Humanos demais

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>>>> Esse capitulo foi escrito  pela Tulipa


— Não caçamos humanos. — Carlisle sentou-se no sofá, observando Vlad enquanto este se livrava da primeira camada de roupas, revelando um homem que, embora familiar, parecia tão distante. Era estranho ver seu pai agir de maneira tão humana. Essas não eram as lembranças que permaneciam vivas na mente de Carlisle. Por mais que Vlad estivesse fazendo um esforço para se conectar, a cada recordação que surgia, seu peito apertava-se, relembrando o porquê de ter escolhido uma vida tão oposta à daquele homem.

— O que isso quer dizer? — Drácula perguntou, seus olhos fixos no filho, tentando decifrar a expressão que carregava um misto de frustração e determinação.

— Somos vegetarianos.

— Está me dizendo que consegue sobreviver apenas com sangue animal? — O homem soltou um meio sorriso, cético, como se a ideia fosse quase absurda.

— Eu sou médico, pai. Eu salvo vidas. Humanos. Não... não sou um assassino.

Vlad sentiu o peso das palavras de Carlisle, como se fossem âncoras pesadas que o puxavam para um abismo de arrependimento. Nas entrelinhas, o filho falava dele, dos erros que Vlad nunca deveria ter cometido. Por um breve momento, uma dor surda ecoou em seu peito, algo que ele nunca deixaria que o atingisse de fato. Nos anos em que abraçou as trevas, nunca imaginou que veria seu filho, uma chama de esperança em sua vida, defendendo a humanidade em vez de dominá-la.

Drácula sempre acreditou que a verdadeira força de um vampiro residia no controle que exercia sobre os mortais. Agora, ao olhar para Carlisle, para os olhos que, embora vampíricos, carregavam uma ternura quase humana, Vlad percebia com um assombro silencioso que talvez estivesse errado durante todo aquele tempo. E essa ideia era tão perturbadora quanto esmagadora.

— Se pudesse voltar no tempo, ainda faria as mesmas escolhas? Teria coragem de renunciar o seu... ser por algo mais leve?

— Eu espero nunca ter que voltar no tempo, pai. — As palavras de Carlisle soaram frias e firmes, como uma barreira que não poderia ser transposta.

— Mas, se pudesse...

— Pai, eu não quero falar sobre isso. Se formos conversar sobre o passado, serei obrigado a pedir que se retire da minha casa. — Carlisle endureceu o rosto, sua impaciência se tornando palpável. Vlad soltou um suspiro cansado e assentiu, deslocando-se alguns centímetros para mais perto do filho. Ele sabia que precisava ser cauteloso, afinal, conhecia bem seu filho. Não hesitaria em colocá-lo para fora.

— Não posso deixar de admitir que sua escolha me intriga. — Drácula continuou, pousando as mãos sobre o colo, observando os filhos interagirem com ele. — Viver com os humanos... a mesma raça que...

Carlisle rapidamente pigarreou, gesticulando na direção dos filhos. Ele nunca havia falado sobre seu passado para ninguém além de Esme — sobre seu pai, sobre sua mãe. E definitivamente não queria que os filhos começassem a fazer perguntas que, certamente, o irritariam. Vlad suspirou mais uma vez, concordando com a cabeça, enquanto sentia o calor da lareira e ouvia o crepitar do fogo.

Tudo aqui é humano demais, pensou, observando o ambiente ao seu redor. As luzes, a decoração, os móveis... uma mochila jogada no sofá, com alguns livros escorregando para fora, era sinal de que alguém, ou alguns, frequentavam a escola. Humano demais. Antes que pudesse questionar em voz alta, sentiu o olhar curioso de Edward sobre si e, só então, encarou o garoto com mais atenção. Ele tinha os cabelos desgrenhados e uma expressão que transparecia um ar mais infantil que os irmãos.

— Por que acha que somos "humanos demais"? — O garoto perguntou, incapaz de conter a curiosidade.

— Edward, deixe a mente do seu avô em paz. — A voz de Emmett era urgente e autoritária, tentando proteger Vlad da incerteza. Vlad sorriu de lado, apreciando a preocupação do neto.

— Então você lê mentes? Que dom extraordinário! — Vlad elogiou, encorajando o menino, mas fazendo Carlisle suspirar de frustração.

— Sim, eu leio. E a sua mente é uma bagunça.

— Não tente me entender, garoto. Isso só irá te causar dores de cabeça. — Drácula sorriu novamente, tentando deixar o neto confortável. Mas todos pareciam ainda receosos, algo compreensível.

— Como é viver por tanto tempo? — Agora, Vlad virou-se um pouco para ver Emmett, que havia se aproximado. O garoto alto e musculoso estava intrigado, a curiosidade brilhando em seus olhos. — Você não se cansa?

— A eternidade pode ser um fardo, sim. — Ele respondeu, refletindo por alguns segundos. A ideia de cansaço era nova para ele, algo que nunca havia considerado até aquele momento. — Mas também nos traz muitos aprendizados e memórias. Boas e ruins.

— Eu gosto da imortalidade. — Emmett sorriu pela primeira vez, acomodando-se no sofá ao lado do avô, como se já estivesse à vontade. — Terei a oportunidade de ver toda a história mudando e sendo construída. Eu, particularmente, acho isso incrível.

— Assim como verá pessoas que você ama morrendo, enquanto você está fadado a viver eternamente. Eu não gosto de lembranças. — Rosalie se fez presente na conversa com seu jeito impetuoso, caminhando pelo outro lado da sala, com os cachos loiros caindo nos ombros.

— A imortalidade é uma dádiva. Pode ser dura, sim. Mas é uma dádiva. — Vlad emendou, cruzando os braços e observando seus netos. — Não veja apenas o lado ruim disso, Rose...

Carlisle se afundou um pouco mais no sofá, observando os filhos interagirem com Vlad, como se o conhecessem há muito tempo. O único que se mantinha quieto e observador era Jasper. O menino havia dito poucas palavras, mas isso se devia ao fato de sentir a tensão palpável entre Vlad e Carlisle. Sua perna esquerda balançava incessantemente, traindo uma ansiedade corriqueira.

— Crianças, Vlad precisa descansar. Tenho certeza de que ele caminhou bastante para chegar até aqui. — Carlisle se levantou do sofá, seus ombros rígidos, tensos. — Temos um quarto de hóspedes. Você pode usá-lo por enquanto.

Vlad concordou com a cabeça, sorrindo novamente. Humano demais. Já havia anos que ele não dormia em uma cama. Não era comum, mas evitava entrar em discussões com o filho. Evitaria isso a todo custo.

— Obrigado, meu filho. — Ele lançou um olhar de gratidão a Carlisle, mas não recebeu um sorriso ou afago em troca, apenas um simples aceno de cabeça.

Carlisle levantou-se do sofá, seu corpo tenso enquanto caminhava ao lado de Vlad em direção ao quarto de hóspedes. Cada passo parecia um eco do passado, um lembrete da dor que havia separado pai e filho. O silêncio que os cercava era pesado, carregando o peso de memórias não ditas e ressentimentos acumulados ao longo do tempo.

— Espero que você se sinta confortável aqui. — Carlisle disse, forçando um tom neutro, mas suas palavras soaram entrecortadas por uma tensão palpável.

Vlad olhou para ele, os olhos escuros e profundos refletindo um mar de arrependimento. Hesitou antes de responder.

— É... diferente. — A voz de Vlad soou baixa, quase como se estivesse se permitindo sentir a vulnerabilidade. — Um lar... nunca pensei que voltaria a um lar...

Carlisle prendeu a respiração, sentindo um nó se formar em sua garganta. O lar que Vlad mencionava era uma lembrança distorcida, um lugar onde os ecos de risos se misturavam com gritos de dor.

— Você precisa de mais alguma coisa?

— O que tenho é o suficiente, Carlisle.

— Estarei lá embaixo, se precisar. 

Dissolvendo Esse Sangue ImundoOnde histórias criam vida. Descubra agora