Capítulo 7

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Foram semanas intensas, desenhando, organizando os quadros e roteiros. Laura agora tinha seu próprio espaço em meu quarto, e muitas noites nos perdíamos entre as mil possibilidades de recriar aquela história. No início, improvisamos uma cama no chão para mim, já que eu sempre adormecia sobre os desenhos antes que Laura se entregasse ao sono. Mas, com o tempo, passamos a dividir a grande cama, o armário e, inevitavelmente, nossas rotinas. Até as toalhas no telhado agora estavam lado a lado, um reflexo da estranha simbiose que tínhamos criado.


Nossos amigos começaram a participar do projeto, empolgados com a ideia. Era um escape criativo no meio da pressão acadêmica. Quando perceberam que Laura mantinha roupas íntimas no armário do quarto, as brincadeiras surgiram. Porém, entre nós, ainda não havia nada além de amizade – ou pelo menos era assim que tentávamos enxergar.


Quando finalizamos os primeiros capítulos, lançamos a história online. Divulgamos em fóruns, redes sociais e até canais internos da faculdade. Decidimos chamá-la de "A Alma Esquecida da Aldeia".


Cada ilustração, cada trecho da narrativa, era uma homenagem ao espírito de Karen. Na história, ela não era apenas um espectro perdido, mas uma jovem vibrante, cheia de amor e esperança. Esperávamos que, ao compartilhar sua jornada, outras pessoas pudessem sentir o que eu sentira – e que, de alguma forma, Karen fosse lembrada.


Com o coração mais leve, percebi que era hora de reencontrá-la. Naquele fim de semana, com todos fora, eu estava livre para minha fuga noturna. Com uma pasta contendo os desenhos e uma folha cheia de comentários das pessoas que haviam lido sua história, voltei ao cemitério. A cada passo, o misto de ansiedade e esperança crescia.


Ao me aproximar da lápide de Karen meu coração acelerou. coloquei minhas maos sobre a pedra fria e chamei por seu nome suavemente:


— Karen?


Uma brisa suave soprou através das árvores, e, em um instante, a figura dela apareceu, etérea e graciosa sob a luz da lua. Karen sorriu ao me ver, e, mesmo na penumbra, seus olhos brilhavam com um calor que derretia o peso que eu carregava com a inserteza. Será que meus atos a ajudariam?


— Você voltou.


— Sim. E trouxe algo para você — respondi sorrindo, abri a pasta com cuidado, ao ve-la saltitando para mais perto de mim.


Karen se inclinou, curiosa, enquanto eu mostrava os desenhos. Cada ilustração retratava momentos que eu havia imaginado: sua família, dias ensolarados nos campos, noites tranquilas na aldeia. Era como se, por meio desses traços, eu estivesse tentando devolver a ela um pedaço do que havia sido perdido.


— Estão... tão lindos — ela sussurrou, maravilhada. — É como se você tivesse capturado o que eu não podia lembrar.


- Busquei em todos os lugares por informações sobre o que havia acontecido com você, com sua aldeia, qualquer fragmento, mas não encontrei nada. Uma amiga me deu esta ideia, de recriar sua historia, criar novas vidas para a que foi interrompida.


Entreguei a folha com os comentários dos leitores, explicando como sua história havia tocado tantas pessoas. Li alguns trechos em voz alta, descrevendo como desconhecidos de lugares distantes se conectaram com ela e compartilharam suas próprias memórias e perdas.

— Não sabia que eu ainda poderia tocar as pessoas assim — disse Karen, com um brilho novo nos olhos.


— Você não é só uma memória esquecida, Karen. Criamos algo maior, algo que conecta sua história a tantas outras. E agora você pode escolher como ela termina.


Ela sorriu, emocionada. Por um momento, senti sua presença mais forte, quase tangível. A conexão que compartilhávamos transcendeu qualquer lógica, um vínculo profundo que atravessava o tempo e o espaço.


— Obrigada, John. Obrigada por me trazer de volta, mesmo que por meio da arte e das palavras.Antes que eu pudesse responder, notei algo mudando. Enquanto o vento sussurrava entre as árvores, como se a própria natureza estivesse satisfeita com a felicidade daquela alma, seu corpo começou a desmaterializar, seus traços se tranformando em nevoa.


Por instinto tentei segura-la, me senti desesperado vendo seu corpo sumir, seus olhos foram os ultimos a desaparecer, presos ao meu com uma calma reconfortante, pareciam sorrir e agradecer. 

- "Obrigada... Agora posso descansar em paz." Sua voz ecoou em minha mente. 


O cemitério mergulhou em um silêncio profundo. Sentei-me diante da lápide, segurando o último desenho que fizera dela. Com cuidado, coloquei-o sobre a pedra, alinhado à inscrição desgastada. Na base, escrevi uma dedicatória simples:


"Para Karen, uma alma que merece ser lembrada. Sua história vive em cada sorriso que inspirou."


Me levantei, me afastando um pouco, observando a cena. A luz da lua refletia suavemente na lapide de pedra, senti um aperto no coração ao olhar para o retrato de Karen. O silêncio ao seu redor parecia ser a resposta que ele esperava, a confirmação de que, de alguma forma, ele havia cumprido sua promessa.


Ele olhou mais uma vez ao seu redor, notando a serenidade do lugar. Não havia mais sinais de agitação ou tristeza; o cemitério parecia ter encontrado seu próprio estado de calma. Era como se a ausência da presença de Karen, que ele havia sentido momentos antes, agora se transformasse em uma luz tranquila. Ele percebeu que sua alma finalmente encontrara a paz que tanto desejara.


- "Você está livre agora, Karen. Espero que encontre tudo o que estava buscando."


Uma sensação de felicidade invadiu meu corpo. Era uma felicidade que não estava baseada em respostas concretas, mas sim na certeza de que eu havia feito algo significativo. A memória de Karen continuaria a viver, não apenas em  meus desenhos e na história contada em um webtoon, mas também nos corações das pessoas que haviam se conectado com ela através de sua narrativa.


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Ao passar pelos portões notei a luz do galpão acessa e observei um pouco aquela estrutura notando a grande janela com vista para o portão do cemiterio onde eu estava agora. O Sr. Davi estava ali, o observando com uma xicara de chá nas maos, quando nossos olhos se cruzaram o Sr. Davi apenas ergueu sua xícara se voltando para dentro enquanto eu continuava meu caminho de volta ao dormitorio.


A sensação de um capítulo encerrado.


Fim

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Chegamos ao fim. Gostei muito de escrever este conto para vocês.

Espero ve-los no próximo.

Abraços.

Lamentos sob a LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora