Eu nunca lidei bem com gritos. A sensação de ter alguém despejando a raiva sobre mim, com palavras estridentes e gestos duros, me deixava completamente fora de mim. Era como se, de repente, o ar faltasse, a cabeça ficasse pesada, e a lucidez escapasse por entre os dedos.
Puxei o ar mais uma vez, tentando respirar fundo, enquanto mantinha os olhos fechados com tanta força que chegava a doer. Tudo o que eu queria desaparecer dali, me evaporar, voltando só quando tudo estivessem em silêncio, quando os gritos da minha mãe tivessem sumido no ar. Não queria tê-la deixado assim, e o pior era saber que, de alguma forma, eu já sabia isso aconteceria. E mesmo assim, não consegui evitar.
A Billie apareceu como a minha salvação. Me levou para o lugar onde trabalha e me deu todo o tempo do mundo para recuperar o fôlego e me acalmar. O tempo passou sem que eu percebesse, e quando ela se ofereceu para me levar até em casa, aceitei sem pensar. Só não contava que tivesse demorado tanto, tempo o bastante para minha mãe chegar em casa e esperar por mim, bem ali, em frente à porta.
Ainda consigo ver aquele instante como uma fotografia guardada na memória; o olhar dela, cheio de reprovação, cravado em mim, enquanto eu descia da moto da Billie. Foi como se eu carregasse alguma doença, muito, mas muito contagiosa. Ela praticamente correu para me arrancar de perto da azulada. Perdeu o controle, despejando uma enxurrada de palavras duras e cruéis sobre Billie, sem nem dar a chance de ouvir uma explicação. Ordenou que ela nunca mais chegasse perto de mim e me arrastou pelos braços até dentro de casa.
Agora, já se passaram mais de duas horas desde que me sentei aqui, ouvindo seus gritos. Já levei bronca, até tapas, já escutei todos os cenários terríveis que poderiam ter acontecido comigo e, de quebra, ainda ouvi sobre como Deus estaria decepcionado comigo. Eu queria poder explicar, esclarecer as coisas, mas cada vez que tentava abrir a boca, ela me cortava com um grito ainda mais alto, desses que fazem qualquer um se calar.
Não entendo o por que de tudo isso. O que teria sido de mim sem Billie? Eu provavelmente estaria ainda mais perdida agora. Em perigo. Mas nada disso parece ter importância para ela. Para minha mãe o problema era único e claro; eu estava perto e tinha voltado para casa com uma pessoa "pecadora", como fez questão de deixar bem claro para mim.
-O mal está estampado no rosto daquela mulher!- ela exclama com uma raiva contida, como se cada palavra fosse um golpe -O que você pensa que estava fazendo, Angelina?
Respiro fundo, tentando controlar o choro, mas o soluço escapa antes que eu consiga me segurar.
-Está querendo destruir tudo o que eu e o seu pai te ensinamos, andando com esse tipo de gente? -ela continua, a voz cortante -Você quer virar alvo da ira de Deus? Viver sem rumo, como uma perdida? É isso o que você quer? Fala Angelina!
Eu aperto os lábios, não tinha forças para responder, mas sabia que seria pior se permanecesse calada.
-Ela...ela só estava tentando me ajudar. -murmuro.
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Bem Aventuradas
FanfictionAngelina cresceu em um lar cristão, uma vida moldada por princípios e temores religiosos. No fundo, porém, sempre havia algo em sua mente que não se calava: um questionamento silencioso sobre tudo o que lhe diziam, sobre os julgamentos morais que pa...