Interlúdio III

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⠀⠀Isso não é real. Vai passar. Eu não preciso de você.

⠀⠀Louis tomou um gole de sua garrafa de uísque, olhando fixamente para a cidade iluminada. Já estava quase amanhecendo.

⠀⠀Ele se sentia muito cansado, mas sabia que ir para a cama seria inútil. Ele não conseguia dormir, e o demônio de uma gata nem era o motivo.

⠀⠀Era muito cedo para estar bebendo. Para ser justo, não havia hora apropriada para beber para qualquer muçulmano decente.

⠀⠀Mas, por outro lado, ele não era um muçulmano decente, não era há anos. Em décadas. Já havia um lugar reservado para ele no inferno; Louis havia feito as pazes com isso há muito tempo. Um muçulmano decente não passaria um ano em um relacionamento sórdido com outro homem – ou pelo menos se sentiria mais culpado por isso. Um muçulmano decente tocaria em sua própria esposa. Um muçulmano decente estaria fazendo uma oração ao amanhecer agora mesmo em vez de ficar bêbado.

⠀⠀Um miado lamentoso o tirou de seus pensamentos sombrios. Ele olhou para a gata que se esfregava em seu tornozelo.

⠀⠀"Vá embora", disse Louis em inglês. Ele nem deveria estar usando o inglês para o bem dele. Ele deveria ter jogado a gata fora em vez de trazê-la com ele quando se mudou para a cidade.

⠀⠀A felina não obedeceu, é claro. A culpa era de Harry. Ele a havia mimado muito, acostumando-a ao seu toque e calor constantes. É claro que agora ela estava infeliz.

⠀⠀Louis olhou para os olhos cor de avelã da gata. "Vá embora. Ou eu vou te chutar."

⠀⠀A gata se esfregou em seu tornozelo novamente, miando.

⠀⠀"Pare de ser patética", ele lhe disse com severidade. "Se ele quisesse você, teria te levado com ele quando foi embora."

⠀⠀Ele ainda se lembrava de ter encontrado a maldita gata em uma poça de sangue quando entrou na casa. Seu coração quase parou antes que ele registrasse que o sangue – e o corpo – não era de Harry. Ele se lembra de ter sentido um profundo alívio, como se não houvesse problema algum no fato de toda a sua equipe ter sido assassinada, desde que Harry não fosse uma das vítimas. Era difícil se preocupar com a morte de seus funcionários em comparação com o desaparecimento de Harry. A segunda deveria ter sido trivial em comparação com a primeira, mas para ele era o contrário.

⠀⠀Isso o tornava um monstro? Provavelmente.

⠀⠀Louis não tinha ilusões sobre sua moral. Ele já havia feito algumas coisas que não contornavam os limites da conduta ética, mas que passavam por cima deles. Mas ele também nunca se considerou um homem ruim. Apenas um ser humano comum com falhas. Um tipo comum de idiota, como Harry diria, sorrindo para ele com carinho.

⠀⠀O anseio tóxico que retorcia suas entranhas com a mera lembrança do sorriso caloroso de Harry fez Louis fazer uma careta e levar a garrafa de volta aos lábios.

⠀⠀Droga. Parecia que ele ainda não estava bêbado o suficiente para que o álcool pudesse entorpecer essa besteira, esse desejo idiota que ele não parecia ser capaz de erradicar, não importava quantos meses tivessem se passado.

⠀⠀Isso não é real. Isso vai passar. Eu não preciso de você.

⠀⠀Louis jogou a garrafa fora com nojo.

⠀⠀Ele observou impassilvamente a garrafa cair até não poder mais vê-la da cobertura. Com sorte, ele não havia matado ninguém com isso. Seria engraçado – e um tanto irônico – se ele fosse parar na cadeia por isso, depois de se comportar como um sodomita por um ano.

obsession in a golden cage - l.sOnde histórias criam vida. Descubra agora