Capítulo 5: Ecos do passado

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O dia seguinte amanheceu cinzento, e Mariana sentia-se tão sombria quanto o céu. Estava grata pela noite anterior com Miguel, mas a vulnerabilidade que ele a fizera sentir não saía da sua cabeça. Passou a manhã nas aulas sem realmente prestar atenção. Inês e Rui tentaram puxá-la para conversas, mas Mariana mantinha-se distante, perdida nos próprios pensamentos.

Durante o intervalo, enquanto Mariana olhava para o telemóvel, recebeu uma mensagem inesperada de um número desconhecido.

Mensagem: "Olá, Mariana. Há muito tempo que não falamos. Podemos encontrar-nos?"

Ela reconheceu o nome imediatamente: era do seu pai. A relação entre eles sempre fora difícil, com uma história marcada por ausências e promessas quebradas. Mariana sentiu uma onda de emoções a inundar-lhe o peito. Não sabia o que pensar. Fazia meses que não tinha notícias dele, e agora, de repente, ele queria vê-la.

— Tudo bem? Pareces assustada — perguntou Inês, ao ver a expressão no rosto de Mariana.

— É só... uma mensagem de alguém que eu não esperava ouvir mais — respondeu, ainda processando o que aquilo significava.

Inês pareceu querer perguntar mais, mas notou o olhar distante de Mariana e decidiu não insistir.

Ao final da tarde, depois das aulas, Mariana decidiu responder à mensagem e combinar um encontro com o pai num café discreto. Quando chegou, ele já estava lá, sentado numa mesa no canto, com uma expressão de cansaço e um ar abatido. Os olhos dele mostravam uma sombra que Mariana se lembrava de ter visto muitas vezes enquanto crescia.

— Olá, Mari — disse ele, com um sorriso tímido.

Ela sentou-se, sem saber muito bem como começar.

— Olá... — murmurou.

Eles ficaram em silêncio por um momento, e o pai dela finalmente suspirou, parecendo querer desabafar algo importante.

— Sei que não tenho sido o melhor pai. Tenho... cometido muitos erros, mas queria que soubesses que estou a tentar mudar.

Mariana sentiu uma mistura de ressentimento e esperança. Tantas vezes ouvira aquela promessa, mas, na maioria das vezes, acabava desiludida. Mesmo assim, havia uma parte dela que queria acreditar, que queria dar-lhe mais uma oportunidade.

— Tenho estado a lutar contra... problemas que não contei a ninguém — continuou ele, a voz embargada. — Mas decidi procurar ajuda.

Mariana olhou para ele, tentando decifrar o que realmente sentia. Sabia que ele tinha os próprios demónios, mas isso nunca justificara as ausências e o abandono.

— Eu... agradeço que estejas a tentar, pai, mas... já ouviste isso tantas vezes. É difícil acreditar.

Ele assentiu, compreendendo a reação dela.

— Eu sei, tens toda a razão. Mas eu queria que soubesses que estou disposto a tentar outra vez. Gostava de, pelo menos, fazer parte da tua vida de uma forma que nunca fiz antes.

Mariana sentiu uma lágrima ameaçar escapar, mas manteve-se firme. Havia tanto que queria dizer, tanto ressentimento guardado, mas as palavras não saíam.

Quando voltou para casa, Mariana sentia-se esgotada. Sabia que aquele encontro com o pai iria mexer com ela, mas não imaginava o quanto. Tinha a cabeça a latejar e uma sensação de vazio que parecia expandir-se. Por um lado, queria que ele mudasse, que finalmente fosse o pai que sempre quisera. Por outro, estava cansada de esperar e de sofrer com as promessas quebradas.

Sem conseguir encontrar paz, pegou no telemóvel e mandou uma mensagem a Miguel.

Mariana: "Preciso de sair de casa. Estás livre?"

Em menos de um minuto, ele respondeu.

Miguel: "Estou a caminho. Onde estás?"

Minutos depois, ele estava à porta do prédio dela, com aquele mesmo sorriso despreocupado e confiante. Mariana sentiu um alívio ao vê-lo, como se ele fosse a única pessoa capaz de afastar as nuvens escuras que pairavam sobre a sua cabeça.

Eles começaram a caminhar, sem um destino específico, até que Miguel a levou até um parque tranquilo, longe do barulho da cidade. Sentaram-se num banco, e ele olhou para ela com uma seriedade que raramente mostrava.

— Então... o que se passa? — perguntou ele, quebrando o silêncio.

Mariana hesitou. Parte dela queria manter aquilo guardado, mas outra parte ansiava por desabafar com alguém que não a julgaria.

— O meu pai apareceu do nada, a pedir para se encontrar comigo — começou ela, olhando para o chão. — Ele diz que quer mudar, mas... já ouvi isso tantas vezes. É difícil acreditar.

Miguel assentiu, ouvindo atentamente.

— Deve ser difícil confiar em alguém que te desiludiu tantas vezes — disse ele, com uma compreensão genuína na voz.

— É como se eu quisesse acreditar, mas... sinto que, no final, vou acabar magoada outra vez — confessou, a voz tremendo.

Miguel colocou a mão no ombro dela, transmitindo-lhe uma segurança que ela precisava.

— Às vezes, as pessoas precisam de falhar muitas vezes antes de conseguirem mudar. Mas isso não significa que tens de te deixar magoar por causa disso. Tens o direito de te proteger.

Mariana olhou para ele, surpresa com a maturidade das palavras dele. Aquela camada confiante e rebelde escondia uma pessoa muito mais profunda do que ela imaginara.

— Obrigada, Miguel. A sério... — murmurou, sentindo-se grata por ele estar ali.

Eles ficaram em silêncio, e Mariana sentiu que, naquele momento, talvez estivesse a construir uma amizade verdadeira com ele.

Entre o caos e a esperançaOnde histórias criam vida. Descubra agora