Capítulo I

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DAYSE

Londres, verão de 1814

Eu sentia que algo estava para acontecer.
Assim que acordei de manhã, com a luz da lua cedendo lugar ao sol, uma necessidade primitiva corria por minhas veias, me impedindo de ficar parada. Decidi deixar minhaa casa solitária antes mesmo que minhas irmãs acordassem e comecei a vagar pelas ruas cinzentas de Londres.
Alguém diria que damas de valor não deveriam sair passear pelas ruas de Londres nesse horário, mas para mim, esse era o melhor momento para ver um pouco de tudo!
Envolta por uma capa azul-escura, percorri cada rua e esquina esquecida de Londres, observando os trabalhadores cansados saindo de suas casas em direção ao trabalho, com jornais ainda úmidos sob o braço. Vi crianças de todas as idades correndo e pulando pelas ruas em brincadeiras bobas. Antes que eu percebesse, as ruas começaram a ficar mais sujas e perigosas. Era hora de voltar para Piccadilly para o café da manhã e mais um dia ajudando Ellie a encontrar um emprego decente para quitar as dívidas do Papai.
À medida que subia ou descia as ruas, sentia-me cada vez mais perdida naquele lugar precário. Nas ruas anteriores, havia crianças e trabalhadores; agora, via apenas alguns bêbados com garrafas esverdeadas erguidas ou se envolvendo em brigas. Desço por uma rua estreita, com ratos correndo para um buraco no chão, o que quase me faz tropeçar. Seguro-me contra a parede áspera de madeira para recuperar o equilíbrio.
— Isso sempre acontece comigo! — sou surpreendida por uma voz doce. Olho à frente e encontro uma mulher usando um fino vestido marrom e um chalé encardido sobre os ombros. Ela tem cabelos avermelhados e um rosto redondo, apesar da estatura fina e magra. — Esses ratos ainda vão nos matar um dia!
— Eu imagino... — sorrio reservadamente para ela. — Desculpe-me, mas onde estou?
— Você não parece ser daqui — ela se aproxima rapidamente, me observando de perto. Limpo minha garganta desconfortavelmente, esperando sua resposta. — Você está em Southwark, moça! Se caminhar um pouco mais, chegará a Marshalsea.
— A Prisão dos Devedores? — pergunto, surpresa por ter chegado tão longe. Devo ter andado mais do que era seguro.
— Parece que a moça se perdeu... — ela estreita os olhos e morde a ponta do dedo. — De onde você é?
— Piccadilly — respondo rapidamente. — Sabe como posso voltar para lá?
— Ah, menina, nem mesmo sei o que é Piccadilly! — ela se aproxima mais. — Por acaso tem algo de comer?
— Não, desculpe — dou de ombros, sentindo simpatia pela jovem em situação tão necessitada.
— E dinheiro? — ela faz um gesto vago com a mão. Balanço a cabeça negativamente; não saí de casa com nada de valor.
— Você não vale nada mesmo! — ela comenta, e tento não fazer uma careta diante dela.
— Aqui vai uma dica, moça — ela abaixa a voz, tornando difícil até para mim ouvi-la. — Disfarce-se. Se parecer perdida, os homens vão cair sobre você como abutres. Com seu vestido bonito, vão pensar que tem dinheiro.
— Obrigada pelo conselho — agradeço tentando não me sentir apavorada, balançando a cabeça enquanto ela me dá passagem. Antes de seguir em frente, faço uma pergunta: — Você conhece alguém que possa me guiar até Piccadilly?
— O Duque de Marshalsea saberá, ele sempre sabe de tudo! — ela sopra um beijo. — Você provavelmente o encontrará na prisão.
— Desculpe minha ignorância, mas eu não sabia que Marshalsea tinha um duque — exclamo, confusa.
— Ah, tem sim! — ela fala baixinho. — É bom tomar cuidado com ele!
Um arrepio percorre minha pele ao ouvir o sobre o Duque. Agarro-me ainda mais à minha capa, desejando poder me fundir nela.
— Diga a ele que Poppy mandou você falar com ele — ela aconselha, piscando um olho antes de correr rua acima como se o diabo estivesse em seus calcanhares.
Olho para o caminho por onde vim e depois para o caminho que leva a Marshalsea, sem saber exatamente o que devo fazer. Ir até a prisão dos devedores significava perigo, mas havia muito mais perigo em tentar encontrar o caminho sozinha. E se realmente houvesse um Duque lá... bem, ele deveria ser confiável.
Com a decisão tomada, ergo os ombros e ajeito uma mecha do meu longo cabelo loiro atrás da orelha, rezando para que Marshalsea fosse fácil de encontrar.
Ando em silêncio por alguns minutos, sem encontrar alma viva além de ratos grandes e baratas duras.
— Deveria ter tentado voltar... — chuto uma pedra, reclamando comigo mesma. — Talvez conseguisse encontrar o caminho sem ajuda...
— Veja só, Joe, quem temos caminhando por nossas ruas! — ouço uma voz grossa e arrogante, embora não consiga ver seu dono.
— Realmente um belo e suculento presente — uma segunda voz se junta à primeira. Paro de caminhar, meus olhos vasculham cada canto escuro em busca de movimento.
— Veja, Dan, nossa ratinha está assustada! — diz a segunda voz.
Congelo. Dois homens altos e robustos emergem de trás de uma carroça abandonada, ambos vestidos em trapos e com longas barbas sujas.
— Por favor, saiam do meu caminho — ergo o queixo para não demonstrar medo, enquanto minha mão direita vai para dentro da capa, onde guardo uma faca de cozinha que sempre me acompanha em minhas caminhadas matinais, por sorte, ainda não precisei usar.
— Ela disse “por favor” — murmura um dos homens, lambendo os lábios. — Isso será divertido!
Eles se aproximam, os olhos fixos em mim como se eu fosse a presa deles. Lamento decepcioná-los, mas haverá uma surpresa.
— Agora, seja uma boa menina e levante sua saia para nós — diz o mais alto, enquanto o segundo se posiciona atrás de mim.
— Nem morta! — respondo docemente. Ele avança, mas puxo a faca a tempo de cortar seu braço.
— Droga! — ele grita, segurando o braço como se o corte fosse mais profundo do que um mero arranhão. — Pegue-a, Joe!
Antes que Joe tenha a chance de me atacar, viro-me bruscamente e enfio a faca em seu ombro, mais fundo do que pretendia. Se eu retirar a faca, causaria um estrago.
— Desculpe-me — dou de ombros, retirando a faca rapidamente de seu ombro, o sangue escorrendo para sua roupa encardida. — Não teria feito isso se não tivessem tentado me abusar.
— Ah, a senhorita se acha boa demais para gente como nós! — exclama Dan, ainda segurando o braço ferido.
— Talvez você queira que minha faca encontre sua pele novamente? — provoco docemente, esperando que ele entenda como uma ameaça e recue.
— Não, só vou te matar — ele mostra os dentes e rosna como um animal antes de se aproximar. — E depois me divertir.
Sinto medo genuíno disso, e decido que não me aventurarei sozinha pelas ruas de Londres novamente depois de hoje. No entanto, não hesito em erguer novamente minha faca, enquanto pelo canto do olho vejo Joe no chão, chorando e segurando o ferimento.
Sou pega desprevenida pelo aperto de Dan no meu pescoço, sua outra mão prendendo meu longo cabelo e me mantendo imóvel.
— Viu só, não vai ser tão difícil, ratinha! — seu bafo de bebida alcoólica me causa náuseas, e tento me afastar com esforço. — Quieta, quieta!
Seu aperto se torna mais forte, e ouço passos se aproximando, provavelmente mais um bêbado procurando alguém para importunar.
Com dificuldade, ergo o braço que segura a faca. Dan está muito distraído tentando me enforcar para perceber. Buscando uma força que não sei de onde veio, enterro a faca em suas costelas, arrancando um grito de dor dele.
Sinto seu aperto se soltar quando giro a faca de cozinha enterrada em sua pele antes de removê-la, fazendo Dan recuar para trás.
Finalmente consigo respirar, não havia percebido quão forte foi seu aperto até agora. Espero que ele não tenha deixado uma marca em minha pele, seria difícil explicar a Ellie o motivo, além disso, ela já tinha coisa o suficiente para se preocupar.
Joe parece ter desaparecido, e observo Dan correr para longe, tropeçando em seus próprios pés enquanto segura o ferimento, olhando para algo atrás de mim. Não posso deixar de sorrir com orgulho do meu trabalho, contente por não sentir nenhum tipo de remorso. Se não tivesse me defendido, teria acabado como um cadáver, morta e desonrada no meio dessa rua.
No entanto, meu pescoço e couro cabeludo doem o suficiente para apagar o sorriso do meu rosto.
— Isso foi um show e tanto! — a voz jovem e energética atrás de mim me lembra dos passos se aproximando que eu havia esquecido completamente.
Os pelos do meu braço ficam arrepiados, e sei que ele está a poucos centímetros de distância de mim. Giro meus pés para ficar de frente para o desconhecido, e antes que ele tenha a chance de piscar, tenho minha faca de cozinha pressionada em sua garganta.
— Como vai, linda e destemida Ártemis?

O Duque de Marshalsea #2Onde histórias criam vida. Descubra agora