Capítulo V

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KIL

Giro o pequeno broche em formato de flor nos meus dedos. A tinta branca está desgastada nas pétalas, revelando o metal prateado por baixo. É velho e rústico, mas carrega o mesmo aroma de morango que sua dona.

Pensar em seu doce cheiro invoca sua imagem na minha mente: seus cabelos longos, com as pontas curvadas que roçam seu quadril sempre que ela anda, sua voz angelical e olhos claros como diamantes... Ela é a mulher mais linda que eu já vi.

Mas ela ainda é uma criança! Por Deus, eu realmente estava pensando em beijá-la? Ela é pelo menos cinco anos mais nova que eu, acabou de completar a escola e é neta de um barão. E eu sou um esfarrapado sem uma libra, morando em Marshalsea!

— No que está pensando, filho? — pergunta mamãe, sentada na cama com as cobertas dobradas aos pés.

Só então percebo que estou parado no meio da nossa casa, segurando um enfeite feminino nos dedos.

— Nada demais — limpo minha garganta e ergo o pão que comprei com parte do dinheiro roubado de um velho conde que vi bater em uma das prostitutas de rua quando eu voltava para Marshalsea antes que os portões fechassem. A outra parte do dinheiro foi para uma visita de um médico para o Senhor Foxglove, que contraiu pneumonia, e para os remédios de mamãe. — Eu trouxe pão! E seus remédios!

— Não mude de assunto, Kil — mesmo parecendo fraca e pequena em sua cama de solteiro cheia de cobertas, mamãe sabe ter a voz autoritária digna de uma imperatriz — Eu vejo o broche em sua mão. Quem é a dona?

Respiro fundo e levo a comida e os remédios até a pequena mesa antes de me aproximar dela, sentando-me em uma cadeira perto da cama.

— Se continuar calado, vou supor que está apaixonado — continua mamãe — Deve ser uma garota daqui, eu a conheço?

— Não, mamãe, a senhora não a conhece — olhando uma última vez para o broche, guardo-o no bolso da minha calça. — E não, eu não estou apaixonado.

— Então por que tem o enfeite dela em seu bolso? — os olhos de mamãe se estreitam. — Não seria uma prostituta, seria? Eu já te disse que dormir com qualquer mulher disposta pode te dar doenças...

— Mãe! Pare! Não é nada disso! — mesmo sendo um homem crescido, sinto vontade de me esconder em um buraco no chão quando mamãe começa a falar sobre isso. — Eu não dormi com nenhuma prostituta! A dona do enfeite é uma criança!

— Criança? — uma das sobrancelhas escuras de mamãe se arqueia para cima. — Anne e Jacks são crianças, crianças não usam broches como esse. Não crianças das áreas pobres de Londres.

— Mamãe... — resmungo, apoiando minha cabeça nas mãos.

Ouço o barulho da coberta, no momento seguinte a mão de mamãe acaricia meu cabelo, tirando os nós que não tive paciência de remover pela manhã.

— Traga uma escova de cabelo, querido — manda ela baixinho. — Há quanto tempo você não o penteia?

— Eu os penteio, mamãe — me levanto até a mesinha ao lado da cama, de onde retiro um fino pente de prata envelhecido pelo tempo. — Só que com os dedos.

— Garoto bobo — ela acena para que eu me sente ao seu lado na cama de costas. Quando o faço, ela começa a passar o pente pelo meu cabelo ondulado e escuro. — Quem é ela?

— Uma dama — suspiro, sem escapatória. — Estava perdida e Poppy disse que eu poderia ajudá-la.

— Uma nobre? — mamãe continua a passar o pente pelo meu cabelo, bem devagar.

— Não exatamente — pelo menos de certa forma. — Mas vive em um bom bairro, e distante.

Sinto mamãe balançar a cabeça atrás de mim e o colchão se mexe quando ela se inclina para pegar minha franja.

— Você tem o mesmo cabelo de seu pai — ela suspira, sua voz distante e vaga. — Rebelde como o mar.

— Conte-me mais sobre ele, por favor? — peço como sempre fiz desde que aprendi a falar, prevendo que a resposta seria não, como sempre foi. Tudo o que eu sabia sobre meu pai eram vagos comentários passageiros, não sabia se ele estava vivo ou morto, longe ou perto. Eu poderia passar por ele na rua e jamais saberia.

— Ele foi o melhor homem que eu já conheci — sou pego de surpresa pela resposta e me viro para olhar para mamãe. Ela parece estar em outro lugar, e um sorriso triste contorna seus lábios. — Ele me amou como ninguém, meus dias com ele foram os melhores que já tive.

Fico em silêncio com medo de interromper e ela parar de falar sobre ele, não ouso nem mesmo piscar enquanto ela continua.

— Eu o conheci no meio de uma tempestade, havia escorregado e torcido meu pé, não conseguia andar. Então ele apareceu, como um herói em sua armadura brilhante, cavalgando um puro-sangue branco, e me carregou até sua casa onde cuidou de mim — pequenas e brilhantes lágrimas escorrem de seus olhos e bochechas, caindo em seu colo e molhando o cobertor. — Levou apenas uma semana para que nos apaixonássemos e casássemos em uma pequena igreja cheia de conhecidos. Juramos amor eterno, juramos que ficaríamos juntos para sempre, mas isso só durou dois meses. Dois meses depois ele morreu em um acidente com o cavalo e eu... — mamãe fungou, enxugando o nariz nas costas da mão, seus olhos transbordando de lágrimas. — E eu... eu não podia continuar lá. Precisava começar em um novo lugar, com você.

Consigo sentir a tristeza e angústia dela, o modo como ela se sente vulnerável e sozinha sem ele, como se faltasse metade de sua alma. 

— Eu o amo tanto, filho! — o soluço de mamãe me destroi. — Sua vida seria tão diferente se ele ainda estivesse vivo!

— Mãe... — eu a abraço, ela me agarra com uma força sobre-humana, molhando meu ombro com suas lágrimas. — Está tudo bem!

— Me perdoe, por favor — implora ela. Ajudo-a a se deitar, cobrindo todo seu frágil corpo. — Me perdoe.

— Pelo que, mamãe? — pergunto, beijando sua bochecha molhada. — Não existe nada pelo que a senhora precise pedir perdão!

— Tem... sim — sua voz fica mais baixa conforme ela começa a se deixar levar pelo sono. — Seu pai...ele está sozinho…virá buscar um de nós em breve…

O Duque de Marshalsea #2Onde histórias criam vida. Descubra agora