir na próxima semana, vai ter projeto e vale nota - ela diz, a voz encorajadora.

Solto um suspiro resignado, assentindo.

- Eu vou, prometo. Não posso perder isso - digo, me obrigando a sorrir um pouco. Esse curso é algo que sempre desejei, e preciso tentar. Preciso mostrar a mim mesma que sou capaz de seguir em frente.

De repente, duas batidas fortes ecoam pela porta, fazendo-nos congelar. Ana se vira para mim, confusa, e sinto meu coração acelerar de uma forma que não consigo controlar.

- Está esperando alguém?

- Não... quem será? - respondo, sentindo um arrepio frio percorrer minha espinha.

Ana vai em direção à porta, os passos lentos e cautelosos. Cada passo dela parece sincronizado com as batidas do meu coração, que pulsa mais forte e mais rápido a cada segundo. Ela destranca a porta com cuidado, como se antecipasse uma surpresa desagradável. Assim que a abre, minha respiração trava.

Ali, parado no limiar, está meu pai. A expressão dele é uma mistura de cansaço e culpa, os olhos fixos em mim, carregando uma preocupação dolorosa, como se estivesse vendo as marcas de sua própria negligência.

- Oi... - ele tenta, mas minha raiva é um barril de pólvora pronto para explodir, e não estou disposta a ouvir o que quer que seja.

- Vá embora! - minha voz sai fria e cortante. - Eu não quero ver você, nem ouvir sua voz.

Ele hesita por um momento, lançando um sorriso tenso para Ana, que me olha com um olhar apreensivo antes de se afastar em silêncio, deixando-nos sozinhos. O olhar dela carrega uma preocupação silenciosa que me incomoda, mas não desvio os olhos do homem que está à minha frente.

- Clary... filha, por favor, me escuta.

- Escutar? - digo, quase rindo de incredulidade. Dou um passo para trás, a raiva queimando dentro de mim. - Vá embora!

Aponto para a porta, as lágrimas ameaçando escapar dos meus olhos, pesando como chumbo.

- Querida, por favor, só me dá uma chance...

- UMA CHANCE? - grito, a voz trêmula de raiva. Vê-lo, saber o que ele fez, o que ele escondeu... é como um veneno que me corrói por dentro. Ele parece surpreso, os olhos arregalados, como se finalmente visse o estrago que causou.

- Filha, eu posso explicar tudo - ele respira fundo, os ombros tensos como se carregasse o peso do mundo. - Escuta, eu mandei a Paloma e as gêmeas embora. Eu não sabia que elas estavam te machucando.

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