01• DOR DA TRAIÇÃO

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Clary Miller

Antes, eu não entendia o verdadeiro significado da palavra traição. Era como a felicidade, algo distante, abstrato, que eu apenas ouvia falar, mas nunca havia sentido na pele. Mas agora... agora eu conhecia as duas muito bem, e podia dizer que ambas queimam, como fogo. A traição te consome lentamente, como brasas incandescentes que devoram por dentro, enquanto a felicidade se desfaz como uma chama bruxuleante, frágil, escapando entre os dedos. De um jeito ou de outro, ambas te marcam. Ambas te destroem.

Ainda sinto a dor no peito. Ela continua aqui, constante e sufocante, como se tivesse fincado raízes dentro de mim. Dói. Dói demais. Parece que quanto mais penso, mais fundo caio. E nada melhora. Não importa quanto tempo passe, nada vai melhorar.

Um mês. Um maldito mês desde que escutei todas aquelas verdades que me despedaçaram por dentro, e a dor permanece a mesma. Será que algum dia vai passar? Ou estou condenada a carregar esse peso para sempre? Respiro fundo, tentando aliviar o aperto no meu peito, e me mexo na cama. Já comecei a me acostumar com os móveis simples e quase sem decoração do quarto da Ana. É estranho como, com o tempo, até o vazio se torna familiar.

Depois daquele dia, eu não sabia o que fazer. Estava perdida. Então, pedi ajuda à Ana. Talvez a Dani também soubesse daquelas coisas e estivesse me enganando esse tempo todo, mas... será que elas realmente tinham culpa? A culpa era toda delas? Não. O real culpado era meu pai. E Red. Eles tinham me destruído.

A porta do quarto se abriu lentamente, e Ana apareceu com um sorriso curto nos lábios, carregando uma sacola que parecia conter algum tipo de lanche. Seus óculos estavam na ponta do nariz, e o cabelo preso num rabo de cavalo bagunçado caía de forma desleixada, mas charmosa. A luz suave que entrava pelas janelas laterais do quarto iluminava seu rosto de forma delicada, trazendo um ar acolhedor ao seu semblante, que irradiava uma paz silenciosa.

- Trouxe comida - disse ela com a voz suave, aproximando-se da cama com passos calmos. - Achei que estivesse com fome.

Ela sorriu levemente, seus olhos transmitindo um misto de cansaço e preocupação genuína. Ela não precisava falar muito para demonstrar o quanto se importava. Temos pouco tempo de amizade se assim posso dizer, mas Ana é alguém legal e que me ajuda.

Eu me sentei devagar na cama, os lençóis amassados ao meu redor parecendo refletir a bagunça que havia dentro de mim. Não tinha muita fome, mas sabia que Ana se esforçava para me fazer sentir melhor. Forcei um sorriso fraco em resposta, tentando ao menos parecer grata.

- Obrigada, Ana... - minha voz saiu baixa, quase um sussurro, abafada pelo peso que eu carregava. - Você tem sido incrível comigo.

Ela balançou a cabeça, como se quisesse afastar o elogio. Sentou-se ao meu lado, colocando a sacola sobre a mesinha de cabeceira. O cheiro de comida se espalhou pelo quarto, criando um contraste quase cruel com o vazio que se expandia dentro de mim.

- Você não precisa me agradecer - disse ela com um pequeno sorriso, seus olhos encontrando os meus em uma tentativa de passar confiança. - Vamos comer?

Eu hesitei, mas sorri de volta.

- Sim - murmurei, meu sorriso forçado. - Vamos.

Mesmo sem apetite, sabia que Ana estava se esforçando, e me recusava a decepcioná-la. Ela tem cuidado de mim sem fazer perguntas, e eu não tinha coragem de contar o que realmente estava acontecendo. Havia vergonha, medo. Ela não merecia se preocupar com os meus fantasmas.

Ana se levantou e se dirigiu para a cozinha. Eu a segui, atravessando a pequena sala de estar, onde o ambiente refletia sua personalidade tranquila. A casa de Ana era decorada em tons de creme e bege, cada móvel escolhido com cuidado. A simplicidade acolhedora das cortinas claras balançando levemente pela janela aberta dava à sala um ar calmo, quase reconfortante. O espaço era dividido por um balcão de mármore claro, que separava a sala da cozinha compacta. Tudo estava impecavelmente organizado, desde as estantes com livros até as pequenas plantas que davam um toque de vida ao ambiente.

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