Capítulo II

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KIL

Algo me deixava inquieto, fazendo o sangue correr mais grosso por minhas veias. Se eu não me conhecesse o suficiente, acreditaria que a morte estava próxima.
Observo mamãe tossir enquanto dorme. Apesar de estar coberta por duas grossas cobertas, estas não são suficientes para afugentar o frio do fim do verão que consome o pequeno cômodo que chamamos de casa.
Levanto-me do colchão que fica no chão onde durmo e trago a fina coberta comigo para jogar sobre mamãe, para aquecê-la um pouco. Meio oculto por uma cortina fina, despejo um pouco de água em uma vasilha quebrada para lavar meu rosto antes de trocar minhas calças de dormir por uma limpa e remendada cheirando a sabão e vestir um casaco marrom por cima de uma camisa branca de tecido barato.
Contenho um bocejo de cansaço, fugir de policiais e nobres egocêntricos pode ser difícil às vezes.
— Filho? — ouço mamãe chamar assim que saio de trás da cortina, pronto para o dia.
— Bom dia, mamãe — aproximo-me para beijar sua testa enrugada.
— Já vai sair? — sua voz é rouca e baixa — Nem mesmo ouvi tomar café da manhã!
— Eu não preciso de café da manhã — sorrio docemente para ela — Eu jantei bem ontem à noite.
Infelizmente, fui pego na mentira quando meu estômago roncou alto o suficiente para fazer as paredes da prisão tremerem.
— Vai morrer se continuar assim — ela parece fazer grande esforço para falar — Deve parar de cuidar tanto dos outros e cuidar mais de si mesmo, Kil.
— Eu realmente estou bem, mamãe — dirijo-me até a pequena mesa no centro da casa, onde há algumas laranjas e um pedaço de bolo que sobrou do jantar. Pego um prato junto com uma laranja e levo até mamãe, ajudando-a a se sentar antes de lhe entregar a comida — Você precisa de mais força do que eu.
— Eu queria ter dado uma vida diferente para você, filho — ela sussurra com os olhos baixos — Eu realmente queria.
— Shh... não se preocupe. Eu sou feliz desse jeito.
Vivo em Marshalsea desde antes mesmo de nascer. Os vizinhos dizem que mamãe chegou aqui algumas semanas antes do meu nascimento. Lembro-me de quando eu era pequeno e mamãe corria e dançava comigo pela casa, e eu me perguntava por que estávamos presos nesse lugar. Ela me contava que era para nos proteger do mundo exterior. Lembro-me de como ela era jovem, bela e saudável, pelo menos até que os homens da prisão começassem a olhar mais para ela. Eu tinha doze anos quando ela começou a adoecer. Começou com uma tosse fraca que foi ficando cada vez mais grave, além de feridas na pele. Um médico que também vivia aqui disse que ela não viveria por mais de cinco anos. No entanto, já se passaram dez.
Naquela mesma semana, descobri que poderia sair da Prisão dos Devedores, pois eu não devia nada. E que, se conseguisse algumas moedas, pagaria a dívida da mamãe e poderíamos sair daqui. Talvez o mar ajudasse mamãe.
Aos poucos, fui ganhando dinheiro para saldar a dívida trabalhando como limpador de chaminés e ajudando nas docas, mas mamãe se opôs, dizendo que queria viver aqui, e que eu deveria ficar com ela. Desde então, tento ajudar com outras coisas: uma consulta médica, uma refeição digna, ajudando os filhos dos vizinhos a conseguir um pouco de pão.
— Eu tenho um filho tão bom — ela pega o pedaço de bolo com cuidado — O que eu faria sem você?
— Deixe-me tirá-la daqui, mamãe — peço novamente, quase suplicando como nos últimos anos — Posso conseguir dinheiro suficiente para pagar a dívida. Podemos tentar uma nova vida em outro lugar!
— Não quero sair daqui — ela franze a testa — Estamos seguros em Marshalsea.
— Seguros de quê, mamãe? — faço a mesma pergunta que faço há mais de dez anos — Eu posso protegê-la!
— Oh, meu filho — ela balança a cabeça, desviando o olhar de mim — Você ainda é jovem demais para entender.
— Tenho vinte e dois anos! — agarro sua mão — Não há nada neste mundo que possa me derrubar.
Ela ri, segurando minha mão na dela.
— Eu também pensava assim na minha idade, e olha onde vim parar? — apesar do sorriso, não há alegria em seu rosto — Fique aqui em Marshalsea, onde é seguro para nós dois.
Quero discutir, fazê-la confessar do que tem tanto medo e por que insiste em ficar neste lugar que a está matando. Mas outro acesso de tosse toma conta de seu pequeno corpo na cama, e eu me contenho.
— Estou saindo — digo com a voz baixa — Volto antes do meio-dia.
Não fico para ouvir sua resposta antes de sair de nossa casa e descer a enorme estrutura onde vivem os devedores e suas famílias. Um velho lorde que perdeu tudo o que tinha e o que não tinha em mesas de jogo está sentado em um banco no pátio, ensinando Jacks e Anne a jogar cartas. Assim que passo por eles, o menino me chama.
— Kil! — Jacks não tem mais do que sete anos, sua figura é magra e cheia de ossos à mostra.
— Olá, Jacks — paro minha caminhada e me ajoelho na altura do menino — Como está seu avô?
— Bem — Jacks sorri — Vovô mandou eu te agradecer pelo remédio que você conseguiu para Jennie.
— Não foi nada demais — bagunço o cabelo loiro sujo do garotinho — Se precisarem de mais, não hesitem em me pedir!
O avô de Jacks era responsável por quatro crianças: Jacks, Jennie, Anne e Sophie. O homem, que perdeu suas duas pernas e foi impedido de trabalhar, acumulou uma grande dívida tentando alimentar seus netos.
Me despeço de Jacks e sigo para o portão. Godrich é um velho ancião que cuida dos portões de Marshalsea como se guardasse os portões do paraíso.
— Veja se não é o Duque de Marshalsea — cumprimenta ele alegremente — Sempre cuidando das necessidades de todos!
— Bom dia para você também, Godrich — aperto seu ombro em um gesto amigável — Alguma novidade?
— Nada de especial — o ancião, levemente avantajado e de cabelos brancos como a neve, coça o queixo pensativo — Hans contraiu uma nova dívida assim que foi solto, voltou para seu alojamento ontem à noite.
— De quanto é a dívida do rapaz? — pergunto, temendo pela quantia que o imprudente garoto deve desta vez.
Hans era filho bastardo de um baronete que frequentava o prostíbulo que Poppy trabalhava toda a noite. Chegou aqui com sua primeira dívida aos quinze anos. Sempre que sua amável mãe saldava sua dívida, ele arranjava outra ainda maior. Da última vez, lembro-me de sua mãe, Poppy, vir até mim implorando para que eu a ajudasse a pagar a dívida do filho.
— Cinquenta libras — responde Godrich, fazendo uma careta de desprezo.
— Isso é mais do que o dobro da última vez — comento frustrado. Poppy teria que se prostituir ainda mais se quisesse pagar a dívida do filho, e eu não podia permitir isso — Sabe para quem ele deve? — questiono, pensando se vale a pena ajudar o garoto uma última vez.
— Para um alfaiate em Soho! — a cada palavra de Godrich, seu desprezo fica mais evidente — Aquela criança mal-educada!
— Encontrarei um jeito de pagar a dívida dele uma última vez — bufo — Depois terei uma boa conversa com ele. Tranquilize Poppy se ela vier chorar aqui, por favor.
Godrich assente enquanto abre a porta para que eu possa sair.

O Duque de Marshalsea #2Onde histórias criam vida. Descubra agora