As aulas começariam em duas semanas. O carro que utilizei para a mudança deveria estar abarrotado de caixas e malas, mas continha apenas duas pequenas caixas de papelão e uma única mala. Conseguir a vaga na faculdade não foi fácil. Eu precisava de uma bolsa integral, já que meus tios não poderiam arcar com os custos de quatro anos de estudo em uma cidade do interior. Acomodação, livros, transporte, comida... Cada item acrescentava mais peso à bola de neve que transformava o simples desejo de estudar em uma avalanche de contas capaz de soterrar minhas esperanças.
Estudei intensamente. Fiz trabalhos extras para enriquecer meu currículo. Trabalhei em empregos de meio período durante três anos sem pausas, enquanto minha determinação eclipsava qualquer traço de uma adolescência comum. Não sabia o que era namorar, sair com amigos ou acompanhar o filme do momento nos cinemas. Esportes populares, redes sociais ou modismos eram apenas ecos distantes. Meu único objetivo era garantir a bolsa de estudos e o dormitório estudantil. O resto? Eu daria um jeito. E, quando possível, meus tios me ajudariam.
Eles me criaram desde o meu nascimento. Minha mãe, irmã mais nova do meu tio, era jovem e solteira quando engravidou. A ideia de criar um bebê não lhe agradava, e, se não fosse por eles, eu teria ido para adoção. Não mantenho contato com ela, ela hoje vive em outro país, com emprego estável e família própria. Durante anos, isso me incomodou, mas hoje, já não faz diferença. Meus tios sempre me trataram como um filho, e isso era suficiente.
O sorriso em meu rosto crescia à medida que o prédio do dormitório se aproximava. Apesar da simplicidade, havia algo acolhedor em sua entrada: escadas largas levavam até uma pérgola coberta por Falsa Vinha, que sombreava o caminho com delicadeza. A trepadeira, persistente, subia por parte da parede lateral, que exibia linhas simples, mas bem cuidadas.
— Vamos entrar ou terei que carregar tudo sozinho por essas escadas intermináveis? Já não sou tão jovem, sabia? — a voz alta do meu tio ecoou, arrancando risadas de quem passava. Famílias e estudantes circulavam em meio à confusão de listas e regras. Tornei-me motivo de entretenimento momentâneo, enquanto ele pegava a mala e eu, as caixas.
A entrada estava caótica. Nomes e números de quartos pendurados em listas nas paredes, enquanto jovens em camisetas laranjas organizavam a chegada dos novatos. Peguei minha inscrição e fui para a mesa designada enquanto meu tio aproveitava o refresco oferecido aos pais perto das escadas.
— Você deu sorte! Ficou no quarto com acesso ao telhado — disse uma garota animada ao me entregar a chave. — Não esquece de me chamar pras festas, hein? Meu contato está na primeira página do caderno de regras.
Eu sorri sem graça, mas mal tive tempo de digerir o comentário. As caixas pareciam ainda mais pesadas enquanto subia os quatro lances de escada com meu tio reclamando atrás de mim:
— Hoje é seu dia de sorte, mas vai ser minha última visita a este dormitório se depender dessas escadas!
Rimos. Chegamos ao quarto andar, onde o ambiente se mostrava mais tranquilo. Um corredor levava a uma ampla sala com sofás e uma TV ao final das escadas. À direita, uma área compartilhada indicava a cozinha e os banheiros. Meu quarto era o último do corredor, e, para acessar o telhado, alguém teria que passar por ele. Isso explicava o entusiasmo da garota.
O quarto era simples, mas espaçoso: duas camas de solteiro, dois armários e uma mesa redonda no centro. A janela, sem cortinas, deixava o sol iluminar cada canto, revelando o potencial daquele espaço.
— Parece bem arejado. Você terá um colega de quarto? — perguntou meu tio, enquanto inspecionava o ambiente.
— Acho que não. Recebi duas chaves e as extras para o telhado. O caderno de regras não menciona ninguém.
— Melhor assim. Menos distrações. Talvez consiga até tirar uma das camas para ganhar espaço para uma mesa maior de estudos.
Conversamos por mais algum tempo, mas logo meu tio precisou partir. Ele evitava dirigir à noite e parecia exausto com a agitação e o burburinho típico dos jovens. Percebi, no entanto, que sua despedida tinha outro propósito: dar-me espaço para me aclimatar à nova rotina e, quem sabe, começar a conhecer pessoas da minha idade.
Os dias seguintes foram marcados por uma calmaria produtiva. Decidi transformar o quarto no meu espaço ideal. Em uma loja de móveis usados no centro, consegui trocar as duas camas de solteiro por uma de casal. Como sou alto e gosto de espaço, não perdi tempo aproveitando essa chance de personalizar o ambiente.
Com carta branca para fazer pequenas mudanças, reorganizei tudo. Uni os dois pequenos armários no canto direito, removendo a porta de um deles e transformando-o em uma estante para livros e materiais. Mantive a mesa redonda como área de refeições e consegui uma mesa de desenho a um preço acessível no mesmo lugar onde encontrei a cama. Era proibido cozinhar nos quartos, mas comer ali era permitido, desde que a higiene fosse impecável. Os horários de coleta de lixo estavam estrategicamente anexados na parte interna de cada porta, lembrando-nos constantemente da responsabilidade coletiva.
A tarde estava chegando ao fim quando finalizei a instalação das persianas. Testei-as e, pela primeira vez, contemplei a vista do quarto com atenção. A janela oferecia uma perspectiva ampla: um caminho gramado serpenteava entre outros prédios de dormitórios, cruzando uma pequena ponte de madeira sobre o rio que cortava o campus. Ao fundo, via-se o acesso principal à universidade.
Contudo, a visão mais intrigante era de um pequeno cemitério cercado por grades e envolto por árvores. Ele se tornava um dilema para os estudantes: ou cortavam caminho por ali ou optavam por contorná-lo, adicionando preciosos vinte minutos à caminhada até a universidade. Fora isso, ainda havia o trajeto interno até os prédios de aula, que consumia outro bom tempo.
Observei o trajeto com atenção. O atalho pelo cemitério não era a escolha mais agradável, mas era a mais prática. Decidi que valeria a pena enfrentar o desconforto em troca dos 35 minutos que economizaria diariamente. Afinal, minha rotina não tardaria a se encher de aulas, leituras e compromissos, e todo tempo poupado seria valioso.
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Olá a todos! Nossa primeira narrativa esta saindo e espero que tenham ficado curiosos.
Será uma narrativa curta de no máximo 10 capítulos. Estamos revisando o texto para garantir a fluidez e manter o interesse de vocês nesta nova leitura.
Ansiosos por seus comentários e criticas.
Abraços!!!
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Lamentos sob a Lua
FantasyJohn, um estudante universitário carismático e cheio de entusiasmo, sempre acreditou no poder da lógica e na solidez dos fatos. Sua vida era marcada por objetivos claros e determinação inabalável. Contudo, o destino tem suas maneiras de desafiar até...