Capítulo 2

13 2 0
                                    


Quando as aulas começaram, senti como se um peso imenso tivesse sido tirado dos meus ombros. Todo o esforço, as noites em claro e o trabalho árduo finalmente valeram a pena. Agora, eu podia me dedicar ao que amava e, pela primeira vez em muito tempo, relaxar e aproveitar o convívio com pessoas que compartilhavam interesses semelhantes aos meus.

Logo na primeira semana, um grupo de veteranos organizou um tour pela universidade para nós, calouros. Os prédios eram divididos por cursos, mas a administração havia criado áreas de convivência coletivas em espaços neutros para evitar qualquer segregação. Havia vastos pátios gramados com bancos e áreas de descanso, quadras poliesportivas, e praças de alimentação repletas de quiosques com opções variadas. Além disso, um tablado coberto era disponibilizado para que os alunos pudessem vender produtos, divulgar projetos ou até organizar eventos.

Foi justamente em um desses eventos para calouros que encontrei minha turma. Alguns veteranos estavam recrutando voluntários para uma atividade social em um abrigo de idosos local. O dia incluiria aulas de ginástica conduzidas pelos alunos de educação física, leituras encenadas pelo grupo de idiomas e oficinas criativas de desenho e artesanato. Aceitei o convite e, assim, me aproximei de um grupo que logo se tornaria essencial na minha vida.

Carlos, um estudante do segundo ano de educação física, era o centro das atenções com seu jeito extrovertido e facilidade em se comunicar. Laura, miúda e inicialmente tímida, surpreendeu a todos ao dar vida aos textos no momento da leitura, com entonação e expressões vívidas. Mika e Tobias, alunos de tecnologia da informação, eram nossos "faz-tudo". Eles montavam o som, preparavam apresentações e até ajudavam os idosos a mexerem em seus celulares para fazerem chamadas de vídeo ou mandarem simples e-mail.

Nós éramos um grupo improvável, mas as nossas diferenças nos tornaram inseparáveis. Como todos vivíamos com orçamentos apertados, meu quarto com acesso ao telhado logo se tornou nosso refúgio. Transformamos o espaço em um pequeno oásis. Improvisamos sofás com pallets e esticamos lonas para nos protegermos do sol. Instalamos uma grelha para churrascos e improvisamos isopores como geladeiras para as cervejas.

Sempre que alguém queria se desfazer de móveis ou objetos grandes, nos oferecíamos para o trabalho por um preço acessível, usando a caminhonete do Carlos. Além de garantir uma renda extra, muitos dos itens descartados eram reutilizáveis e passaram a compor nosso refúgio. Até iluminação conseguimos dessa forma.

Em uma noite fria e silenciosa, estávamos todos no telhado. Carlos observava as árvores do cemitério ao longe, agora envoltas em uma névoa densa. Ele tomou um gole de cerveja e olhou para mim com curiosidade.

— Cara, não te dá medo atravessar o cemitério todas as manhãs? Aquele lugar me dá calafrios.

Ri, mas sua pergunta parecia ter afetado os outros. A névoa rasteira que subia por entre os túmulos, somada ao silêncio cortante da noite, criava uma atmosfera de arrepiar. Mesmo o menor farfalhar das folhas nas árvores parecia potencializar as histórias de terror que começavam a surgir.

— No início, sim — admiti. — Mas agora estou tão acostumado que nem penso nisso. Faço o caminho de forma automática, sem reparar muito nas lápides rachadas pelas raízes das árvores ou nos sons estranhos do vento passando entre os túmulos.

Laura, que até então ouvia calada, esfregou os braços e fez uma careta. Apesar de ser apaixonada por histórias, a ideia de vivê-las fora dos livros claramente não lhe agradava.

A noite avançava, e o grupo começou a se dispersar. Carlos decidiu ficar no segundo andar com os meninos, enquanto os outros desceram para seus quartos antes do toque de recolher. Eu permaneci ali por mais um tempo, perdido na vista do rio que atravessava o campus. Foi então que algo chamou minha atenção.

Lamentos sob a LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora