DAYSE
— Com licença, senhor — espio pela pequena portinhola aberta nos portões de Marshalsea, onde um senhor de idade me observava com os olhos esbugalhados — Será que posso entrar?
— É claro, senhorita! — ele me mostra um sorriso gentil antes de desaparecer por alguns segundos para abrir a porta. A porta abre com um leve rangido de ferro enferrujado, e o senhor faz uma mesura mais digna de uma rainha do que da sobrinha distante de um barão — Posso saber quem veio visitar, senhorita?
— Procuro o Duque de Marshalsea! — digo com um sorriso gentil — Poppy disse que eu provavelmente o encontraria aqui.
— Sorte a sua! Sorte a sua! — ele tira o gorro de lã escura para coçar a cabeça cheia de cabelos brancos — Ele saiu não faz uma hora! Mas retornou assim que soube que uma garota viria procurá-lo.
— Oh — fico surpresa com o comentário do ancião. Poppy comentou que o Duque de Marshalsea sabia de tudo, mas eu não imaginava que fosse tudo literalmente!
— Venha, ele te espera! — o ancião começa a andar com passos surpreendentemente longos em direção a um tipo de celeiro. Olho ao redor desconfiada, notando que algumas pessoas no pátio param de fazer seus afazeres para me olharem curiosos — A propósito, meu nome é Godrich!
— Prazer em conhecê-lo, senhor Godrich — respondo — Eu sou Dayse Middleton.
— Dayse é um lindo nome — elogia ele — Sua mãe teve muito bom gosto.
— Obrigada — sorrio meio constrangida, abaixando o olhar para meus pés. Lembrar da mamãe ainda era um tópico sensível para mim, mesmo com Eleanor fazendo tudo o que uma mãe faria, a saudade às vezes era forte demais — Meus pais amavam flores, os jardins lá de casa nunca deixavam de estar floridos, nem mesmo no inverno.
— Oh, imagino que seja lindo! — suas palavras são quase cantadas — Veja, chegamos! Pode entrar, o Duque a espera.
— Obrigada — agradeço a Godrich antes de respirar fundo para entrar na sala mal iluminada apesar da luz do dia.
Sou automaticamente invadida pelo cheiro de madeira, giz e verniz que vem da sala. No fim do cômodo, consigo enxergar a silhueta de um homem alto olhando para fora de uma janela, banhado em luz.
— B... bom dia — digo limpando a garganta conforme me aproximo — Milorde!
Ouço sua risada chegar até mim, profunda e grossa, vinda de dentro de seu peito.
— É a primeira vez que me chamam de "Milorde".
Pisco confusa. Eu conheço essa voz. Conversei com o dono dessa voz minutos antes!
— Kil Digorry? — pergunto, sentindo minha voz tremer.
— O único! — ele se vira em um giro, iluminado pela luz que vem da janela. Consigo distinguir seu cabelo preto, longo o suficiente para roçar em seus olhos, olhos de um cinza tão escuros que, para uma pessoa menos atenta, pareceriam pretos. A curva de seu nariz é avantajada na medida certa, dando-lhe um ar de superioridade apesar da roupa e conduta humilde.
Ele não parecia em nada com um duque.
— Você não pode ser o Duque de Marshalsea! — acuso, me aproximando dele com passos rápidos e determinados, até parar a cerca de um metro de distância. Seu sorriso brilha no escuro.
— E por que não? — ele sinaliza uma cadeira ao meu lado para que eu me sente. Só então noto que me sinto cansada depois de ter saído de Piccadilly e vindo parar em Marshalsea. Kil espera que eu me sente para continuar a falar — Pelo que você disse, a senhorita está sob minha proteção? — ele ergue uma sobrancelha, parecendo mais divertido do que zangado pela minha mentira — Posso saber o porquê?
— Por favor, perdoe-me por mentir tão descaradamente, mas se eu não inventasse algo, temia precisar cravar minha faca em suas costas — digo sem desviar o olhar.
— Ah, então a senhorita mentiu porque não queria me matar? — ele questiona, olhando-me de maneira intensa, fazendo minha pele se arrepiar — Que gentil da sua parte!
— Basicamente — dou de ombros — Parece que o senhor tem uma grande reputação por aqui.
— Tenho sim — ele assovia — Diga-me, senhorita, qual é seu nome?
— Supondo que você já me deu seu nome, Milorde, seria justo que eu falasse o meu — respiro fundo, limpando minhas mãos suadas na saia do meu vestido — Meu nome é Dayse Middleton.
De repente, ele parece sério demais, como se buscasse saber todos os meus segredos, um interrogatório completo.
— E quantos anos você tem, Dayse? — estremeço ao ouvir meu nome em sua voz rouca e profunda.
— Dezessete — respondo sem hesitar — E por que está me interrogando, Milorde?
Ele ri com o uso do título e se abaixa até que seu rosto fique na mesma altura que o meu, a poucos centímetros de distância.
— Digamos que eu esteja desconfiado de que você seja da polícia — ele diz tão sério que quase acredito que seja uma piada. É minha vez de rir — Por favor, me diga o que acha tão engraçado no que eu disse?
— Você realmente acha que a polícia contrataria jovens mocinhas de dezessete anos?
— Seria uma boa estratégia — ele dá de ombros — E eu vi você esfaquear dois bandidos. E você parece muito calma quando deveria estar histérica.
— Não tenho nada a temer agora para ficar histérica, e em minha defesa, eu nunca tinha esfaqueado alguém antes — comento — E se eu fosse da polícia, minha única arma não seria uma faca de cozinha, seria?
— Seria, se você fosse experiente o suficiente — ele passa os olhos por minha figura, observando-me de cima para baixo pela segunda vez no dia — E você lidou com dois homens com o dobro da sua idade e o triplo do seu tamanho com maestria.
— Eu não diria que quase ser enfocada é maestria — eu o lembro.
— Ah! Mas foi, pequena Ártemis! Você fez uma sujeira e tanto! — sua voz é baixa — Eu estava indo ao seu socorro, mas você lidou muito bem com a situação, fiquei admirado! — ele se acalma de repente, parecendo preocupado — Você está bem? Ele não…
— A dor foi momentânea — limpo a garganta — Talvez ele estivesse bêbado demais para me enforcar.
— Mesmo assim, você tem um talento e tanto para esfaquear homens por aí!
Suspiro derrotada. Eu nunca mais queria fazer aquilo.
— Não importa — eu tiro uma penugem invisível do meu vestido apenas para poder desviar meu olhar dele — Só estou a sua procura porque me perdi aqui em Southwark e preciso voltar para Piccadilly! Poppy me disse que você poderia me ajudar.
— Ah, Poppy! — ele balança a cabeça — Você veio a Marshalsea apenas para procurar um estranho que te leve de volta para Piccadilly?
— Ou para algum lugar que eu reconheça — dou de ombros.
— Eu te ajudarei a voltar para Piccadilly — ele se afasta um pouco, e eu me levanto da cadeira para segui-lo — Mas quero algo em troca!
— O que quer de mim? — pergunto, dando um passo para trás, fazendo a cadeira balançar antes de cair no chão com um estrondo. Eu não tenho dinheiro nem nada valioso comigo que dê para negociar.
— Suponho que você não tenha nenhum dinheiro consigo? — ele ergue uma sobrancelha, e eu balanço a cabeça — Então que tal pagar pela minha ajuda com... um beijo?
Prendo a respiração. Um beijo, meu primeiro beijo, seria com um Duque. Isso seria o sonho de toda garota se o beijo em questão não fosse uma forma de pagamento.
— Está bem! — eu concordo, observando os lábios de Kil. Parecem macios e beijáveis, muito mais beijáveis do que o recomendado — Mas só depois que chegarmos a algum lugar que eu conheça!
— E o que me garante que a senhorita realmente vai me dar esse beijo? — ele questiona, cruzando os braços.
Levo minhas mãos para minha capa, retirando o broche em forma de margarida que mamãe me deu alguns dias antes de morrer. Era a única coisa que eu tinha dela.
— É de metal, não vale nada — passo o broche para suas mãos; nossos dedos roçam por menos de um segundo e sou inundada por uma corrente de energia — Mas tem um grande valor sentimental. Me devolva depois do beijo!
— Suponho que terá que servir — ele observa o objeto com curiosidade, girando-o nos dedos, enquanto a luz da janela brinca sobre ele — Vamos?
— Vamos — concordo finalmente, podendo segui-lo.
Seus passos são largos ao deixar o galpão. Para acompanhá-lo, quase corro e temo perdê-lo de vista antes mesmo de deixar a prisão dos devedores.
Talvez eu não devesse confiar em desconhecidos. E se ele me levasse para outro lugar e tentasse me matar? Ou me jogar no Tamisa? Com certeza ainda dava tempo de voltar atrás...
— Ártemis! — ouço-o gritar, e só então percebo que parei de caminhar. Ele se aproxima de mim em um piscar de olhos e coloca suas mãos ásperas e fortes em meus ombros — Você está bem? Parece meio pálida.
— Você não vai me matar, vai? — a preocupação em seu rosto é rapidamente substituída pela diversão.
— Eu pareço um assassino para você? — bufo com sua pergunta, e Kil revira os olhos descaradamente — Está bem, não precisa responder. A questão é que eu jamais mataria uma dama inocente, juro pela minha mãe!
Como se aquilo tivesse valor...
— Bem, acho que terá que servir — repito suas palavras, mas com um leve tom de sarcasmo que arranca uma risada dele.
— Agora sente-se aqui no pátio um pouco — é uma ordem — Vou buscar um copo de água para você, imagino que esteja sedenta!
Não tenho tempo para argumentar. Com passos largos, ele se afasta em direção ao grande e velho prédio onde residem os presos.
Sigo em direção a um banco de madeira meio apodrecido pela chuva e sol. Ainda recebo olhares curiosos; alguns sorriem, outros erguem o queixo de maneira superior. Baixo meu olhar para o colo, evitando observá-los. Eu não sou melhor que eles, diferente de mim, ao não pagarem suas dívidas, eles foram para uma prisão, se eu e minhas irmãs não pagarmos a dívida de nosso pai, iremos para um bordel. Acho que eles são melhores que eu.
Será que Kil também mora aqui em Marshalsea? Impossível, ele era um duque! Se fosse um detento, não teria permissão para sair. Mas suas roupas não eram como as dos lordes que eu via em Londres; apesar de limpas, eram remendadas e desbotadas.
— Oi — uma pequena e suave voz me faz levantar o olhar para encontrar uma jovem garota não muito mais velha que minha irmã Charity, mexendo as mãos sobre o vestido marrom.
— Olá! — sorrio para ela com educação. Ela é muito bonita, apesar da figura esquelética. Seu cabelo é longo e encaracolado em um tom forte de marrom, e seus olhos azuis parecem sardas.
— Quem é você? — ela pergunta, tímida.
— Ah, eu me perdi por aqui e vim pedir ajuda ao Duque de Marshalsea — começo a explicar — Meu nome é Dayse.
— O meu nome é Annelise Foxglove, mas todos me chamam de Anne porque vovô fala que Annelise é muito chique para quem mora em Marshalsea — ela cora conforme fala.
— Acho que Annelise combina muito com você. Venha, sente-se comigo. Podemos conversar enquanto o Duque não volta — ela abre um grande sorriso de dentes brancos antes de pular para o meu lado no banco — Você fala muito bem, Annelise!
— Obrigada! — ela sorri, balançando os pés que não alcançam o chão — Kil está ensinando a mim e às outras crianças a ler e a falar corretamente! Ele diz que assim podemos ter mais chances de conseguir trabalhos mais bem remunerados e sair de Marshalsea!
— Ele está certo — concordo — Então o Duque sempre vem aqui para ensinar vocês?
— Não, Kil mora aqui com a mãe — diz Anne — E nos ensina três vezes por semana; nos outros dias, ele está ocupado demais resolvendo problemas de adultos.
— Por que um Duque viveria com a mãe na Prisão dos Devedores? — não tinha a intenção de fazer a pergunta em voz alta e só notei quando Annelise me respondeu com sua voz doce.
— Porque a mãe dele é uma devedora! — ela começa a roer a unha do dedo indicador — Kil não é duque de verdade; é só um apelido.
— Apelido? — enrugo minhas sobrancelhas para a menina, confusa — Porque ele teria o apelido de Duque de Marshalsea?
— Vovô diz que é porque um Duque tem que cuidar de seu povo, e Kil cuida de todos nós — seus pequenos olhos claros se iluminam conforme ela fala — Kil é um ladrão de lordes imorais e usa o dinheiro para alimentar Marshalsea, nos fornece tudo o que não conseguimos sozinhos, como remédios, médicos e roupas, às vezes até com comidas doces!
Isso realmente era uma atitude heroica. Kil, como um duque falso, parecia ter muito mais honra do que os duques verdadeiros.
— Anne! — a voz do Duque me pega de surpresa, fazendo-me dar um pequeno pulinho no banco — O que está fazendo aqui?
— Conversando! — a menina sorri como se estivesse aprontando alguma coisa — Gostei da sua namorada!
Eu engasgo. De repente, um copo de barro cheio de água limpa está sob o meu nariz conforme Kil me força a tomá-la.
— Ela não é minha “namorada”! — protesta ele.
— O que ela é então? — o sorriso de Annelise desaparece, e ela parece confusa.
— Minha... hum... amiga — ele diz, voltando sua atenção para mim, ainda segurando o copo em meus lábios — Desculpe-me.
Eu balanço a cabeça assentindo, pegando o copo de suas mãos.
— Eu gostei dela — continua Anne — Caso queira se casar com ela, eu aprovo!
Eu me engasgo novamente, assim como Kil, que tenta se recompor arregaçando as mangas do casaco.
— Não se preocupe, Anne, não pretendemos nos casar — esclareço após mais um gole de água.
— É uma pena! — ela faz uma careta emburrada — Marshalsea precisa de uma Duquesa!
— Acho que está na hora de irmos, Ártemis — Kil pigarreia — Antes que Anne mande chamar um padre!
— Eu posso? — os olhos da menina se iluminam como diamantes.
— Não! — eu e Kil falamos ao mesmo tempo.
— Ah!
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Duque de Marshalsea #2
Любовные романыDEGUSTAÇÃO Livro completo no Kindle Unlimited/ Amazon Duas almas destinadas... Kil Digorry, conhecido como o Duque de Marshalsea, nunca pensou que encontraria o amor de sua vida em meio a uma luta. No entanto, a garota de longos cabelos loiros e t...