𝟎𝟎𝟖

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JOOYEON

Os dias que se seguiram à minha alta do hospital foram estranhamente tranquilos. Meus pais, sempre tão presentes, não falavam mais comigo. Havia um silêncio na casa que, em outro tempo, teria me deixado inquieto, mas agora era bem-vindo. Era como se, finalmente, houvesse uma trégua. E, apesar de tudo, aquele distanciamento me dava uma sensação de paz que eu não sabia que precisava.

Passei a maior parte do meu tempo na casa de Gunil. Sua mãe, sempre tão gentil e atenciosa, estava frequentemente na cozinha, cercada pelo aroma de pães e bolos recém-assados. Ela me ensinou a fazer crochê e a costurar, algo que eu nunca tinha imaginado aprender. Foi paciência pura da parte dela, e eu, com minhas mãos trêmulas e pouca coordenação, consegui criar um pequeno ursinho de crochê para Gunil — uma tentativa de hamster, na verdade. Ele não estava perfeito: as orelhas eram desiguais, e os pontos não estavam exatamente como deveriam. Mas Gunil sorriu ao recebê-lo, seus olhos brilhando de carinho.

— Está ótimo para alguém que ainda está aprendendo — ele disse, segurando o pequeno hamster com cuidado, como se fosse algo precioso.

Aquelas palavras, tão simples, tiveram um impacto inesperado. Senti um calor no peito, uma sensação de aceitação que não encontrava em casa. Havia uma liberdade na casa de Gunil que eu não conhecia. Ali, eu podia ser quem quisesse, sem julgamentos. Era uma paz reconfortante. O ambiente todo era aconchegante, quase como se a casa me acolhesse junto com eles. E pensar que era bem em frente à minha própria casa, um lugar que representava o completo oposto disso, era irônico.

Nesse período, Jungsu me emprestou sua bicicleta, e Seungmin, com sua paciência infinita, decidiu que era hora de eu aprender a andar. Nunca tinha feito isso antes. Sentir o equilíbrio, manter o controle... parecia impossível para mim. Mas depois de algumas tentativas e quedas, algo clicou. Quando finalmente consegui estabilizar a bicicleta, o som das palmas e gritos de comemoração dos meus amigos ecoou ao redor. Foi uma vitória que, para outros, poderia parecer trivial, mas para mim, foi monumental.

Sorri. Um sorriso genuíno, talvez o primeiro em muito tempo. A alegria que senti naquele momento era pura, quase infantil. Estar com eles, compartilhar essas experiências, me trazia uma gratificação que eu não sabia que era possível. Mesmo com meus pensamentos sombrios, com todas as vezes que imaginei me machucar, estar com eles me ajudava a ver as coisas de outra forma. Talvez, eu começasse a melhorar de verdade se conseguisse me afastar dos meus pais para sempre.

Parei a bicicleta, levantei os braços, absorvendo aquele momento de alegria. O vento batia no meu rosto e o som de risadas dos meus amigos preenchia o ar. Gaon se aproximou, o sorriso malandro de sempre estampado no rosto.

— Finalmente! Anos tentando te ensinar, e você finalmente conseguiu! — Ele riu, tocando meu ombro e piscando o olho esquerdo.

— Você foi incrível, Joo! — Gunil me envolveu em um abraço apertado, seu corpo quente contra o meu. Havia algo nos abraços de Gunil que sempre me deixava confuso. Desde o que aconteceu, tínhamos passado tanto tempo juntos que qualquer gesto de carinho dele me fazia sentir algo que eu ainda não sabia descrever. Era uma confusão boa, mas ao mesmo tempo, desconcertante.

Tínhamos jogado videogames juntos, ele me ensinou inglês, Mortal Kombat, League of Legends. Gunil era sempre tão paciente, tão dedicado em me ensinar. Havia algo nele que me encantava, algo que eu não conseguia colocar em palavras. Ele era diferente de qualquer pessoa que eu já tinha conhecido.

Mas, mesmo com todos esses momentos de felicidade, os boatos sobre a festa ainda circulavam. Aquela festa tinha sido um ponto de virada, de certa forma, mas também uma fonte de rumores tóxicos. Alguns diziam que houve orgias, outros que estávamos todos envolvidos em coisas absurdas. Já tínhamos nos acostumado com isso, com as palavras venenosas que se espalhavam pelos corredores da escola. "Um grupo de cinco garotos e uma 'garota'... no final, todos comem ela." Era o que sempre diziam. Nojento.

Eu e Gunil tínhamos concordado em não falar mais sobre o assunto. No entanto, o fato de termos nos beijado naquela noite ainda rondava a minha mente. Para mim, tinha sido significativo. Foi meu primeiro beijo. Talvez, para Gunil, tenha sido apenas mais um entre tantos. Eu tentava não pensar muito nisso, mas era difícil. Por que isso me afetava tanto? Era apenas um beijo. Só que, para mim, tinha sido especial. Além disso uma pessoa como Gunil jamais teria interesse em alguém tão sujo e violado como eu.

O final de semana foi melhor do que eu esperava, quase perfeito, exceto pela sombra sempre presente do que eu deixava para trás. Estava acostumado com a violência do meu pai, com os abusos. Mas aqui, na casa de Gunil, era diferente. Era sempre calmo. Sua mãe, chef de cozinha, era uma presença constante de conforto. Descobri que Gunil tinha passado a maior parte da vida nos Estados Unidos, onde seu pai servira como fuzileiro naval antes de morrer em um acidente marítimo. Eles tinham voltado para a Coreia recentemente, quando sua mãe precisou cuidar dos avós.

Naquela noite de sábado, depois de uma longa sessão de jogos com nossos amigos, Gunil foi dormir mais cedo. Ele tinha um curso no dia seguinte, enquanto eu ficava acordado, olhando para o teto. Eu estava deitado em um colchão ao lado da cama dele, o chão mais quente do que o colchão na minha própria casa. Aquele ambiente familiar, o quarto de Gunil, deveria me acalmar, mas o sono não vinha.

Olhei o relógio no celular. Duas e meia da manhã. Suspirei, largando o celular ao lado, quando ouvi um som alto do lado de fora. Um disparo. Meu corpo congelou por um segundo. Fui até a janela e olhei em direção à minha casa. As luzes do quarto dos meus pais estavam acesas, e meu pai estava parado na janela, algo na mão, apontando para frente.

Sem pensar, calcei meus chinelos e desci as escadas em silêncio. A casa de Gunil estava escura, todos dormindo. Peguei as chaves da mesa da sala e saí, tentando não fazer barulho. Atravessei a rua rapidamente, pulando o portão da minha casa, movendo-me como uma sombra até o caminho estreito entre a casa e a cerca. Meus pés tocavam a grama gelada enquanto eu caminhava com cuidado, entrando pela porta dos fundos. Subi as escadas em silêncio, o coração batendo descontrolado.

Quando me aproximei do quarto dos meus pais, vi minha mãe caída, envolta em uma poça de sangue. Meu pai estava sentado na cama, fumando calmamente, uma arma ao seu lado.

O choque me atingiu como uma onda. Eu sabia que ele era capaz de coisas terríveis, mas aquilo... não havia nada que me preparasse para isso.

Corri dali. Não pensei duas vezes. Meus pés mal tocaram os degraus da escada enquanto eu fugia, atravessando a rua de volta para a casa de Gunil. Tranquei a porta atrás de mim, sentando no sofá da sala escura. Eu tremia, o corpo todo sacudido. Não sentia nada por minha mãe, não sentia empatia, mas ver aquilo... era demais.

Gunil desceu as escadas, me encontrando ali. Eu mal conseguia falar, minha voz gaguejava, as palavras se embaralhando. Ele, pacientemente, me ouviu até conseguir entender o que eu tentava dizer. Quando percebeu o que havia acontecido, ele pegou o telefone. Sabíamos que, mesmo sendo policial, meu pai não poderia escapar do que fez.

Gunil me deu um copo de água, abraçando-me com força, sua presença calmante. Eu não sabia o que sentia por ele, mas naquele momento, ele parecia ser a única âncora em um mar de caos.

Subimos para o quarto. Gunil me disse que, por segurança, eu poderia dormir com ele naquela noite. Pela primeira vez, depois de tudo, o sono finalmente me encontrou.

Meu querido baterista • JooilOnde histórias criam vida. Descubra agora