— Papai, cadê a mamãe?
Raul, que misturava leite com Toddy numa caneca da Minnie, ergueu o olhar e viu Davi e Isaque em pé sobre suas respectivas cadeiras, do outro lado da mesa. Mesmo não tendo visto o início daquilo, sabia muito bem de quem havia sido a ideia. Davi era, de longe, o mais engenhoso, sempre puxando o irmão para executar com ele as suas estripulias.
— Davi e Isaque, o que o papai falou sobre não subir na cadeira?
Bastou essas palavras para que ambos descessem e se sentassem, quase como se o desejo de fazer bagunça nunca tivesse existido.
Vendo-os, finalmente, sossegados, Raul colocou a caneca cheia de achocolatado diante de Beatriz, que comia preguiçosamente um pedaço de bolo.
— Papai — Davi voltou a chamá-lo.
— Oi, amigão.
— Cadê a mamãe?
— Ela está lá em cima, no quarto.
— Por quê?
— Porque ela não está se sentindo muito bem.
— Ela tá dodói?
— Não, ela está triste.
— Por que ela está triste? — desta vez, Isaque perguntou.
— Porque…
Raul fez uma pausa, pensando na maneira mais adequada de dizer a verdade, mas para o seu alívio, ou não, Beatriz respondeu por ele:
— Porque o Ícaro morreu. Não foi, papai?
Diante daquela pergunta, foi como se toda a cozinha tivesse desaparecido.
— Sim, filha…
Raul pigarreou, antes de completar:
— É por isso que a mamãe está triste.
Ao dizer, ele olhou de relance para os gêmeos e percebeu que nenhum dos dois pareciam entender plenamente o que estava acontecendo. Então pensou que, de certa forma, era melhor assim. Pelo menos, por um tempo, seriam poupados daquela dor dilacerante. Mas, ao voltar o olhar para Beatriz, era mais do que evidente que ela entendia — à sua maneira, é claro, mas ela entendia.
— O Ícaro viajou, papai? — Davi perguntou depois de alguns instantes de silêncio.
— Não, amigão. Ele não viajou. Ele… ele foi para o céu.
Como se estivesse dando tempo a si mesmo para entender, Davi brincou com um carrinho que estava sobre a mesa, antes de olhar novamente para Raul e perguntar:
— Ele não vai mais morar com a gente?
— Não…
Raul olhou para cada rostinho que estava diante dele e, mesmo sentindo a garganta fechada, completou:
— Ele foi morar com o Papai do Céu.
— Pra sempre?
Raul assentiu, antes de encontrar coragem para verbalizar:
— Pra sempre.
🦋
Lorena passou os dedos sobre a página do álbum e abriu um pequeno sorriso vacilante, observando a foto de Ícaro.
— Eu lembro desse dia.
Sentado ao seu lado na cama, Bernardo comentou, também com a sombra de um sorriso discreto nos lábios.
— Ele rolou no chão, fazendo pirraça, só porque queria jantar com esse óculos na cara e você não queria deixar. Lembra?
— Lembro.
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Amor de Pai - Em Andamento
Spiritual[O MALABARISTA - PARTE 2] Raul deixou para trás a vida nas ruas e, agora, tem um lar para chamar de seu - um lar onde encontra as pessoas que mais ama. Enquanto seus sonhos começam a tomar forma, ele descobre que o caminho para realizá-los é cheio...