Passei boa parte do dia pensando na visão que tive na madrugada anterior, o corpo da minha mãe no chão, o jeito que meu pai a matou a sangue frio.
Estava no quarto de Gunil, sentado no chão, com as costas encostadas na parede. Ele estava à minha frente, concentrado em sua escrivaninha, os fones de ouvido o isolando em seu próprio mundo enquanto estudava. Eu o observava, os traços suaves de seu rosto iluminados pela luz da tela do computador, e sentia uma mistura de sensações que ainda não conseguia nomear completamente. Era algo que ia além da simples amizade, mais profundo, mais intenso. A cada gesto dele, a maneira como se inclinava para frente ou passava os dedos pelo cabelo, eu sentia um aperto no peito, um calor que subia pelo meu corpo. Meu coração acelerava, e minha respiração ficava levemente descompassada.
Era uma sensação de paixão crua, algo que me pegava desprevenido. Uma necessidade crescente de estar próximo, de sentir sua presença mais de perto. Havia um desejo não apenas de tocar, mas de ser envolvido, de ser acolhido por ele de uma maneira que eu nunca tinha experimentado antes. Sentir seu abraço, sua pele contra a minha, parecia ser a única coisa que poderia preencher o vazio que eu carregava há tanto tempo.
Ao mesmo tempo, havia uma dor sufocante em meio a esse desejo. Como se o que eu sentia fosse proibido, errado, algo que eu não deveria ter. O medo de que Gunil pudesse descobrir esses sentimentos e olhar para mim com desprezo era insuportável. Eu já me olhava assim. Meu corpo, violado, parecia sujo, sem valor algum. Não conseguia entender como alguém poderia me ver de outra forma. Eu sentia nojo de mim mesmo, e acreditava que Gunil sentiria o mesmo.
O peso no meu peito não era apenas emocional. Fisicamente, meu busto estava comprimido, preso contra minhas costelas pela fita ortopédica que eu usava, tentando esconder aquela parte de mim que odiava. Era como se cada respiração estivesse presa por uma barreira invisível, tanto no meu corpo quanto na minha mente. Eu me encolhia, tentando fazer meu corpo parecer menor, mais insignificante, acreditando que, se conseguisse me apagar o suficiente, talvez esses sentimentos também desaparecessem. Mas, paradoxalmente, eles só cresciam, alimentados por cada gesto gentil de Gunil, cada olhar que ele me lançava quando seus olhos se encontravam com os meus.
Era uma luta interna constante, entre o desejo e a culpa, entre o amor crescente e a vergonha que me consumia.Pensava se tudo aquilo tinha válido a pena, será que meus amigos realmente me viam como um garoto de verdade ou só decoraram meus pronomes e na verdade eles não me veem assim?
E Gunil? Será que ele realmente me via como um garoto?
Meus olhos voltaram às suas costas, sua postura serena, me perguntava o que se passava na cabeça dele? Ele pensava nas mesmas coisas que eu? Em morte?
De alguma forma a opinião dele me importava, até mais do que dos meus amigos que conheço desde a infância, o jeito que ele me elogiava me fazia sentir uma euforia estranha, mas ao mesmo tempo confortável.
- 🎸-
Sabia que agora, mais do que nunca, o bullying iria piorar. As garotas já me queimavam com isqueiros nos braços, mas sentia que isso era só o começo. Uma vez, elas me fizeram engolir um pequeno roedor vivo. Lembro de passar meses no hospital por causa das doenças que ele me causou. A humilhação era insuportável, e o medo de que os garotos fizessem algo ainda pior me consumia. Para eles, eu era um alvo fácil, alguém em quem podiam despejar seu ódio e nojo, como se minha existência fosse uma afronta à deles.
Entrei na sala de aula com a cabeça baixa, tentando me esconder atrás do pouco cabelo que ainda restava, cobrindo meus olhos e uma parte do rosto. Sentia os olhares pesados sobre mim, como lanças que atravessavam meu corpo. Sentei-me na mesma mesa de sempre, tentando ser invisível. Ouvi duas garotas rirem e se aproximarem. O cheiro de cigarro e álcool emanava delas enquanto uma se sentava na minha frente, invadindo meu espaço sem cerimônia.
— E aí, garota? Resolveu quebrar as regras agora? — A voz dela era carregada de desdém. — Sabia que não podia cortar o cabelo, não é? Como vamos queimá-lo agora? Hoje era o dia em que íamos queimar seu cabelo, sua putinha.
Fiquei em silêncio, a cabeça ainda abaixada. Não havia nada que eu pudesse dizer que mudaria aquela situação. Responder só pioraria as coisas.
— Ei, sua vadia do caralho — ela agarrou meu cabelo com força, puxando minha cabeça para cima, forçando-me a encarar seu rosto cheio de desprezo. — Vai responder ou não? Você é nojenta pra caralho, sabia? Você cheira a gozo, sua imunda.
A outra garota riu, e o som ecoou pela sala, quebrando o silêncio constrangedor. Ninguém se movia. Era como se toda a turma estivesse paralisada, testemunhando a cena, mas sem a menor intenção de intervir. Sabiam que, se tentassem, poderiam se tornar o próximo alvo.
Minhas mãos foram automaticamente ao braço dela, tentando afrouxar o aperto em meu cabelo, mas quanto mais eu lutava, mais ela apertava, o couro cabeludo latejando com a dor. Até que, de repente, o professor entrou na sala. Ela soltou meu cabelo imediatamente, recuando com um sorriso cruel no rosto.
— Na saída você não escapa, nojenta — sussurrou, antes de se afastar.
Eu sabia que ela estava certa. A saída seria um pesadelo, assim como o resto do dia, e a certeza de que mais humilhações estavam por vir pesava sobre mim como uma sentença inevitável.
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Ao final da aula, corri desesperado até a sala de Gunil. Sabia que ele não podia me proteger totalmente, mas talvez pudesse tentar. Eu não tinha força para enfrentar aqueles monstros sozinho, e precisava de alguém que tivesse. Quando o encontrei, ele estava conversando com alguns garotos do terceiro ano sobre algo que não consegui entender. Assim que me viu, sorriu, mas o sorriso rapidamente desapareceu ao notar meu estado. Meu rosto, marcado pelo desespero, falou mais do que qualquer palavra poderia.
Os garotos ao redor dele trocaram olhares de desprezo, como se dissessem sem palavras: "Você está com ela? Sério?". Gunil ignorou a reação deles, levantou-se e veio até mim, a preocupação evidente em seu olhar.
— Jooyeon, o que aconteceu? Você está bem? Alguém está te perseguindo?
Antes que eu pudesse responder, as duas garotas surgiram, suas presenças sufocantes. Elas estavam caçando, e eu era a presa fácil.
— Olha só, a putinha encontrou um novo namoradinho - disse uma delas, com um sorriso cruel. - E ainda é do terceiro ano... mais velho... - Ela olhou Gunil de cima a baixo, mordendo o lábio de forma provocativa. - Você sabe que ela dá para aqueles quatro garotos, não é? Acho que até o pai dela deve comê-la, pelo jeito. Ela estava bem aberta quando eles a usaram.
A risada dela foi como um tapa na cara, dolorosa e humilhante. Ela esticou a mão, tocando o peito de Gunil com uma falsa intimidade. Ele se afastou rapidamente, repulsado, e num gesto firme, passou o braço por cima dos meus ombros, me puxando para perto. Senti o calor de seu corpo contra o meu e, por um breve momento, achei que podia confiar nele. Mas o medo não me deixava acreditar completamente. Sabia que, por causa disso, tudo só iria piorar.
E de fato piorou. Nos dias seguintes, as garotas encontraram novas formas de me torturar. Queimaduras, socos, humilhações. Faziam questão de me lembrar que, se eu contasse algo a Gunil, as coisas ficariam ainda piores. Eu prometi que não diria nada, mas era impossível esconder. Gunil via meus machucados, os hematomas, os cortes. E foi ele quem me ajudava a cuidar deles, quem me dava o mínimo de alívio em meio ao caos.
Mesmo com toda a sua ajuda, o peso daquilo tudo me sufocava. Eu queria que acabasse, que todo aquele tormento simplesmente desaparecesse. Mas, ao mesmo tempo, sabia que não havia escapatória. Aquela era minha realidade, uma em que a dor e o sofrimento eram constantes, e qualquer tentativa de fuga parecia apenas uma ilusão distante.
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Meu querido baterista • Jooil
RomanceJooyeon tinha uma vida um tanto conturbada e costumava dizer que cartas de amor ou até mesmo paixão era coisa de gente boba, era o que ele dizia para seus amigos, antes de encontrar Gunil. ⚠️ - possíveis gatilhos: Violência, sh (automutilação)