Podres

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Desde que nos mudamos para Saint Frances Cabrini minha família se esqueceu do conceito de espaço. Enquanto me arrumava para ir ao jantar na casa de Dylan, minha mãe entrou no quarto e me assistiu em um silêncio desconfortável, e quando finalmente se pôs a falar, fez tantas perguntas e deu tantos palpites que me deixou zonza.

— É assim que você vai? — ela perguntou me olhando de cima a baixo com aquele ar julgador de mãe que te faz recalcular toda a rota da sua vida.

— É um jantar em uma segunda-feira que me chamaram de última hora — frisei sem olha-la enquanto apertava a tarracha de um pequeno brinco em formato pérola em frente ao espelho — A última coisa que vai ser é formal.

— Pode até ser, mas é assim que você quer ir pra um encontro?

Lancei para minha mãe um olhar de quem diz "tenha dó", ela o ignorou e disse que não é a melhor tática para se conquistar alguém.

— Acha que a Sra. Gates vai terminar comigo se eu for assim? — respondi com espanto irônico e minha mãe copiou meu olhar de "tenha dó".

— É sério filha, você tá bonita, mas tá muito básica.

— Essa é a ideia.

— Você tá ainda mais simples do que tava na escola, troca essa regata, passa uma maquiagem, pelo menos batom.

— Já tô usando lip oil— disse vestindo minha jaqueta com pelos nos pulsos e na gola, além disso, estou usando corretivo para disfarçar as bolsas vermelhas que se formaram pós choro — Tá ótimo assim, porque não tem nada de romântico envolvido nisso.

— Você não é tão inocente assim Joy, por que você acha que ele te convidou?

— Por que a mãe dele mandou.

Quase falei para ela que acho que Dylan é gay para ter paz, mas não parece ser um assunto que ele expresse abertamente então não me sinto no direito de espalhar. Então me vi sem saída, precisei aguenta-la fantasiando em como seria se eu me abrisse para ter um relacionamento com Dylan e me dando opiniões não solicitadas sobre minhas roupas.

  Para não magoá-la, nunca disse que não aprecio seu gosto, mas tive que pagar o pato várias vezes por isso. Acho exagerado, não é meu estilo andar sempre muito arrumada, com muitas roupas coloridas e estampadas, mas mesmo assim nunca me meti no jeito que ela gosta de se vestir, ao contrário dela, que acha que qualquer estilo diferente do dela precisa mudar.

  Desde que Jamie pisou em Saint Frances Cabrini, ela adotou um pouco desse estilo. Assim como minha mãe, Jamie possui uma aparência que a maioria dos estadunidenses considera como clássica de latina, pele oliva, cabelo castanho liso, seios e glúteos grandes, quadris largos, e é bem sensual.

  Ao contrário de mim, que me irrito com essa sexualização estereotipada de quando descobrem que somos brasileiras e logo começam com perguntas estúpidas, a falar espanhol e nos bombardear de uma ignorância mascarada de elogios, ela adotou sem problemas a fama.

  Ela está indo para uma festa, assim que ela entra no quarto para pegar a bolsa, retoma-se o assunto de como estou vestida. Preciso segurar um pouco o riso, o vestido rosa escuro decotado nos seios e nas costas, o colar de ouro com pingente de cruz, os brincos de argola e os lábios cheios de gloss de Jamie nada combinam com o que ela usava em menos de uma semana atrás.

  — Olha a sua irmã, ela tá se vestindo bem melhor — minha mãe comentou segurando os ombros de Jamie e mostrando-a para mim como se ela fosse um vestido em um cabide.

Jamie se soltou e saiu do quarto com um aceno de cabeça, deixando claro que não queria se envolver.

— Você é muito intrometida — retruquei já sem nenhum resquício de paciência — Eu não fico me metendo em nenhuma das suas escolhas, já você faz questão de opinar até nas calcinhas que vou usar.

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