O monstro

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Desviar da Amanda foi fácil, só precisei dizer que estava atrasada. Eu não estava, mas foda-se ela eu to por um fio de mandar tudo a merda. A única coisa que me mantem é não ter achado um apartamento.
Chego no camelódromo e vou direto para banca aonde eu trabalho, não paro para notar nada ao meu redor, dizem que eu ando com cara fechada e seria geralmente. Se soubesse o que minha cabeça pensa na metade do tempo iriam entender. Mas as vezes é só a minha cara mesmo, de quem anda pelo mundo com metade da alma morta. Se alguém decidir me chamar de dramática, fique a vontade drama é o que mais alimenta o monstro que vive na minha cabeça e é o único alimento que eu me divirto dando. Então sim eu sou dramática e eu amo isso.
Quando chego na banca as meninas tão conversando, as duas me olham sabendo o exato motivo do por que eu estou ali.
-Você precisa de um apartamento só pra você.- Su é quem fala vindo até mim. E eu sento na escada que fica na porta da banca.
- Eu preciso é me jogar de um prédio. - Digo jogando os braços para cima e fazendo cara de coitada.
- Ela falou alguma coisa? - Lu fala chegando perto, agora estamos as três se encarando.
- Não dei tempo para isso, sai antes de que viesse me incomodar.
- Inteligente, e vai fazer o que passar sua ultima hora de intervalo aqui?
- Sim, mas antes eu vou fumar com a Denise. - Digo levantando da escada, quando olha para frente Denise já esta na calçada fumando e ao lado dela se encontra Guilherme. - Parece que eu ganhei na loteria. - Digo rindo os encarando, as meninas seguem meu olhar Su bufa.
- Vai que agora você tem a chance. - Ela me empurra e eu vou andando como se nada tivesse acontecido.
Pego minha carteira de cigarro e o isqueiro, caminho até o lado de Denise, ela e ele estão conversando sobre o movimento do camelo, quando Denise vira para mim.
- Você não deveria estar no intervalo?
- Porque todo dia você me faz a mesma pergunta se a resposta nunca muda? - Eu digo rindo
- Porque eu espero que um dia mude.
- Só estava entediada dessa vez, se me deixasse eu dormia e esqueceria a hora.
- Nada da Amanda então?
- Ela tentou, mas eu já estava saindo, talvez se eu passasse mais tempo em casa ela iria vir falar comigo, vai saber. - Digo dando de ombro, Guilherme não abriu a boca até agora.
- Ai Bia você tem que dar um jeito nisso.
- Achar apartamento na temporada não é fácil e você sabe bem disso. Mas eu to quase lá. - Digo resmungando, me viro e cruzo meu olhar com o garoto, que por acaso estava olhando para mim. - Bom dia, pessoa que eu não sei o nome.
- Bom dia, Bia? - Ele diz frangindo as sobrancelhas.
- Beatriz, Bia, tanto faz. - Se quiser me chamar de amor também pode, isso eu apenas penso. - E você?
- Guilherme. - ele diz tragando o cigarro e eu sigo a ação.
- Que horas você volta para a loja? - A voz de Denise me lembra que o resto do mundo existe.
- Tenho um pouco mais de meia hora ainda.
- Me faz um favor e vai lá comprar um pedaço de pizza para mim? - Ela diz com a voz manhosa.
- E isso é um almoço descente para você? - Digo juntando as sobrancelhas.
- E você comeu o que? Você comeu? - Como eu disse quase minha vó.
-Eu comi, uma quantidade pequena de miojo. Meu estômago não está bom hoje.
- Ele nunca está bom Beatriz. Agora vai comprar minha pizza. - Ela diz me entregando o dinheiro. - Uma coca também.
-Posso terminar meu cigarro? - Realmente parece que eu estou pedindo permissão.
- Sim, boba. - Ela sai rindo, e ficamos eu e o Guilherme. Pelo menos agora eu tenho uma desculpa para saber o nome dele. - Esse calor ainda vai acabar comigo. - Nossa eu meti essa mesmo? Eu falei do clima?
Você é estúpida Beatriz o monstro grita nos meus ouvidos, e eu sinto as garras dele me perfurando. Meu ego vira poeira, o pingo de auto estima se esvai. E ele começa a caçar qualquer resquício de confiança. Eu fumo meu cigarro esperando que ele acabe logo.
- Um inferno de dia quente.  - Ele diz jogando a bituca do cigarro fora.
Por favor vá embora, não puxe conversa só vá embora. Ou ele dará um jeito de me fazer sangrar e eu não quero lutar contra mim mesma novamente.
Não dou tempo para conversa, eu sei o que significa continuar, agora não. Eu jogo o resto do cigarro fora, viro sorrindo para ele e só dou as costas indo comprar a pizza de Denise. Eu vejo que ele sorriu antes de eu dar as costas. Eu vi aquele maldito sorriso e a voz do monstro surge no fundo da minha cabeça.
Mesmo que você o conseguia Beatriz, quanto tempo vai demorar até ele ver o quão suja você é, até quando você vai ter ele na palma da sua mão. Acha que ele não vai perceber toda a manipulação? Ou essa confiança de merda que você exala, quando ele ver que ela não existe? Quantos já fugiram por menos, você não é capaz nem de amar a si mesma, imagina alguém, fraca e inútil é o que você é.
Tentar lutar contra isso é impossível, a voz é exatamente igual a minha e bem sou eu mesma. Uma versão distorcida de mim, isso começou quando a anorexia apareceu pela primeira vez, como se ela pudesse falar no fundo da minha mente, se chama distorção de imagem. Algumas pessoas tem sobre o próprio corpo, eu tenho sobre quem eu sou.
Sou eu mesma me destruindo, sou eu me auto sabotando, mas em vez de aceitar que seja eu, criei uma segunda personalidade que age quando eu sou incapaz de lutar. Quando a depressão chega eu sou apenas ela, apenas um monstro cruel. É isso que eu sou. Fraca e cansada de encontrar alguma coisa viva em mim. Cansada de travar essa maldita luta toda manhã, todos os momentos sozinha ele aparece e se rasteja dentro de mim. Chorar não acontece com facilidade só quando eu encontro ô precipício e pulo. Quando a depressão rasteja para dentro e me consome até não sobrar nada. E mesmo assim ninguém vê, eu sou boa disfarçando .
Lamento lhe informar se veio em busca de um romance, aqui você só vai encontrar uma longa história aonde eu sobrevivi. Mas precisei morrer primeiro. Pois bem dramática.

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