CAPÍTULO 1

185 18 3
                                    

Pov Valentina

O vento gelado do final do inverno batia forte no topo das árvores altas, fazendo as folhas balançarem audivelmente. Era final da manhã, e para todos os lados que Valentina olhava, só via verde. Várias tonalidades dele. Respirou fundo, fechou os olhos e sentiu a calmaria encher seu corpo. Era como se fosse a única pessoa vivendo no planeta. O som dos pássaros cantando embalou um meio sorriso sereno em seu rosto, e quando o vento jogou os seus cabelos desordenadamente para todos os lados, ela soltou o ar que estava preso em seus pulmões. O cheiro da mata fazia com que ela esquecesse de todos os seus problemas e a induzia a focar no agora. Por ela, moraria no meio do mato até que a morte viesse lhe abraçar. Poderia fazer isso, é claro, se não tivesse um forte apego por banheiros, água encanada e eletricidade. Gostava de retirar-se com frequência da cidade em que vivia e fingir que alguém havia apertado o botão de reiniciar e o mundo agora era só aquilo que a cercava. Inspirou mais uma vez, profunda e lentamente. Sentiu o cheiro da terra, do mato amassado sob seus pés, e as lágrimas correram quente pelo rosto frio. Seus olhos ardiam, devido à baixa temperatura que o vento trazia. Poucas coisas a faziam sentir-se tão bem sem motivo algum. Ficou surpresa quando, há alguns anos, descobriu que o ar tinha cheiro. Sim, o ar puro tinha um cheiro, bem, de pureza. Conseguia ver claramente em sua mente, seu pulmão ficando mais claro toda vez que ela sentia aquele cheiro. Nada como a vida no campo, tranquila, saudável, curativa... Seus pensamentos foram bruscamente interrompidos quando sentiu sua cabeça sendo empurrada com força para a frente.

— Você está drogada? — Uma voz masculina soou às suas costas.

— Você é inacreditável. — Valentina juntou as sobrancelhas em irritação. — Eu estava meditando. Pensando na vida. Refletindo. Obrigada por acabar com a minha experiência.

— Definitivamente drogada. — Roger concluiu, coçando a testa com dois dedos. — Desculpe acabar com o seu exercício extracorpóreo, mas precisamos ir se quisermos ter luz do dia para montarmos o acampamento, ok?

— Certo. — Valentina colocou, com algum esforço, a mochila pesada nas costas e foi de encontro aos outros.

Eles formavam um grupo de seis pessoas. Normalmente vinham em um número maior, mas no inverno a maioria preferia seus cobertores e Netflix. Valentina escolhia ver o pôr do sol vermelho intenso, tremendo de frio e sem sentir os dedos dos pés. Gosto não se discute.

— Pessoal! — Maya chamou, em voz alta. Tinha vinte e nove anos, dona de uma voz profunda de timbre grosso. Podia ser considerada a líder da matilha deles. Ela era a que tinha o senso de direção e sobrevivência mais aguçados do grupo. Tinha um metro e oitenta e quatro, e usava cada centímetro da altura a seu favor. Era muitas vezes intimidadora e passava um ar de autoritarismo que afastava até os animais selvagens. Quando estava perto dela, Valentina vivia se desculpando e nunca sabia direito o porquê. — Olhem para mim, todo mundo. — Cinco cabeças viraram para ela, imediatamente. Ninguém se atrevia a fazer com que ela pedisse uma segunda vez. — Nós temos mais quatro horas de luz do dia, certo? — Não esperou pela resposta. Se tinha alguém que sabia quantas horas o planeta pretendia manter-se claro, esse alguém era ela. — Vamos demorar duas horas e meia para alcançarmos o topo. — Apontou com o polegar por cima dos ombros. — Quando chegarmos, vamos nos dividir para que tudo esteja em ordem antes de sermos engolidos pela escuridão. — Ela passou os olhos vagarosamente de um em um, confirmandose todos estavam prestando atenção. Valentina sentiu Roger mexer-se desconfortavelmente ao seu lado e precisou se segurar para não soltar um "desculpe" baixinho. — Roger e Marcelo vão atrás de lenha para acendermos uma fogueira. Eu quero muita lenha. Da última vez, ficamos sem fogo logo no início da madrugada. Isso não pode acontecer de novo. Estamos em um lugar mais selvagem, temos que estar de olho em predadores e desconhecidos que possam aparecer enquanto a maioria de vocês dorme. Se morrermos, quero poder olhar nos olhos do responsável. — Houve uma movimentação sutil entre os integrantes do grupo. — Valentina, Luiza e Igor, vocês vão ser encarregados de montar as barracas. E eu vou caçar nosso jantar. — Tirou uma faca preocupantemente grande que estava presa em sua canela e sorriu sinistramente enquanto olhava para o grupo. — VAMOS! — Gritou, fazendo alguns pássaros voarem das árvores em volta. Todos começaram a mover-se em perfeita sincronia, formando uma fila indiana atrás de Maya e embrenhando-se na mata.

Não prive o amorOnde histórias criam vida. Descubra agora