capítulo VI

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DAYSE

Me sento em frente ao espelho e analiso meu rosto com cuidado. O sol quente deixou as poucas sardas embaixo dos meus olhos em evidência, meus olhos parecem muito grandes para meu rosto, e minhas orelhas são levemente puxadas para cima. Eu pareço mais um gato amarelo do que uma mulher.
Mordo meu lábio inferior com meus dois dentes da frente; eles também são grandes demais. Existe algo em mim que é proporcional? Solto o ar pela boca, cansada. Por que estou me observando tanto, afinal? Não é como se eu quisesse encontrar alguém...
— Se continuar se olhando por mais tempo, vai quebrar o espelho — resmunga Charity, deitada na minha cama, bagunçando a colcha branca perfeitamente esticada sobre o colchão.
— Fique quieta! — mando, pegando a escova e passando-a pelo meu cabelo loiro escuro e sem graça. Ele não tem o brilho da noite como o cabelo de Eleanor, nem o brilho do sol como o cabelo de Charity. Ele é só palha morta, e se não fosse pelo seu enorme comprimento, eu o odiaria.
— O que há de errado com você hoje? — ela questiona, batendo os pés no ritmo de uma balada infantil. — Você provou todos os seus vestidos e agora fica se olhando com cara de descontente para o espelho.
— Não é nada — respondo, observando-a pelo reflexo do espelho. — Apenas quero parecer mais... feminina.
Espero que Charity ria ou me chame de maluca, mas tudo o que ela faz é se levantar da cama e vir até o meu lado, nossos olhos se encontrando pelo reflexo luminoso.
— Eu amo laços — ela diz. — Eles são femininos.
— Eles são infantis — retruco.
— Não em um vestido — ela abaixa o olhar para meu vestido simples de musselina marrom. — Você não tem nada mais colorido?
— Charity... todos os nossos vestidos já estão desbotados de tantas lavagens — lembro-a. — Não há nada que possamos chamar de verdadeiramente colorido.
Quando você está usando os mesmos quatro vestidos nos últimos três anos, torna-se um pouco impossível preservar suas cores. Principalmente os de Charity, que além de ficarem gastos, ficam cada vez mais curtos, a bainha batendo um pouco abaixo de seus joelhos.
— E os vestidos da mamãe? — Charity apoia uma mão no queixo, uma pose que ela adotou após ler um livro de investigação. — Ellie não pode usá-los porque são muito longos e apertados, mas devem caber em você.

*** *****
Desço para o porão, onde estão guardados alguns móveis descartados que estão quebrados e não podemos vender, lenha para o fogo e algumas caixas dos pertences da mamãe.
Pego a caixa com facilidade, não pesa mais que uma pluma, e retorno para cima com rapidez, ouvindo os degraus da velha escada rangerem com meus passos. Charity me aguarda sentada em uma cadeira da mesa da cozinha, extremamente ansiosa para fuçar na caixa.
Trocamos um breve olhar de expectativa antes de abrir a caixa de madeira, uma puxando cada ponta, revelando um doce perfume de menta que vem das roupas.
— Oh, meu Deus — arquejo ao encontrar uma enorme variedade de seda e musselina intocada pelo tempo.
— Mamãe deveria ser uma princesa — comenta Charity, com os olhos arregalados, puxando um vestido de seda rosa clara com pérolas costuradas na saia para fora e o estendendo na mesa. — Olhe, parece tão precioso!
Automaticamente, as lembranças de mamãe dançando pelo jardim com o papai usando esse vestido invadem minha mente, mas me recuso a chorar. Charity não conheceu a mamãe, ela tinha poucos meses quando ela morreu e papai adoeceu de saudade, achando refúgio na bebida. Eu gostaria que ela tivesse conhecido nossa mãe, uma verdadeira princesa de coração.
— Era o vestido favorito de nossa mãe — comento, sem resistir à tentação de passar minha mão pelo tecido familiar. Está fora de moda, mas é a coisa mais linda que já vi em minha vida. — Você deve guardá-lo com você, para quando for maior. Tenho certeza de que mamãe gostaria disso!
Assim que digo essas palavras, Charity abraça o vestido com pequenas lágrimas brilhando no rosto.
— Eu amo a mamãe! — ela sussurra, fazendo com que minhas próprias lágrimas caiam. — Mesmo sem nunca a ter conhecido. Queria poder falar com ela...
— Eu sei — sussurro de volta, buscando consolar seu coração e alma. — Ela agora é uma estrela no céu. Você sempre vai achar ela quando olhar para cima, e então vai poder falar com ela.
— Obrigada — ela volta a sussurrar, secando os olhinhos com a manga do vestido.
Sorrio em resposta, puxando outro vestido da caixa, desta vez um de musselina amarela com pequenos bordados em forma de maçãs verdes. Sou inundada por memórias a cada vestido que puxo da caixa, contando uma história ou recordação de um tempo que jamais voltaria. Por fim, puxo o último vestido da caixa: de seda azul clara, quase branca, cheio de camadas translúcidas em cima de um azul mais profundo.
— Foi com esse vestido que a mamãe se casou — comento, com a voz trêmula.
Foram tantas as vezes que vi mamãe vestir esse vestido apenas para desfilar pela casa, sorrindo e cantando a marcha nupcial como se fosse o dia de seu casamento...
— É deslumbrante — ouço a voz da minha irmã. — Parece ter sido feito por fadas...
— Sim, é mágico — seguro o vestido esticado ao meu lado para que todos os detalhes possam ser vistos. — Mamãe me disse uma vez que, se fizer um pedido usando o vestido, ele se realiza.
Eu não sabia se acreditava ou não nisso. Mamãe sempre foi muito fantasiosa, acreditando e criando profecias por onde andava, dizendo que contos de fadas eram reais. Mas se eu tivesse que escolher, escolheria acreditar na magia que andava com ela. Em outra vida, talvez, ela tivesse sido uma fada.
— O que estão fazendo? — Ellie de repente entra na cozinha, ainda vestida com a roupa de criada de seu novo emprego com a duquesa. Ela parece cansada e exausta. — Ah, as roupas da mamãe.
Sorrio para ela meio sem graça. Vejo que seus olhos começam a brilhar de saudade. Lentamente, Eleanor se aproxima da mesa e se joga na cadeira ao lado de Charity, passando a mão com suavidade no tecido.
— Ainda tem o cheiro dela — ela comenta, distraída. — Como seria se ela ainda estivesse aqui? — ela divaga, perdida em pensamentos.
— Leve, seria mais leve — olho para Charity, que agora tem os olhos presos nos dedos, distante demais para trazê-la à realidade.
Ela nunca soube como é ter uma mãe. Ellie e eu tentamos o melhor, mas não é igual.
— Como foi o trabalho hoje? — pergunto, buscando achar um novo assunto que saísse da melancolia.
— Para um segundo dia, foi ótimo — ela dá de ombros —, exceto pelos meus pés, já nem os sinto depois de tanto andar.
— Como assim? — pergunto curiosa, saindo do arredor da mesa para pegar um conjunto de xícaras para um chá antes do jantar que fervia no fogão no canto mais distante da cozinha. — Você não foi contratada para ser a criada pessoal da duquesa?
— Sim, e isso inclui segui-la por todas as lojas de Londres com pilhas de caixas em meus braços, dificultando minha vista — ela bufa, vindo me ajudar com o chá. — Já perdi a conta de quantas vezes tropecei na rua, só hoje! — ela volta para a mesa, levando consigo a chaleira de água quente e recolhe os vestidos de volta para a caixa. — Mas os outros criados são muito gentis! Lucy é uma cozinheira excelente. Acho que você iria adorar conhecê-la, Dayse.
— Tem uma biblioteca lá? — Charity perguntou empolgada. — Posso conhecer?
— Imagino que tenha uma biblioteca — Ellie dá de ombros. Eu sento-me à mesa, distribuindo as xícaras enquanto ela serve o chá de camomila. — Mas ainda não tive o prazer de conhecer.
A conversa continuou por mais alguns minutos enquanto sorvíamos o chá, antes de Ellie subir para seu quarto a fim de se preparar para o jantar. E assim que arrumou a mesa, Charity escapuliu atrás de algum livro de romance gótico.
Sozinha na cozinha, ouvindo o fogo estalar no fogão enquanto cozinhava as ervilhas, peguei a caixa de roupas da mamãe outra vez, decidida a escolher um vestido para mim mesma. E em meio às dezenas de cores vibrantes e pasteis, escolhi um delicado vestido de musselina laranja claro, como o início do pôr do sol, adornado por dezenas de pequenas rosas mais escuras e laços na frente do corpete, tornando-o ajustável.
O coloquei em frente ao meu corpo para medir. Seria perfeito para mim!
Será que alguém notaria se eu fugisse hoje à noite? Será que Kil me acharia em Marshalsea?

O Duque de Marshalsea #2Onde histórias criam vida. Descubra agora