A linha tênue da realidade

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  Assim que me despeço de Dylan, Taylor menciona que veio buscar a namorada e as meninas para uma pequena reunião em sua casa e me convida. Eu aceitaria de bom grado se não fosse por essa cena que acabei de presenciar.

  Estou morrendo de frio, subestimei o quão gelado estaria o clima de hoje e escolhi um top preto bem decotado para usar, então cruzo os braços para me aquecer e tenho que me esforçar para não bater em Drew quando ele me oferece seu casaco.

  O comentário homofóbico feito por ele me afetou, provavelmente bem mais do que afetou Dylan, e é óbvio que isso se deu porque ele está acostumado. Já ouvi esse tipo de provocação contra ele mais de uma vez quando era criança, mas agora com mais idade o peso é outro.

— Tem certeza que não quer ir? — insiste Taylor, dei uma desculpa momentos atrás de que limparia meu quarto, o que nem é tão desculpa assim— Você acabou de chegar, deixa isso pra depois.

Não tenho certeza se deveria estar com raiva do Taylor como estou, ele não destratou Dylan da mesma forma que Drew o destratou, pelo menos não hoje, mas lembro-me que ele costumava anos atrás. Nego mais uma vez o convite, e momentos depois quando Gracie e Jamie chegam com as duas outras meninas conversando e rindo tenho que negá-lo mais uma vez.

— Fica pra próxima então— Gracie diz— mas fica com o endereço caso você mude de ideia.

Passo o celular para ela e enquanto anota seu contato e escreve para mim o endereço, Jamie liga para pedir para os nossos pais virem me buscar e aproveita para avisa-los que irá sair.

— Jeremy vai chegar em alguns minutos— minha irmã avisa me deixando em choque.

— Como assim? Nossos pais perderam o juízo?

— Tive essa mesma reação, mas me garantiram que é ok.

— Como ok? Não é porque ele tem idade nesse país que ele sabe dirigir, e se nós formos parados na blitz?

— A mamãe não mandaria ele te buscar se não tivesse confiança nele pra isso, e não vi nada desse tipo ainda, não deve ter ninguém checando nada aqui.

Nos despedimos e todos com excessão de Sadie pedem para que eu reconsidere ir, e respondo que talvez se eu terminar o meu quarto em um horário decente eu apareça para não parecer desfeita.

— Não se preocupe com o horário querida, a gente não vai terminar cedo— diz Gracie me devolvendo meu celular.

Não sei se alguma vez já senti tanto desânimo quanto estou sentindo agora. No momento em que disse para Taylor e Drew que havia trabalho para fazer em meu quarto eu decidi que realmente o faria, mas agora só penso em chegar em casa e deitar na minha pequena cama infantil.

Enquanto espero meu irmão, sinto o vento em meus cabelos e em minhas roupas, como um aviso de que está para chover. Preciso segurar meu top, pois tive a ótima ideia de não usá-lo sem sutiã. No meio de toda essa ventania, penso no que minha irmã me disse mais de uma vez no meio de toda essa loucura: que eu tenho que tirar o foco de nossos pais e pensar em mim.

  Bom, estou pensando apenas em minha vida agora, e sinto profundo desgosto. Nada me chama a atenção nessa cidade. Eu gostava da minha vida no Rio de Janeiro, gostava dos meus amigos, gostava do restaurante e amava a vovó. Me dou conta de que estou com raiva da minha mãe. Não por ter voltado para o meu pai, mas por ter voltado com ele agora. Minha vó morreu faz poucos dias, e eu não tive tempo de digerir o luto porque estou tendo que me preocupar com minha mãe brincando com fogo.

  Se eu pudesse estar em um lugar agora, estaria no Prates após voltar da escola almoçando com meus irmãos e minha avó na pequena mesa da cozinha, como fazíamos todos os dias. Não por ser o melhor lugar do mundo, mas por ser o lugar com mais familiaridade que consigo imaginar, o lugar que eu sentiria o oposto do desamparo que sinto neste momento.

Gracie's PlaceOnde histórias criam vida. Descubra agora