Capítulo IV

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DAYSE

A caminhada foi surpreendentemente silenciosa, pelo menos até eu ter coragem de abrir a boca.
— Então você mora em Marshalsea? — perguntei conforme andávamos em direção a uma rua mais larga e movimentada.
— Isso parece te surpreender? — ele levantou uma sobrancelha junto com um sorriso brilhante.
— Bem, imaginei que o milorde realmente fosse um duque — dei de ombros, desviando o olhar — Não tem como não se surpreender, imagino.
— Espero que não esteja decepcionada com isso — sua voz era suave e calma como um abraço.
— Decepcionada? Por que eu estaria decepcionada? — parei de caminhar para olhar para ele.
— Bem, a senhorita é bem-educada e anda como uma nobre — ele também parou, ficando de frente para mim, enquanto as pessoas passavam esbarrando ou desviando de nós na grande movimentação — Com certeza conhece duques e condes...
— Posso te assegurar que não! — interrompi — Meu avô paterno era barão, mas nunca o conheci, e sinceramente, prefiro assim!
— Então a senhorita é uma nobre — ele fez um gesto com o braço para que continuássemos a caminhar — O que alguém como você fazia em Marshalsea?
— Em primeiro lugar, não sou uma nobre. Meu pai não tinha título nenhum, mas conseguimos viver bem enquanto ele era vivo. O suficiente para frequentar uma escola para meninas e ter vestidos novos todo ano, mas nunca uma temporada social — comecei a dizer, sentindo o peso da saudade de um tempo que jamais voltaria. Antes de se entregar à bebida, papai era maravilhoso, sempre assegurando que todas nós tivéssemos o melhor. — E fui parar em Marshalsea porque eu precisava espairecer.
— Espairecer...? — perguntou ele, as mãos nos bolsos do casaco surrado e o rosto direcionado a mim.
— É, significa pensar, distrair-se... — comecei a explicar.
— Eu sei o que significa espairecer — ele bufou. — Eu quis perguntar por que você precisava espairecer?
— Ah! Me desculpe — não pude evitar meu constrangimento. — E respondendo à sua pergunta, bem... eu estava ansiosa, sentia que algo ia acontecer!
— Eu te entendo — essas palavras, vindas de qualquer outra pessoa, pareceriam falsas, mas as dele passavam um sentimento de sinceridade. — Eu também me senti assim quando acordei.
Suas palavras me pegaram desprevenida, e eu não soube o que responder além de um sorriso confortável. Os braços de Kil roçavam os meus quando a rua ficava mais movimentada e precisávamos nos espremer para passar entre comerciantes e bêbados.
— Sabe que horas são? — perguntei em meio ao barulho da ruela.
Se eu chegasse tarde demais, como explicaria meu desaparecimento para Eleanor? Ela nunca mais me deixaria sair de casa sozinha se descobrisse que cheguei até Southwark!
— Quase oito — respondeu Kil, tirando um relógio simples e gasto do bolso da calça.
— Droga! — murmurei, aumentando a velocidade do meu passo.
— O que foi? — ele perguntou, acompanhando meu ritmo.
— Minha irmã já deve estar acordada — gritei — Se ela não me achar em casa, ficará louca!
— Talvez queira uma carruagem? — ele agarrou meu pulso, me puxando com ele mais rápido pela rua.
— Não tenho dinheiro para uma! — respondi quase correndo para acompanhá-lo.
— Posso pagar uma carruagem de aluguel para você — ele voltou a oferecer — Estamos a mais ou menos meia hora de Piccadilly, a carruagem provavelmente fará esse caminho pela metade do tempo.
Isso seria ótimo, mas então eu estaria devendo ainda mais para ele. Eu estaria devendo para um devedor! Ah, que maravilha!
— Se quiser, pode me pagar quando tiver — ele continuou como se ouvisse meus pensamentos. — Não recuse a proposta por orgulho.
— Não tenho como pagar  —  declaro, meio ofegante pela caminhada rápida.
—  Eu já disse que aceito beijos! —  ele fala mais baixo e sedutor, trazendo um arrepio para o meu corpo.
—  Está bem —  concordo com a cabeça me amaldiçoando com isso —  Mas pagarei com dinheiro assim que eu o tiver!
Eu daria um jeito de conseguir algumas moedas para o coche, seria muito mais fácil do que convencer Ellie a me deixar sair por aí sozinha outra vez.
— Não precisa se preocupar com isso.
Ainda correndo, ele me guiou para uma encruzilhada com um pequeno jardim onde esperamos por menos de um minuto que uma carruagem passasse.
— Para Piccadilly, por favor — Kil passou algumas moedas para o cocheiro antes de abrir a porta para mim e me ajudar a entrar.
Me acomodei no banco dando espaço para ele entrar também, o que ele não fez. Antes que ele tivesse tempo de fechar a porta, a bloqueei com meu pé.
— Você não vem? — perguntei, tentando não soar como uma criança abandonada. Acho que não tive sucesso.
— Desculpe, destemida Ártemis — ele sorriu em desculpa, seus olhos baixos e ele parecia arrependido. — Será melhor que você vá sozinha. Não quero deixar meu lugar por muito tempo.
Eu o encarei, confusa.
— E o... o beijo pelo pagamento? — minha voz saiu trêmula e baixa.
— Não posso fazer isso, senhorita — ele desviou seu olhar do meu. — Você é uma dama de berço... uma criança...
— Tenho dezessete anos! — gritei, ofendida. Ele não queria me beijar? Eu era tão estranha assim? Meu corpo era muito magro, sempre foi assim, principalmente depois da morte de papai. Meus seios eram muito pequenos e eu muito alta. Se não fosse meu longo cabelo, eu seria facilmente confundida com um menino.
— Uma criança! — ele repetiu, dessa vez mais alto, voltando a fechar a porta. — Por favor, não volte para Marshalsea.
Não tive tempo de responder. Assim que a porta se fechou, a carruagem começou seu caminho em direção à minha casa. Olhei pela janela procurando Kil, mas não o vi em lugar nenhum. Ele desapareceu como em um passe de mágica, como se nunca tivesse existido.
Mas ele existe, porque tarde demais me lembrei de que Kil ainda estava com meu broche.
— Oh, cretino descarado! — bati com meu punho no assento almofadado da carruagem. — Roubou meu broche!

**** ***

A carruagem para algumas ruas antes da minha casa, o relógio de uma igreja próxima marca oito horas e quatorze minutos. Desço da carruagem sem a ajuda do cocheiro, que parte assim que meu pé encosta nos paralelepípedos da rua.
Corro até em casa, fazendo o velho portão de madeira ranger assim que o abro. As folhas verdes das árvores estão completamente paradas pela falta de vento e, mesmo às oito da manhã, algumas flores já parecem murchas pelo sol quente do verão.
Assim que entro na cozinha, sou recebida pelo cheiro de ovos cozidos, café e geleia.
— Bom dia! — digo para minhas irmãs antes de ocupar um lugar na mesa.
— Bom dia, Dayse! — resmunga Charity com um pedaço de pão na boca.
— Bom dia — diz Ellie ao mesmo tempo. — Onde esteve, querida?
— Passeando — limpo minha garganta e sirvo-me uma xícara de café.
Não era mentira, eu, de fato, estive passeando, só espero que ela não pergunte onde...
— Que bom que chegou, estive preocupada — continua Ellie. — Você deve ter saído bem cedo.
— Um pouquinho — evito encontrar o olhar de Ellie. — Estive mais lenta hoje.
— Hmm... — sinto o olhar de Eleanor me queimando, tento a todo custo não me mostrar incomodada e começo a passar um pouco de geleia em uma fatia de pão. — Vou sair em breve, vi que a governanta de uma casa ducal está procurando uma nova criada. O salário está acima da média.
— Isso é bom — comento. — Estive pensando em procurar um emprego também, assim posso ajudar a pagar a dívida.
E a carruagem de aluguel.
— Já conversamos sobre isso, Dayse — Ellie suspira. — Seria melhor se você ficasse em casa, auxiliando Charity nos estudos e deixando tudo em ordem.
Abaixo meu olhar para a xícara de café à minha frente. Era sempre essa a resposta, eu era mais útil cuidando da casa e ajudando Charity nos estudos, já que não tínhamos dinheiro para pagar a escola de senhoritas para ela.
— Talvez devêssemos vender tudo isso e partir para a América — comento, me lembrando de um artigo que li no Times. Cada vez mais, as pessoas estavam ficando ricas no exterior e então migrando para a Inglaterra em busca de conexões. Se fôssemos para a América, quem sabe conseguiríamos dinheiro para viver bem!
— É arriscado demais, Dayse — responde Ellie, se levantando e levando sua xícara agora vazia com ela. — Eu vou dar um jeito de saldar a dívida do papai, e não estaremos mais em perigo.
Eu suspiro vendo-a partir para fora da cozinha, provavelmente para se arrumar para a vaga de emprego.
— Cadê seu broche? — pergunta Charity, quase subindo na mesa para alcançar um cubo de açúcar.
— Deixei no meu quarto — respondo, alcançando a tigelinha de açúcar para ela. — Não quero correr o risco de perdê-lo.
Charity olha para mim como se já soubesse que eu o perdi, ou melhor, o dei para um completo estranho, mas então dá de ombros, mergulhando o cubo de açúcar em seu café.
— Sabe, acabei de começar um livro novo! É sobre um ladrão que finge ser um príncipe e agora tenta conquistar o coração de uma princesa...

O Duque de Marshalsea #2Onde histórias criam vida. Descubra agora