A Origem do Mal

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O amanhecer trouxe apenas uma leve sensação de alívio para Ana. As sombras que haviam atormentado sua noite ainda pairavam em sua mente, e o olhar sombrio da senhora das sombras se mantinha gravado em sua memória, como uma presença que a acompanharia onde quer que fosse. Determinada a pôr um fim àquele pesadelo, ela decidiu que era hora de descobrir a história completa da caixinha de música e, quem sabe, libertar as almas presas naquele ciclo sombrio.

Após várias horas de busca em jornais antigos e bibliotecas, Ana finalmente encontrou uma referência intrigante em um livro de lendas urbanas da cidade. A caixinha de música pertencia a uma mulher chamada Celeste Moura, uma espiritualista conhecida na cidade durante o final do século XIX. O boato era que Celeste possuía dons sobrenaturais e que realizava rituais de magia negra para aprisionar almas. Diziam que, em seu leito de morte, ela teria amaldiçoado a caixinha, selando sua alma e as de outras vítimas nela, perpetuando a escuridão que lhe daria poder na outra vida.

Com a descoberta, Ana decidiu procurar por ajuda especializada. Ela lembrou de uma conhecida da cidade, chamada Mariana, uma médium que era conhecida por ajudar pessoas atormentadas por espíritos. Ouvira relatos de que Mariana era capaz de se comunicar com o além, e mesmo com o medo pulsando em suas veias, Ana sabia que essa era a única esperança que lhe restava.

Naquela noite, Ana encontrou Mariana em seu modesto apartamento, que exalava um aroma de incenso e tinha paredes cobertas de imagens religiosas. Mariana, uma mulher de cabelos grisalhos e expressão serena, a recebeu com um olhar compreensivo.

— Eu já senti sua presença antes de você chegar, Ana — disse a médium, seu olhar firme. — As almas estão desesperadas para serem libertas. Mas a entidade que as mantém aprisionadas... ela é poderosa. Se escolhermos fazer isso, é necessário entender os riscos.

Ana engoliu em seco, mas assentiu.

— Eu não tenho escolha. Elas precisam de ajuda.

Mariana concordou e propôs um ritual que permitiria a comunicação direta com Celeste Moura. Esse seria um caminho perigoso, mas talvez o único capaz de revelar uma brecha na maldição. Com o consentimento de Ana, a médium começou os preparativos, organizando velas, ervas e uma tigela de água que, segundo ela, refletiria as almas presas.

O Ritual

A meia-noite chegou e, com ela, o ritual começou. Mariana fechou os olhos e começou a murmurar uma prece em uma língua antiga, suas palavras fluindo como um cântico hipnótico. As velas tremularam, e a temperatura na sala pareceu cair bruscamente. Ana, com a caixinha de música nas mãos, a sentia pulsar, como se tivesse vida própria.

A água na tigela começou a borbulhar, formando redemoinhos, e uma imagem aos poucos apareceu. O rosto de Celeste Moura surgiu, com olhos sombrios e um sorriso sinistro. Ela parecia se deleitar com o sofrimento das almas que aprisionara.

— Quem ousa me incomodar? — A voz de Celeste ecoou, carregada de desprezo. — Não percebe que essa caixinha pertence a mim? As almas... elas são meu alimento eterno.

Ana, mesmo tremendo, enfrentou-a.

— Por que prendeu Lúcia e outras crianças? Elas não merecem esse destino!

Celeste riu, um som áspero e gélido.

— Elas não merecem? Todas as almas que estão comigo fizeram pactos, promessas que nunca cumpriram, e agora, pagam o preço. A escuridão é o meu lar, e elas são minha companhia.

Mariana manteve a concentração, e, aos poucos, as sombras ao redor se intensificaram, revelando as figuras das almas presas. Eram crianças, adultos, todos com olhares vazios e tristes, suas mãos estendidas, como se pedissem libertação. Mas entre elas, Lúcia parecia a única que ainda possuía uma centelha de esperança. Com o rosto molhado de lágrimas, ela olhou para Ana.

— Me ajude... — sussurrou, sua voz soando como um eco distante.

— Existe uma maneira de acabar com essa maldição, Celeste? — Mariana interveio, a voz firme. — Ouvi dizer que até mesmo você precisa de um portal para manter-se viva aqui.

Celeste hesitou, e Ana percebeu que, mesmo com toda sua maldade, a espiritualista possuía um ponto fraco: a caixinha de música. Mariana pareceu perceber isso também.

— Se destruirmos a caixinha, você será banida para sempre, não é?

Celeste riu novamente, mas a hesitação em seus olhos era clara.

— Vocês podem tentar... mas eu voltarei... sempre volto. A escuridão nunca desaparece.

Com isso, a imagem de Celeste desapareceu, e as velas ao redor delas se apagaram de repente, mergulhando a sala na penumbra. Um som horrível de risadas e sussurros ecoou pela sala, como se as almas ao redor estivessem tentando impedir qualquer tentativa de Ana.

Ana olhou para Mariana, a determinação em seus olhos clara.

— Nós temos que destruir a caixinha. Não podemos deixá-la continuar com esse ciclo de horror.

O Desafio Final

Mas não seria tão fácil quanto ela pensava. Com a caixinha nas mãos, Ana percebeu que o objeto parecia ter ganhado um peso sobrenatural. Era como se estivesse conectada diretamente com as almas, e a sensação de tristeza e desespero invadiu sua mente. Mesmo assim, com toda a sua força, Ana conseguiu segurar o objeto firmemente e o levou até uma antiga forja que ficava na casa de Mariana.

Mariana acendeu a forja, e Ana, com os olhos fixos no fogo, sabia que aquela era a única chance de acabar com o terror. Ao jogar a caixinha no fogo, um grito ensurdecedor tomou conta do ambiente. Era Celeste, sua presença gritando de agonia ao perder seu portal para o mundo dos vivos. As chamas consumiram a caixinha, e Ana e Mariana observavam enquanto o objeto derretia, suas bordas negras se desfazendo na fornalha.

De repente, uma rajada de vento gelado invadiu a sala, e as sombras ao redor começaram a desaparecer, levando com elas o som das palmas e dos sussurros. Ana sentiu a presença de Lúcia se dissipar, e, por um breve momento, viu a menina sorrir para ela, finalmente em paz.

As últimas palavras de Celeste ressoaram em sua mente:

— A escuridão nunca some completamente... um dia, eu voltarei.

Mas Ana sabia que, ao menos por ora, havia libertado Lúcia e as outras almas de seu sofrimento eterno. Ela olhou para Mariana, ambas exaustas, mas aliviadas. Sabiam que, mesmo com a ameaça de um retorno, a coragem delas havia rompido o ciclo sombrio que havia assombrado tantas vidas.

Enquanto o sol começava a nascer no horizonte, Ana deixou a casa de Mariana com o coração em paz, certa de que, ao menos por agora, as almas que tanto sofreram estavam finalmente livres.

4o

As Palmas da EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora