Capítulo 10

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— Papai, cadê a mamãe?

Raul, que misturava leite com Toddy numa caneca da Minnie, ergueu o olhar e viu Davi e Isaque em pé sobre suas respectivas cadeiras, do outro lado da mesa. Mesmo não tendo visto o início daquilo, sabia muito bem de quem havia sido a ideia. Davi era, de longe, o mais engenhoso, sempre puxando o irmão para executar com ele as suas estripulias.

— Davi e Isaque, o que o papai falou sobre não subir na cadeira?

Bastou essas palavras para que ambos descessem e se sentassem, quase como se o desejo de fazer bagunça nunca tivesse existido.

Vendo-os, finalmente, sossegados, Raul colocou a caneca cheia de achocolatado diante de Beatriz, que comia preguiçosamente um pedaço de bolo.

— Papai — Davi voltou a chamá-lo.

— Oi, amigão.

— Cadê a mamãe?

— Ela está lá em cima, no quarto.

— Por quê?

— Porque ela não está se sentindo muito bem.

— Ela tá dodói?

— Não, ela está triste.

— Por que ela está triste? — desta vez, Isaque perguntou.

— Porque…

Raul fez uma pausa, pensando na maneira mais adequada de dizer a verdade, mas para o seu alívio, ou não, Beatriz respondeu por ele:

— Porque o Ícaro morreu. Não foi, papai?

Diante daquela pergunta, foi como se toda a cozinha tivesse desaparecido. 

— Sim, filha…

Raul pigarreou, antes de completar:

— É por isso que a mamãe está triste.

Ao dizer, ele olhou de relance para os gêmeos e percebeu que nenhum dos dois pareciam entender plenamente o que estava acontecendo. Então pensou que, de certa forma, era melhor assim. Pelo menos, por um tempo, seriam poupados daquela dor dilacerante. Mas, ao voltar o olhar para Beatriz, era mais do que evidente que ela entendia — à sua maneira, é claro, mas ela entendia.

— O Ícaro viajou, papai? — Davi perguntou depois de alguns instantes de silêncio.

— Não, amigão. Ele não viajou. Ele… ele foi para o céu.

Como se estivesse dando tempo a si mesmo para entender, Davi brincou com um carrinho que estava sobre a mesa, antes de olhar novamente para Raul e perguntar:

— Ele não vai mais morar com a gente?

— Não… 

Raul olhou para cada rostinho que estava diante dele e, mesmo sentindo a garganta fechada, completou:

— Ele foi morar com o Papai do Céu.

— Pra sempre?

Raul assentiu, antes de encontrar coragem para verbalizar:

— Pra sempre.

🦋

Lorena passou os dedos sobre a página do álbum e abriu um pequeno sorriso vacilante, observando a foto de Ícaro.

— Eu lembro desse dia.

Sentado ao seu lado na cama, Bernardo comentou, também com a sombra de um sorriso discreto nos lábios. 

— Ele rolou no chão, fazendo pirraça, só porque queria jantar com esse óculos na cara e você não queria deixar. Lembra?

— Lembro.

Amor de Pai - Em AndamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora