Capítulo VI

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Alerta: menção a aborto e autopunição.

...

O plano estava em curso. Era arriscado? Sim! Mas quem se importava?

Por muito tempo, eu vivi para fazer as vontades de minha mãe. Ali, longe de seus olhos aguçados, eu seria capaz de escrever a minha própria história? Talvez.

Então, Alexander, o médico, meu amigo, se transformou em Alexander, o médico, meu irmão gêmeo. As voltas que eu tive que dar para concluir a mentira, foram tantas, que — quem sabe —, eu tivesse dado a volta ao mundo, sem sair do lugar.

O pretendente que ostentava não sei quantos pastos, e que queria tomar Cecília como esposa, demorou para engolir a questão. Afirmei que nem minha mãe sabia do caso, porque meu pai tratou de afastar o outro filho, antes que a pobre mãe conseguisse raciocinar após o parto. Como as coisas andavam lentas na época em que eu nasci, e que era comum a demora nos partos e até mortes de ambos os lados, não foi difícil driblar aquele povo estúpido.

Padre Joaquim assegurou que escreveria ao bispo. O objetivo era saber se meu relato soava verdadeiro. Eu falei que ele tinha toda a liberdade para isso, mas cutuquei suas costas, mencionando as noites tórridas que Maria proporcionava para ele. Assim, ele me entregou a carta para que eu a colocasse nos Correios, desistindo de ir pelas próprias pernas. A carta nunca chegou ao destino, mas padre Joaquim — quase no leito de morte —, recebeu uma carta do bispo, elogiando seus feitos naquelas paisagens e admitindo que eu tinha um irmão renegado.

Sim, eu forjei uma carta. Mas isso não vem ao caso.

Cecília ficou apavorada, para não dar um nome pior a expressão que ela apresentou, quando soube que eu tinha um irmão gêmeo.

Para ela, eu contei a verdade, depois de deixá-la trêmula de nervoso. Então, Cecília sabia que Alexander chegaria para o noivado, depois que eu trocasse minhas roupas na sacristia.

Desde a troca de cartas, estávamos um pouco distantes. Falávamos precariamente, os olhares se perdiam e não queriam se encontrar. Sei que me exaltei na última carta, mas queria colocar tudo em pratos limpos.

Como padre Joaquim não tinha mais condições de ir até a igreja, aquele lugar virou meu refúgio, em todos os sentidos possíveis. Eu tinha as chaves de todas as portas. As abria quando queria, as trancava quando precisava.

Assim, Cecília se tornou minha cúmplice.

Não foi fácil desviar o foco das pessoas e fingir que eu estava chegando na vila, sem que qualquer roda de carro jogasse poeira ao alto. Cecília teve que abrir as porteiras de sua propriedade, soltar as ovelhas e gritar por socorro, com o objetivo de distrair aqueles idiotas.

Todos os olhares se voltaram na ajuda imediata da pobre viúva, enquanto eu — de terno e gravata —, me postava na frente da igreja, olhando o céu, como se eu nunca estivesse naquele lugar.

Depois que as ovelhas foram recuperadas e o fôlego de Cecília restaurado, dois velhos me avistaram. Me apresentei e os gritos ecoaram pela planície, chamando minha futura noiva.

Meu plano parecia infalível, mas faltou um pequeno — eu diria minúsculo —, detalhe. Quem nos casaria? Eu mesmo?

Uma gota de suor desceu pela testa quando tive o vislumbre da minha própria ignorância sobre o que seria o ponto final da mentira. Para piorar, naquele lugar sem muita gente, seria impossível Alexander e Charlie coexistirem.

O sangue fugiu de minhas veias e se escondeu em qualquer lugar, bem longe dos olhos de Cecília, que se aproximava, sendo quase arrastada por duas mulheres sorridentes: as vizinhas fofoqueiras.

Holy Water - Nicholas Alexander Chavez fanfic - PT-BROnde histórias criam vida. Descubra agora