Os dias seguintes foram sufocantes para Ana. Cada passo em sua casa parecia ecoar, cada canto trazia sussurros indistintos, e, por mais que tentasse, ela não conseguia se livrar do peso da presença de Lúcia. A caixinha de música continuava sobre sua cabeceira, irradiando uma energia estranha, como um portal que deixava entrar algo cada vez mais sombrio em sua vida.
As noites eram as piores. A presença de Lúcia se intensificava ao anoitecer, e os sonhos de Ana se tornavam aterradores. Não era mais só a criança que aparecia; agora, figuras encapuzadas se escondiam nas sombras, as palmas delas batendo em sincronia com o pulsar de seu coração. As batidas ecoavam pela casa, misturadas ao som do vento e ao ranger das portas, deixando Ana com a sensação de que era vigiada e perseguida. Essas presenças aguardavam o momento certo para entrar em sua vida.
Ana percebeu que não estava sozinha quando coisas começaram a se mover na casa. Pequenos objetos desapareciam ou mudavam de lugar, e portas fechadas se abriam em meio à noite. A caixinha de música, agora um objeto que ela temia, parecia ganhar vida própria, tocando sua melodia mesmo quando Ana evitava tocá-la. Cada vez que a melodia começava, uma nova presença parecia surgir.
Certa noite, incapaz de suportar mais a sensação de invasão em sua própria casa, Ana decidiu confrontar o mistério. Ela acendeu algumas velas, colocou a caixinha de música no centro da sala e a encarou. Com um olhar determinado e a voz firme, ela sussurrou:
— Quem está aí? O que vocês querem de mim?
Por um momento, a casa ficou em um silêncio absoluto, como se o tempo tivesse parado. Então, um murmúrio baixo surgiu, vindo das paredes, e as sombras se moveram, tomando formas humanas. Uma voz distante sussurrou:
— Nós queremos o que é nosso... queremos o que nos foi tirado...
As sombras se aproximaram lentamente, e Ana reconheceu o rosto de Lúcia entre elas, seus olhos ainda tristes, mas agora refletindo um ódio sombrio.
— Vocês querem justiça? — perguntou Ana, sua voz trêmula. — Quem fez isso com vocês?
Lúcia apontou para a caixinha de música. Seus dedos trêmulos pareciam pálidos e cadavéricos à luz das velas. A melodia começou a tocar sozinha, lenta e assombrada. Então, em um sussurro quase inaudível, Lúcia murmurou:
— A senhora das sombras... ela nos prendeu aqui. Todas as almas, condenadas a vagar... ela alimenta a escuridão.
Ana recuou, o terror subindo por sua espinha. Ela finalmente compreendeu que a caixinha não era apenas um objeto, mas uma âncora que mantinha as almas presas em um ciclo eterno. E, ao tocá-la, havia liberado algo que jamais poderia controlar.
Naquela mesma noite, Ana teve o sonho mais vívido e aterrorizante de sua vida. Estava de volta ao corredor escuro, onde mãos invisíveis a agarravam, e sombras a cercavam com sussurros desesperados. No fim do corredor, a "senhora das sombras" finalmente apareceu, envolta em um manto negro, com olhos que pareciam abismos.
— Você me acordou, Ana. — A voz era rouca e cheia de malícia. — Agora, você também faz parte de mim.
Ana tentou correr, mas seus pés estavam presos, suas pernas pesadas demais para se mover. As palmas ecoaram mais uma vez, e ela percebeu que eram como um chamado para a condenação. As almas, como Lúcia, estavam fadadas a vagar eternamente ao som da caixinha, enquanto a senhora das sombras controlava suas almas, sugando cada fragmento de esperança que tinham.
Ao acordar, ofegante e coberta de suor, Ana soube que não poderia vencer essa batalha sozinha. Era hora de buscar ajuda, de desvendar a verdadeira história da caixinha e encontrar uma maneira de libertar as almas presas, inclusive a sua própria, antes que fosse tarde demais.
4o
VOCÊ ESTÁ LENDO
As Palmas da Escuridão
HororNo coração de uma cidade esquecida pelo tempo, uma antiga loja de antiguidades atraía curiosos e colecionadores. Entre os muitos objetos, uma caixinha de música empoeirada se destacava. Seus detalhes delicados e o brilho opaco revelavam uma história...