22 de dezembro de 1849 - Sábado, 22h13

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QUERIDO AMIGO DE PAPEL,

Eu não voltei em breve. Mais uma promessa quebrada, sinto em dizer, mas precisei de um tempo maior do que eu imaginava para me recompor. Foi mais um dia péssimo para o Dr. Barnaby Greene.

Esta manhã eu me dirigi à casa dos Bellhouse. Chamei uma carruagem e partimos logo após o desjejum. Ainda sentia toda a cerveja preta do Lobo Sem Presas borbulhando em meu estômago. Entretanto, reuni coragem para sair de meu alojamento. Do contrário, meu nervosismo teria me prendido em meu quarto e me obrigado a me embriagar mais do que na noite anterior. Minha cabeça doía devido a uma maldita cefaleia, mas eu não ingeriria nenhum medicamento. Eu queria estar tão sóbrio quanto fosse possível. Escolhei minha melhor vestimenta, uma que se parecesse com a de ontem. Deste modo, Cathy não hesitaria em me reconhecer, em reconhecer seu salvador.

Entrei na carruagem. Minhas mãos tremiam. Acendi um charuto para manter pelo menos uma delas ocupada. Soprei a fumaça pela janela, e ela se reuniu com a bruma fria do inverno. Não estava nevando, e as nuvens haviam dado passagem para um sol caloroso, que parecia sorrir para mim. Enquanto a carruagem seguia seu caminho pelas ruas úmidas de Londres, minha mente se enchia de dúvidas e hesitações. Eu tinha ensaiado tantas vezes o que diria a Cathy, mas agora as palavras pareciam fugir de mim. Que coragem é esta que preciso reunir para apenas bater à porta de uma casa? De fato, o efeito da cerveja preta ainda se fazia sentir, ou talvez fosse apenas a ansiedade de reencontrá-la...

— Cathy... — tentei organizar as ideias em minha mente. — Não sei como expressar isto sem parecer um tolo, mas desde a primeira vez que a encontrei, senti que minha vida jamais seria a mesma. Sei que pode soar precoce, mas... sinto-me irremediavelmente atraído por você.

Muito direto... ela pensará que sou mesmo um tolo.

— Há algo em seus olhos, Cathy, um peso, uma dor talvez... Algo que clama por compreensão. Permita-me ser aquele que compartilhará esse fardo com você. Não quero ser apenas um conhecido de passagem; desejo ser alguém que lhe traga paz.

Não, ela se afastaria de mim se eu dissesse isto. Não quero ser intrusivo.

— Se não for pedir demais... será que eu poderia ter a honra de vê-la novamente, srta. Bellhouse? Talvez amanhã, para um passeio ou para conversarmos... A sua companhia me é mais preciosa do que qualquer outra coisa que possuo.

Srta. Bellhouse? Ela não era "Cathy, minha amada"? Talvez eu estivesse sendo muito formal... Ah, Barnaby, você soa como um completo simplório! Eu nunca cortejara uma mulher na minha vida inteira. Sempre fui um indivíduo refém do trabalho.

— Senhor — eu orei —, ajude-me a passar por esta provação. Amém!

Por um momento, a ideia de pedir ao cocheiro que fizesse meia-volta quase venceu minha determinação. Mas recostei-me e fechei os olhos, respirando fundo, tentando acalmar as batidas frenéticas de meu coração. Catherine Bellhouse... A simples menção de seu nome me provocava um turbilhão de emoções, e mesmo assim, eu sabia que não poderia continuar sem vê-la novamente, mesmo que apenas para uma despedida silenciosa. Observei Londres através da janela da carruagem, os edifícios obscurecidos como se ocultassem segredos impronunciáveis. Como eu. A cada esquina que a carruagem virava, meu coração batia mais rápido.

Comecei a me perguntar se minha amada Cathy sentia o mesmo, se o seu destino estaria tão atado ao meu quanto o meu ao dela. E, mesmo sabendo que minha visita poderia soar inapropriada, não consegui reprimir o desejo de vê-la mais uma vez. De tocar seus cabelos encaracolados e dourados, tão lindos que a filha do moleiro teria sentido um impulso de cortá-los e entregá-los a Rumpelstiltskin. Mas não seria uma visita inapropriada. Toquei o calombo que o anel dela formava no bolso de minha calça. O acariciei como se fosse o rosto dela, e não somente um objeto inanimado.

O Milagre Profano do DoutorOnde histórias criam vida. Descubra agora