Capítulo 03 | A Semente do Mal

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O isolamento é um vício traiçoeiro. Quanto mais eu me afastava, mais sentia que era a única maneira de manter o controle. A única forma de proteger o que era meu. E, ultimamente, essa proteção parecia ser contra Mariana.

Eu nunca fui um homem de confiança fácil. Crescer como o filho de um mafioso me ensinou que a lealdade é tão rara quanto o diamante mais puro. Então, quando começaram os sussurros, as insinuações, foi como se algo já adormecido dentro de mim despertasse. Uma parte sombria, corrosiva, que me empurrava cada vez mais para o abismo.

Estávamos na minha sala de reuniões particular quando tudo começou. Lorenzo Salvini, um "amigo" de negócios, sentou-se à minha frente, sua presença tão insidiosa quanto o tom casual que ele usava.

— Victor, você sabe que sempre quis o melhor para você. Somos como irmãos no mundo dos negócios, não é? — ele disse, sorrindo com aquele ar de quem sabe mais do que deveria. — Mas às vezes, até os irmãos precisam abrir os olhos um do outro.

— Não estou com paciência para jogos, Lorenzo. Fale logo o que quer — retruquei, minha voz cortante. Não confiava nele mais do que confiava no vento, mas havia algo na forma como ele me olhava que me incomodava.

— Não é o que eu quero. É o que você precisa saber. Sobre Mariana.

O som do nome dela era como um tiro disparado no meio de uma sala vazia. Eu não reagi de imediato, mas senti o estômago revirar. Ele estava mentindo. Tinha que estar. Mariana era minha esposa. Ela era diferente.

Mas Lorenzo continuou.

— Não me leve a mal, Victor. Mas ouvi algumas coisas... Ela tem sido vista em lugares estranhos. Com pessoas... suspeitas. E você sabe como essas coisas funcionam. Onde há fumaça...

— Está me acusando de ser cego? — cortei, me inclinando para frente. — Mariana é minha esposa. Eu sei exatamente onde ela está e com quem ela fala.

Lorenzo deu de ombros, aquele maldito sorriso permanecendo em seus lábios.

— Claro, claro. Mas você sabe como o poder atrai certas pessoas. Às vezes, não somos nós que erramos, mas aqueles ao nosso redor. Mariana é linda, Victor. Inteligente. Mas o que garante que ela não esteja... entediada? — Ele fez uma pausa antes de soltar o golpe final. — Ou sendo manipulada.

Minhas mãos se fecharam em punhos sobre a mesa, a madeira dura rangendo sob a força. Eu deveria tê-lo expulsado naquele momento. Mas em vez disso, uma parte de mim — aquela que sempre questionou a sinceridade de todos — começou a escutar.

Lorenzo saiu logo depois, satisfeito, deixando apenas as sementes do caos para germinar. E germinaram.

Nos dias seguintes, algo mudou em mim. Eu comecei a observar Mariana de forma diferente, como se estivesse tentando ver além da superfície perfeita que ela sempre apresentava. Seus sorrisos pareciam um pouco mais enigmáticos. Suas saídas de casa, um pouco mais frequentes.

Certa noite, enquanto ela lia no sofá da sala, perguntei casualmente:

— Onde você esteve hoje?

Ela ergueu os olhos do livro, surpresa com a pergunta.

— Estive no ateliê,com minha mãe, escolhendo alguns detalhes para a nova coleção. Você sabe disso, Victor. — Seu tom era leve, mas havia uma pequena sombra em seu olhar. Ou talvez fosse minha imaginação.

Eu não respondi. Apenas balancei a cabeça, mas por dentro, uma tempestade se formava. Eu não tinha razões reais para desconfiar dela, mas Lorenzo havia plantado a ideia, e agora ela se espalhava como veneno em minhas veias.

O que Lorenzo fez comigo não foi direto, nem explícito. Ele sabia que a dúvida é uma arma poderosa quando usada com precisão. Não precisou de provas ou acusações diretas — apenas insinuações, palavras soltas e provocações bem colocadas. E eu, um homem que construiu impérios e sobreviveu ao mundo implacável da máfia, me vi enredado em sua teia de manipulação.

As noites ao lado de Mariana, antes tranquilas, agora eram uma batalha silenciosa dentro de mim. O calor de seu corpo na cama, seu perfume delicado, tudo o que antes me trazia conforto agora parecia um enigma. Ela era tão perfeita que isso apenas alimentava a suspeita: perfeição demais é sempre um disfarce.

Começou com pequenas coisas. Mariana sempre foi reservada, mas de repente suas saídas pareciam mais frequentes. Os telefonemas em que ela se retirava para outro cômodo, antes comuns, agora pareciam carregados de segredos.

Uma noite, enquanto ela dormia profundamente, peguei seu celular. Minhas mãos tremiam, e o coração batia forte. Eu nunca havia violado sua privacidade antes, mas naquela hora, minha mente estava tomada. Não havia nada. Nem uma mensagem suspeita, nem um nome que eu não reconhecesse. Mas isso não foi suficiente para me acalmar.

A dúvida já estava enraizada.

Segui Mariana pela primeira vez em uma manhã fria, quando ela disse que iria ao ateliê. Saí discretamente logo depois dela, mantendo uma distância segura enquanto meu motorista conduzia o carro pelas ruas movimentadas de Milão. Minha mente era um caos de pensamentos contraditórios.

— Por que você está fazendo isso? — perguntei a mim mesmo em voz baixa. Mas a resposta já estava clara: eu precisava saber. A dúvida estava me destruindo, e a única maneira de combatê-la era confrontá-la.

Mariana entrou em um café, algo que ela raramente fazia. Esperei alguns minutos antes de sair do carro e me posicionar estrategicamente. Do lado de fora, pela janela de vidro, vi quando um homem se aproximou de sua mesa. Ele era mais velho, elegante, e se sentou diante dela com uma familiaridade que me irritou instantaneamente.

Eles conversaram. Sorriam. Minha mente começou a trabalhar em alta velocidade, imaginando todas as possibilidades. O homem parecia tocá-la levemente no braço enquanto falava, e eu senti meu sangue ferver.

A reunião durou cerca de vinte minutos. Quando ela saiu, ele a acompanhou até a porta, inclinando-se para um abraço que parecia inofensivo demais para mim. Mariana, para meu alívio e desespero, não retribuiu com tanto entusiasmo. Mesmo assim, a cena ficou gravada em minha mente como uma marca.

Naquela noite, enquanto ela falava sobre os ajustes feitos na nova coleção, eu mal conseguia olhar para ela. Sua voz era suave, tranquila, mas cada palavra parecia um enigma. Quem era o homem? Por que ela não mencionou o encontro?

— Como foi no ateliê hoje? — perguntei, casual, testando suas palavras.

Ela sorriu, mas sua expressão parecia... calculada? Ou era a minha paranoia falando?

— Foi ótimo. Ajustamos os detalhes finais para o evento de lançamento. — Sem hesitar, ela continuou. — E aproveitei para encontrar um antigo amigo. Ele trabalha em design gráfico, pensei em envolvê-lo no projeto.

Amigo. A palavra reverberou na minha cabeça. Lorenzo já havia dito que traições geralmente começam de forma inocente, com amizades que tomam outro rumo.

— Um amigo? — retruquei, minha voz mais cortante do que eu pretendia.

Mariana parou por um momento, me analisando. Ela sempre foi perceptiva, o que tornava tudo ainda mais difícil.

— Sim, Victor. Um amigo. Algo errado? — perguntou, seu tom calmo, mas seus olhos carregavam algo mais profundo. Uma suspeita? Um desafio?

Eu forcei um sorriso.

— Nada. Só curioso.

Mas por dentro, o caos crescia. Lorenzo tinha razão? Ou eu estava me sabotando? A linha entre realidade e paranoia estava se desfazendo, e, pela primeira vez, comecei a sentir que estava perdendo o controle.

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