Capítulo um

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Lindsay

       Hoje seria um dia especial.
       Eu queria não me importar, mas acontece que eu me importo. Às vezes só quero esquecer tudo e aceitar o meu pai tal como ele, mas é difícil e hoje é o aniversário dele.
        Um pai normal ficaria feliz com café especial ou com um jantar em família, com um bolo de aniversário, um pai normal levaria sua filha no primeiro dia de aulas e daria um abraço e agiria como qualquer outro. Um pai normal põe a filha de castigo quando não gosta do seu comportamento, um pai normal leva para passear e brincar no parque.
        O problema sempre foi esse.
        O meu pai nunca foi normal.
        No primeiro dia de aulas, quando ele ainda tinha a minha guarda, dez seguranças me levaram para a escola. Meu pai não me levava para passear, ele me levava para ver suas armas, e muito menos me deixava de castigo. Quando eu fui morar com a minha mãe, minha vida começou a ficar normal, mas não o suficiente. Sempre que eu tinha um namorado, meu pai o sequestrava e ameaçava, dizendo que iria matá-lo se não me deixasse em paz. E claro que eles deixavam, ninguém queria morrer, mesmo que ele mentisse sobre isso.
        Não tive noticias dele há quase um ano, o que é um alívio, na última vez ele me sequestrou no meu aniversário porque queria passar o dia comigo. Ele não age como uma pessoa normal, pensa sempre ao extremo.
        Já a minha mãe é diferente dele, o que complementa a teoria de que "os opostos se atraem". Ela é pacífica, indulgente, doce e divertida, é simples e não gosta de complicações. Meu pai ainda é apaixonado por ela, mas não acho que algum dia vão voltar a estar juntos.
         Pelo menos é o que eu pensava antes de abrir a porta da casa da minha querida mãe e encontrar ela sentada no sofá com o meu pai. Ambos riem de alguma coisa enquanto bebem chá e comem biscoitos.
         Eles olham para mim, enquanto eu fecho a porta lentamente. Deveria saber que o meu pai faria alguma coisa no seu aniversário, mas não pensei que fosse algo tão simples como vir para a casa da minha mãe beber chá.
         — Querida, que bom que chegou. — Minha mãe olha para mim e seu sorriso desaparece.
        — Filha...
        — O que esse homem faz aqui, mãe?
        Ele levanta. — Hoje é o meu aniversário e pensei...
        — Não me importo.
        — Lindsay, não seja assim. — Minha mãe também levanta, deixando a chávena na mesa de centro. — Ele só quer passar tempo com você.
        — Destruir a minha vida? Como quando um dos seus carros explodiu na minha formatura? Teve sorte que ninguém morreu.
        — Era o carro dos inimigos, mas não importa. Eu preciso de passar algum tempo com você.
        — Se eu fizer isso, receio não continuar viva. — Cruzo os braços e me mantenho firme na minha decisão.
        — Ele está doente, Lindsay. Ele vai morrer daqui a alguns meses! — minha mãe vai direito ao assunto.
         As palavras me golpeam e olho para o meu pai. Não pode ser verdade, ele não pode morrer, sei que fez muita coisa errada comigo e com a minha mãe, mas eu o amo.
        — Que doença é essa? — seguro as lágrimas, mas a minha voz falha.
        — É rara, eu esqueci o nome. — Ele aperta os lábios.
        — O senhor esqueceu o nome da doença que vai matá-lo? — pergunto.
        — É normal. — Dá de ombros.
        Minhas lágrimas fazem ricochete, porque acabei de perceber que é uma mentira do meu pai. Mais uma mentira dele.
        — É sério? Isso é mentira! — aponto o dedo para ele.
        — Não seja tão dura, Lindsay. Ele precisa de paz e sossego. — Minha mãe diz.
        — A vida dele não envolve nem paz e nem sossego. — Lembro porque parece que a minha mãe sofreu uma lavagem cerebral.
        — Eu vou desistir daquela vida. — Suspira meu pai, afastando o paletó.
        — Uma forma de desistir é se entregar para a polícia, não acha? — pergunto.
        — Não quero passar meus últimos dias na cadeia, quero passar ao lado da minha filha.
        — Seria possível se parasse de mentir. A senhora acredita nele?
       Minha mãe senta no sofá. — Ele não brincaria com uma coisa dessas.
       Suspiro. — Brincaria sim.
       Ele toca no peito e senta no sofá também. Meu pai é péssimo ator, com essa má atuação, eu percebo que é mesmo mentira.
        — O quê? Vai ter um ataque cardíaco agora? — pergunto.
        — Eu só preciso respirar. Talvez de um pouco de água.
         Minha mãe vai buscar água para ele e eu aceno em negação. — Pode parar de fingir, ela já foi.
         — Não é mentira.
         — Então, podemos ir para o hospital agora mesmo.
         — É uma doença tão rara que nem todos médicos conhecem. — Ele tosse.
         — Então porque o senhor não está de quarentena?
         — Porque não é contagioso. Eu só preciso descansar. — Mente mais uma vez.
         — Vamos para o hospital que o senhor foi. — Cruzo os braços, ainda tentando desmarcará-lo.
         — Eu incendiei o hospital quando os médicos disseram que não tem cura.
         Reviro os olhos. Não acredito que por um segundo eu acreditei nele e quase chorei. Meu pai é o rei das mentiras. Eu odeio mentiras e ele sabe disso, mas insiste nisso e parece que vai continuar nesse jogo de doença rara e últimos dias de vida.
         — Bem, eu vou embora. Tenho algumas coisas para fazer.
         Minha mãe regressa da cozinha. — Filha, você já vai?
        — Sim. Tenho medo que seja contagioso. — Saio pela porta. Foi a visita mais rápida que fiz à minha mãe.

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