Capítulo 10: A Volta do Passado

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"Quando o passado bate à porta, o futuro já não é mais o mesmo."

Lucas

Eu sabia que, em algum momento, o passado viria me cobrar. Sabia que, por mais que eu tentasse me afastar de tudo o que vivi, ele sempre estaria ali, esperando para me encontrar de novo. Mas eu não imaginava que ele viria com tanta força.

A noite estava fria com uma pequena garoa da chuva. Depois de um dia turbulento, eu precisava de uma distração. Fui até o bar que conhecia bem. O lugar perfeito para afogar minhas frustrações e me perder um pouco. Pedi um whisky e sentei-me no canto mais afastado, esperando que, por algumas horas, minha mente deixasse de me assombrar. Mas, como sempre, a vida tinha seus próprios planos.

Decidi sair. Fui até um bar perto de casa, o lugar perfeito para esquecer tudo por algumas horas. Quando cheguei, pedi um whisky e me joguei na solidão daquela noite. Meu cérebro estava turvo, e a única coisa que eu queria era deixar o mundo exterior me consumir enquanto eu afundava no álcool.

Mas, claro, a vida tem a estranha mania de não deixar você escapar facilmente. Ela apareceu no bar. Sophia. Ela era uma ex-acompanhante, e eu sabia que, se a visse, minha noite mudaria. Ela sempre teve esse poder sobre mim. Na verdade, eu sabia que estava sedento por uma noite de sexo sem compromisso, mas algo dentro de mim me dizia que não era o que eu realmente queria agora.

Ela se aproximou, seus olhos brilhando, aquele sorriso provocante que sempre me trazia problema. A conversa começou de forma superficial, mas logo ela estava perto de mim demais. Eu sabia onde aquilo estava indo, e não era o que eu precisava naquele momento. Por mais que estivesse atraído, por mais que o desejo estivesse latente, algo dentro de mim me dizia que eu tinha que parar, que eu tinha que pensar no que realmente importava. Eu não queria aquela fuga.

Ela se aproximou mais, tocando meu braço, e antes que eu pudesse reagir, ela estava praticamente se jogando em cima de mim, tentando me beijar. Foi uma sensação estranha. Parte de mim queria ceder, mas outra parte, a parte que ainda tinha um resquício de lucidez, sabia que isso não era o que eu precisava. Eu me afastei rapidamente, com um sorriso forçado, tentando disfarçar o que estava se passando dentro de mim.

— Sophia, não... — falei, a voz trêmula, tentando não parecer rude, mas deixando claro o que eu queria.

Ela me olhou, surpresa, mas logo se recompôs. Fez uma piada, algo sobre eu estar "fora de forma" para uma noite como aquela. Eu ri sem graça, paguei minha bebida e fui embora. Não estava mais com cabeça para isso. Aquela noite estava se tornando mais complicada do que eu imaginava.

Cheguei em casa e, ao abrir a porta, o telefone vibrou. Era meu pai ligando. Olhei o número na tela e hesitei, sabendo que ele e minha mãe estavam em viagem na Europa. Era madrugada em São Paulo, mas lá já era manhã. Respirei fundo e atendi, tentando não deixar a confusão da noite transparecer.

— Filho, como está por aí? — a voz dele, calma e distante, atravessou o telefone. Eu sabia que ele tentava parecer tranquilo, mas a preocupação estava sempre ali.

— Tudo bem, pai. Só cansado. — A mentira foi fácil, mas o vazio que ela criou dentro de mim foi profundo.

Ele riu baixinho, mas logo voltou a falar com seriedade.

— Cansado? Com certeza não foi de dormir cedo. Não me diga que está passando noites em claro.

Eu me arrumei no sofá, tentando manter a voz firme, sem deixar que ele notasse a turbulência que estava se formando em minha mente.

— Não, não... Está tudo certo, pai. Só... trabalhando bastante.

Silêncio. Ele parecia perceber que algo estava fora de lugar. Mas, antes que ele pudesse insistir, eu falei, uma vontade repentina de dividir um pouco do que estava sentindo.

— Eu conversei com Clara. E vou contar tudo a ela. A verdade. Eu não posso mais esconder.

Do outro lado da linha, um silêncio profundo se fez. Eu sabia que ele estava processando o que eu acabara de dizer. Meu pai sempre foi uma presença calma, mas agora ele parecia distante, ponderando minhas palavras com cuidado.

— Você tem certeza disso, filho? — A voz dele, mais séria, cortou o silêncio. — A verdade é um peso, e depois que você a revela, não tem como voltar atrás.

Eu passei a mão nos cabelos, sentindo o peso da decisão que tomava.

— Eu sei, pai. Mas ela merece saber. E eu preciso ser honesto com ela.

Ele suspirou profundamente, e por um momento, eu pensei que ele fosse me dar conselhos sobre como adiar a verdade. Mas, então, ele soltou uma risada baixa, quebrando a tensão do momento.

— Tá certo, meu filho. Só lembre-se de que nada é simples depois disso. E, se precisar de alguma coisa, saiba que sempre estaremos aqui.

Eu sorria, aliviado. A compreensão dele, mesmo à distância, me deu um pouco de paz.

— Obrigado, pai. Eu vou dar um passo de cada vez.

Antes de desligar, ele brincou, como se a conversa tivesse se desfeito das nuvens pesadas do começo:

— Só me avise, tá? Não quero acordar aqui sendo seu conselheiro de última hora.

Eu ri, aliviado pela descontração no tom dele.

— Claro, pai. Fica tranquilo. Vou dormir agora.

Desliguei e fiquei ali, no silêncio da casa, refletindo sobre o que eu acabara de dizer. Eu sabia que contar a verdade para Clara não seria fácil. O peso daquilo me deixava com o estômago apertado. Mas, ao mesmo tempo, era o que eu precisava fazer. Eu já não queria mais viver com mentiras.

Eu me deitei, a cabeça cheia de pensamentos, tentando afastar a tempestade interna que me consumia. Mas, antes de adormecer, a memória de Clara invadiu minha mente, como uma correnteza implacável. O beijo sob a chuva, a sensação do toque de seus lábios, o desejo que brotou naquele instante, estavam ali, ainda tão vívidos. Ela estava ali, tão perto e ao mesmo tempo tão distante. Fechei os olhos, e a lembrança de sua presença me envolveu, trazendo uma sensação reconfortante, como se ela estivesse ao meu lado, mas ao mesmo tempo, irremediavelmente distante.

Acordei no dia seguinte com uma sensação intensa, como se ainda pudesse sentir o calor do beijo em minha pele. O desejo por Clara queimava em mim, como se aquele momento na chuva tivesse marcado meu corpo de forma indelével. Sabia que não poderia adiar mais a verdade, mas havia algo mais profundo, algo que me prendia a ela de maneira inexplicável. Eu precisava dela. Ela já não era mais uma escolha; era uma necessidade.

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