MAIO, 81° DIA DE PRIMAVERA, 2007, SEUL
Mesmo com o clima leve, Jin-ho seguia andando como se carregasse um peso enorme. Seus passos eram lentos e arrastados, seus pobres olhos tão mortos quanto os de um cadáver. Ele estava indo para a escola em um dia comum, mesmo que sua alma ainda estivesse dormindo e seu coração. Mal sabia ele que encontraria seu rumo logo naquele dia em que suas esperanças haviam se esgotado. Sua escola ficava a duas quadras de sua casa, e, apesar de ter condições mais do que suficientes para ir com o motorista de seu pai, ele gostava de andar, de sentir a brisa e, de vez em quando, adoecer pela friagem que pegava toda manhã. Mas, naquela manhã, estava bem protegido: seu humor ácido e mórbido o resguardava de qualquer intenção que outros tivessem em relação a ele.
Foi então que, em um descuido momentâneo, ele se virou para pegar o pequeno chaveiro de metal que havia caído sobre o asfalto, um presente que sua mãe lhe dera. Ao se abaixar para pegar, uma menina que corria como um raio o atingiu, e ambos caíram no chão. Ela tinha cabelos reluzentes, foi o que ele pensou. Ela atingiu seu peito e atravessou seu coração sem avisos. Diferente de um trovão, Seo-Yeon era puramente um raio. Ela se levantou tão rápido quanto havia caído segundos antes. Com as mangas arregaçadas e um sorriso no rosto, estendeu as mãos para Jin-ho, que ainda assimilava o que acabara de acontecer — seus sentimentos, sua vida.
— Desculpe, não foi minha intenção — desculpou-se.
A brisa da primavera refletia em seus cabelos longos. E Jin-ho ainda a admirava sem qualquer reação.
— Você se machucou? — ela se prontificou.
— Não. — Jin-ho ajeitou sua roupa.
— Você é veterano, não é? — Ela olhou em volta, confusa. — Jin-ho? — leu no crachá do uniforme dele.
— Quantos anos você tem, para estar correndo por aí? — Jin-ho tentava decifrar o novo sentimento que nunca havia sentido antes e o camuflava com reprovação. Era a primeira vez que seu coração acelerava daquela forma, que suas mãos tremiam de nervoso, e que sua mente ficava em um branco eterno.
— Tenho onze anos. Não é normal alguém da minha idade correr? — ela se pegou pensativa.
Era a primeira vez que Seo-Yeon era reprovada por seu comportamento desde que se mudara para Seul. Ela se sentiu bem. Não era alguém com falsa simpatia ou tratando-a bem por causa de sua nova família; ela estava sendo tratada como uma pessoa comum novamente. Mesmo carregando o mundo nas costas, Seo-Yeon continuava sorrindo e mostrando gentileza ao seu redor. Ela sabia que ninguém conhecia seu passado, sobre ser uma bastarda de seu pai, ou sobre ter perdido a mãe há pouco mais de um ano. Mesmo tão nova, era uma criança consciente, que prestava atenção e tentava entender o mundo à sua volta. Mas Jin-ho não precisava saber disso, aliás, ninguém podia saber. Era um peso que ela precisava carregar sozinha.
— Nunca te vi na escola — Jin-ho a examinava.
— Sou nova. É meu primeiro dia hoje — ela sorriu, novamente o deixando bobo. — Prazer, Seo-Yeon, Kim Seo-Yeon.
Ela pronunciou seu novo sobrenome com orgulho, meio que em uma tentativa de se lembrar dele.
— Entendi.
A primeira impressão de Seo-Yeon sobre Jin-ho foi que ele era muito fofo, isso porque, aos treze anos, ele era muito menor do que os meninos de sua idade, e certamente menor do que ela. Achou-o tímido, e um sentimento familiar cresceu nela ao lembrar de seu irmão mais novo.
Ela acariciou o cabelo dele.
Os olhos dele se voltaram para ela. Não era comum para ele alguém demonstrar carinho. Em sua casa, mal era cumprimentado pelos pais, comia sempre sozinho e estava constantemente estudando. Foi a primeira vez que o calor humano o aqueceu.
Seo-Yeon percebeu que o toque em seu cabelo fez Jin-ho hesitar por um momento, seus olhos se encontrando pela primeira vez de forma mais consciente. Ele parecia alheio a esse tipo de contato, e isso a fez pensar no que o garoto poderia estar sentindo.
— Não precisa ficar assim — ela disse, percebendo o desconforto dele. — Eu só queria... sei lá, ser legal.
Jin-ho desviou o olhar, ainda confuso com o que acabara de acontecer. Não estava acostumado a esse tipo de proximidade, nem a receber sorrisos tão espontâneos quanto o dela. Ele não sabia ao certo o que dizer, então ficou em silêncio.
— Você não fala muito, né? — Seo-Yeon riu, tentando quebrar o gelo.
Ele deu de ombros, ainda ajeitando o uniforme e tentando recuperar a compostura.— Não costumo... falar com muita gente — admitiu, baixando os olhos. — E nunca vi ninguém correr assim pela rua.
Seo-Yeon sorriu, ainda com o brilho da criança que se permitia ser. Era como se ela ignorasse o peso que a vida tinha colocado sobre seus ombros, enquanto ele o sentia em cada passo, em cada respiração.
— Eu corro porque gosto — disse ela, com simplicidade. — Me faz sentir livre, sabe?
Jin-ho ficou em silêncio por um momento, absorvendo aquilo. Liberdade. Era uma palavra que ele nunca havia associado a si mesmo. A rotina rígida e solitária que vivia não lhe dava margem para entender o que aquilo significava de verdade. Enquanto a observava, percebeu que Seo-Yeon tinha algo que ele nunca soubera procurar.
— Talvez você devesse tentar — ela sugeriu de repente, os olhos cheios de uma leveza que o intimidava.
— Tentar o quê? — Jin-ho perguntou, franzindo o cenho.
— Ser mais livre. Correr. Sentir a brisa sem ter que pensar em tudo o tempo todo — disse ela, com um sorriso travesso.
Jin-ho hesitou. A ideia de simplesmente "deixar acontecer" lhe parecia impossível, mas ao mesmo tempo, havia algo na voz de Seo-Yeon, na maneira como ela falava de liberdade, que mexia com ele. Talvez fosse o brilho dos olhos dela, ou o calor de sua presença, mas ele não conseguia desviar o olhar.
— Não sei se sou bom nisso — disse, quase como um sussurro, sem saber exatamente por que estava confessando aquilo.
— Não precisa ser bom. Só precisa tentar — ela respondeu, quase como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Um breve silêncio se instalou entre eles. Jin-ho observava Seo-Yeon, com uma mistura de curiosidade e admiração. De repente, o mundo parecia menos opressor ao lado dela.— Acho que vou me atrasar — Seo-Yeon falou de repente, com um risinho. — Não quero que os professores me peguem no primeiro dia, né?
Jin-ho assentiu, meio sem jeito. Eles começaram a andar juntos em direção à escola. Quando chegaram aos portões da escola, ela correu para dentro da escola, e Jin-ho ficou parado por um momento, observando-a desaparecer pelo corredor. Pela primeira vez em muito tempo, ele sentiu o coração bater mais rápido.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Jantar à Dois [EM ANDAMENTO]
RomancePara salvar a empresa da família, uma herdeira aceita entrar em um casamento arranjado com seu maior rival nos negócios. No entanto, um dia ela acorda sem nenhuma memória dos últimos dez anos de sua vida, apenas para descobrir que está noiva de um h...