Waiting Room

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A previsão costuma errar quando se trata de me desagradar, é uma campeã nisso. Mas confesso que acreditei que não choveria hoje, especialmente pela manhã. Odeio dirigir na chuva, mas em pouco mais de duas horas de viagem, eu realmente não tenho muito do que reclamar.
Tomei café mais rápido do que deveria, mas me certifiquei de que Lily estava alimentada e com o remédio para enjoo fazendo efeito. Eu não tenho costume de levá-la pra longe. Nem eu mesma me lembro da última vez que eu fui pra longe, nunca fui adepta à ideia de dormir fora de casa, nem mesmo quando vivia na casa da minha mãe. Gosto do conforto do que já é conhecido, e penso que isso é natural. Acabo me atentando ao fato de que eu amo a mesma pessoa há vinte e dois anos. Talvez não seja tão natural assim.
Vesti uma calça jeans, uma camiseta branca, uma jaqueta de couro marrom e malditas botas. Esse será o único sapato desconfortável de todos que me convenci a não levar. Não as odeio, mas se só as uso quando há chuva, certamente também não gosto delas. O desconforto de guardar a mala no carro e acomodar a Lily usando guarda-chuva revela a grande desajeitada que eu sou, mas me surpreendo com minha rapidez hoje. Estou fingindo não estar prestes a colapsar em ansiedade.
Nada como trânsito inesperado num sábado de manhã. Estou dirigindo há pouco mais de meia hora e já quero parar em qualquer lugar pra esticar minhas pernas e Lily também precisa de uma parada para dispensar o que comeu mais cedo. Estaciono na frente de uma mercearia de beira de estrada, coloco água para Lily e observo o lugar por alguns segundos. Já não chove mais, mas tudo segue um pouco cinza demais pro meu gosto. O estabelecimento é pequeno, uma estrutura rústica, paredes de pedras e portas e janelas de madeira. A luz amarela da parte interior até que é atraente. Recolho o presente que Lily deixou no gramado no canto e reparo dentro da lixeira uma garrafa de cerveja artesanal quando descarto. Vou ter que entrar.
Quadros de péssimo gosto na parede, mas Joy Division tocando no som me faz perdoar muita coisa. É o tipo de comércio familiar. As únicas pessoas trabalhando são um rapaz ruivo com o rosto coberto de sardas e um avental grande demais pra ele. Pequeno demais para ser aproveitado nos esportes. O que aparenta ser o dono, também ruivo, adota o visual lenhador. Camisa xadrez, barba grande, botas e mãos descuidadas. Quase dá pra acreditar. Pego seis garrafas na prateleira e Sr. Lenhador me atende com um sorriso no rosto. Rezo para não iniciar um diálogo. Ninguém atende minhas orações.

- Indo visitar a família nesse final de semana?

- Sim, com certeza. - Sinto minha bochecha corar, acontece sempre que não me sinto convincente -

- Em Denver?

- Lakewood.

- Ah, sim, nada como rever aquele lago.

- Sim, claro, obrigada.

Saio o mais rápido possível e volto para o carro com Lily e as bebidas. Não há nada de errado com a simpatia e a boa vontade daquele homem, mas falar sobre isso me deixa realmente ansiosa. Está acontecendo, eu realmente estou voltando.
Aquele lugar nunca foi, de fato, ruim. Quer dizer, eu me lembro do lago, das crianças brincando no parque, das casas quase todas iguais. As cafeterias, os bares, restaurantes... até a arquitetura era aconchegante. "Um ótimo lugar para se viver", é o que eles dizem. Não fosse a minha experiência pessoal, eu concordaria. Lembro do clima ameno, do enorme jardim do Sr. Vidal, de sua biblioteca enorme e, é claro, de sua filha.
Eu tinha um bom emprego na cidade. Não era como ser engenheira ou médica, mas eu era bibliotecária. Nada parecia melhor para mim do que todos aqueles livros disponíveis para a minha curiosidade e estar finalmente num lugar quase sempre silencioso, até Rio chegar e me levar para o corredor de livros sobre botânica, jardinagem e bruxaria natural. Ela já conhecia muito bem aquela seção e sabia que ninguém além dela estaria por ali. Depois que comecei a trabalhar na biblioteca, não demorou muito até nos conhecermos.
Me apaixonei por Rio Vidal no momento em que meus olhos encontraram os dela. Parecia tudo arquitetado. Ela sentada no final do corredor, uns dois ou três livros abertos no chão e mais um em suas mãos, até que ela olhou na minha direção como uma criança que foi pega. Aqueles olhos demoraram segundos para externar outra expressão, eram quase agressivos. Intensos. Brilhantes. Eu costumava dizer que aquela foi a primeira vez que ela me viu nua. Não por fora, mas quando aqueles olhos encontraram os meus, eu me despi de tudo que eu havia conhecido antes, toda e cada palavra que já havia sido direcionada à mim. Nunca me esqueci daquele vestido branco até o joelho, das sandálias brilhantes e da fita em seu pescoço, mas foram os olhos dela que me marcaram. O mundo parou de girar ao redor do sol naquele momento. Não demorou muito até eu perceber que, se Rio fosse uma ponte, eu ficaria parada sobre ela para sempre e nunca chegaria do outro lado.
O caminho parece finalmente limpo e, embora eu tente, não consigo evitar abrir uma cerveja enquanto Lily dorme no banco ao lado. Nada que me faça evitar parar de pensar. Provavelmente o preço que se paga por fazer escolhas difíceis. Nunca fui uma pessoa de gastos excessivos, ou pelo menos não enquanto sóbria. Mas nunca deixei de pensar no preço metáforico das coisas, o tanto que as escolhas me custam. Quando fui embora, eu sabia que era pro meu bem, sabia que seria melhor assim, mas o preço que me custou, nada em toda a minha vida poderia me ressarcir. O preço de perdê-la.

Take me back (Fanfic Agathario)Onde histórias criam vida. Descubra agora