Depois daquele passeio com os amigos, Mariana sentiu que algo dentro dela tinha mudado. Sentir que todos ali carregavam os seus próprios fardos tornou-a mais consciente de que a dor, apesar de pessoal, era partilhada de alguma forma. No entanto, os dias que se seguiram foram especialmente difíceis para ela. A sua luta contra a imagem corporal e a relação com a comida estava a intensificar-se, e, em vez de procurar ajuda, afastava-se cada vez mais dos outros.
Naquela tarde, Inês decidiu passar por casa dela sem avisar. Quando Mariana abriu a porta, parecia surpreendida — e, talvez, um pouco incomodada — pela visita inesperada.
— Oi, Mari! Estava a passar por aqui e achei que poderíamos estudar juntas... ou ver um filme, se preferires — disse Inês, sorrindo, mas notando o rosto cansado da amiga.
— Ah, não estava à espera... mas claro, entra — disse Mariana, esforçando-se para parecer entusiasmada.
Inês entrou, observando discretamente a sala. Reparou na falta de comida ou snacks por perto, algo que seria habitual quando se encontravam. Sentaram-se no sofá e tentaram estudar, mas Inês percebia que a mente de Mariana estava distante.
Depois de alguns minutos, Inês decidiu arriscar.
— Mari, estás bem? Parece que... tens andado mais em baixo ultimamente.
Mariana hesitou, tentando formular uma resposta que não levantasse suspeitas.
— Só tenho estado cansada, nada de especial. Talvez seja o stress dos estudos...
Mas Inês não parecia convencida. Puxou gentilmente a mão de Mariana, olhando-a nos olhos.
— Sabes que podes contar comigo, certo? Eu sei que, às vezes, as coisas podem ser difíceis. Todos temos dias maus, e tu não precisas de fingir que está tudo bem.
Mariana sentiu o coração apertar. Parte dela queria desabafar, contar à amiga sobre a dor constante, a insatisfação com o próprio corpo, a sensação de que estava a perder o controlo. Mas uma parte ainda maior dela recusava-se a ser vulnerável, com medo de ser julgada.
— Eu... estou bem, Inês. A sério. Só preciso de tempo para colocar as ideias em ordem.
Inês assentiu, mas Mariana sabia que ela não acreditava completamente. Ainda assim, Inês respeitou o espaço da amiga e mudou de assunto, falando sobre um evento escolar que aconteceria na semana seguinte, tentando aliviar o ambiente.
Na mesma noite, já sozinha no quarto, Mariana sentia-se mais sobrecarregada do que nunca. Sabia que estava a afastar as pessoas que mais se preocupavam com ela, mas não conseguia evitar. Era como se um peso invisível a puxasse para baixo, tornando impossível qualquer tentativa de pedir ajuda.
Enquanto lutava contra os pensamentos negativos, o telemóvel vibrou. Era uma mensagem de Miguel.
Miguel: "Estou na praia, se quiseres aparecer. Às vezes, o som do mar ajuda."
Mariana sentiu uma onda de gratidão ao ler a mensagem. Miguel, de todas as pessoas, parecia entender o que ela passava, mesmo sem que precisasse de lhe contar tudo. Sem pensar muito, vestiu um casaco e saiu de casa, indo ao encontro dele.
Quando chegou à praia, Miguel estava sentado na areia, a olhar para o mar. A lua refletia-se nas ondas, criando um ambiente calmo, quase mágico. Mariana aproximou-se e sentou-se ao lado dele, sem dizer nada.
— Sabes, há algo de terapêutico no mar. Faz-nos perceber o quão pequenos são os nossos problemas — disse ele, sem desviar o olhar das ondas.
Ela assentiu, observando o movimento constante das águas.
— Às vezes, sinto que estou a afogar-me... mas sem água. Apenas presa num vazio — confessou, num sussurro.
Miguel olhou para ela, surpreso pela sinceridade dela.
— Eu compreendo — disse ele. — Há dias em que tudo parece um peso que não conseguimos carregar. Mas o importante é não perderes de vista a costa. Mesmo que não vejas, ela está lá.
Ela sorriu levemente, reconfortada pelas palavras dele. Sentiu que, de alguma forma, estar com ele ali, em silêncio, era a coisa certa. Era uma amizade que, inesperadamente, a ajudava a aguentar as tempestades que enfrentava sozinha.
Os dois ficaram ali, sentados lado a lado, enquanto o som do mar preenchia o silêncio entre eles.
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Entre o caos e a esperança
RomantikA vida de Mariana, uma estudante de 18 anos, nunca foi fácil. Inteligente e perspicaz, ela esconde atrás de um sorriso tímido os problemas psicológicos que enfrenta diariamente. As sessões de terapia e os remédios são parte do seu cotidiano, mas o q...