Capítulo 10 - Lyborynt

32 3 0
                                    

- Eu não acredito que isso está acontecendo.

A nave freara no exato segundo em que encostara na parede do edifício. Agora, simultaneamente, a parte da frente da nave e a parede nela encostada se abriam, se encaixando de uma forma tão perfeita que logo a nave passou a parecer uma espécie de sofá entalhado na parede.

Bem à frente deles, um homem sorria, de braços abertos.

- Estrelas! Filho! É um prazer inenarrável recebê-los aqui em Lyborynt. Por favor, por favor! Não fiquem tímidos!

O sujeito era curiosamente quadrado. Seu rosto tinha uma forma quadrada, e o terno rosa que usava, um pouco mais largo do que deveria ser, apenas reforçava essa aparência. A cor rosa do paletó contrastava com o tom azul bebê de sua pele. Seu cabelo preto brilhante arrumado em um topete, suas costeletas e seu óculos de sol preso na gola da blusa davam a impressão de que ele havia saído diretamente de um show do Elvis Presley, no qual era ele quem estava se apresentando no palco.

Fisser flutuou para fora da nave.

- Khili'ah-ha, conselheiro administrativo chefe de Lyborynt, dá as boas vindas aos senh--

- Isso, isso, já sabemos dessa parte, bolotinha flutuante. Agora, vá buscar... ah, sei lá, vá buscar alguém que nos traga um Charsh bem gelado, estarei esperando no meu escritório.

Khili'ah-ha fez um sinal para que os dois o seguissem, e começou a andar firmemente por um longo corredor. Aquele lugar era incrivelmente movimentado. Seres de todas as espécies zanzavam sem parar, alguns falando irritados com os outros, alguns falando irritados em dispositivos semelhantes a um celular, alguns falando irritados consigo mesmos. Carlos tentava não parecer tão impressionado quanto de fato estava por estar, pela primeira vez na sua vida, diante de extraterrestres.

Principalmente porque eles pareciam não estar dando a mínima para a presença dos dois ali.

- Ricardo, eu não estou com um bom pressentimento sobre como isso pode acabar...

Ricardo olhou ao redor.

- Cara, acho que finalmente concordamos em alguma coisa.

Não tardaram a chegar no escritório de Khili'ah-ha. Ele esperou que eles entrassem e fechou a porta atrás de si.

- Sentem-se, sentem-se. Sintam-se em casa.

O escritório não era muito grande, tinha apenas algumas poltroninhas e uma larga mesa no centro, atrás da qual uma majestosa cadeira de couro estava, aparentemente, apenas aproveitando para mostrar como era imponente. Apesar do pequeno espaço, o fato de que a parede atrás da cadeira na verdade não ser uma parede, e sim um painel de vidro através do qual era possível ver o vale, as montanhas e aquele aglomerado de construções ao fundo dava a quem quer que entrasse lá aquela sensação estranha de que você é apenas um grão de poeira no universo.

Vai ver era por isso que Khili'ah-ha comprara aquela cadeira.

- Vocês não imaginam o quanto eu estou feliz por vocês não terem morrido lá em...

- Plutão.

Ricardo olhava fixamente para dois braceletes pretos largados no canto da mesa.

- Deve ser. Teria sido uma coisa tão, tão horrível! Mas vamos falar um pouco de negócios... pelos meus cálculos, vocês me devem alguma coisa, não?

Carlos tomou a palavra, irritado:

- Escuta aqui, só pode ter havido algum engano. Nós não contratamos nada. Não pedimos nenhum resgate. Nós não te devemos nada.

- Não, não... vocês que não estão entendendo as coisas direito. Vamos repassar parte por parte. Vocês têm plena consciência de que estariam mortos agora se não fosse pelo resgate que eu enviei?

- Sim, nós inclusive agradecemos muito sua ajuda, mas é um grande salto entre isso e nós tendo de pagar algu--

Ricardo subitamente o interrompeu.

- Está certo, nós vamos pagar.

- Nós vamos?

- Vocês vão?

- Vamos.

Carlos o encarou com aquele olhar de "você ficou louco?", ao que ele respondeu com o olhar de "tem algo muito importante acontecendo por aqui e nós precisamos descobrir o que é, fique calmo porque está tudo quase sob controle", mas Carlos provavelmente não captou bem a mensagem, pois se limitou a levar a mão à testa e bufar longamente.

- Ótimo, ótimo - Khili'ah-ha falava devagar, até estranhara não ter de se empenhar mais em convencê-los - Vocês vão trabalhar como mensageiros - pegou os dois braceletes para os quais Ricardo ficara olhando antes - isso aqui, esses dois braceletes, vão ajudar vocês no transporte. Levá-los até aquela sala, salinha, salão, tanto faz o nome - Carlos percebia Ricardo rangendo os dentes ao seu lado - para que vocês consigam ir até o Centro. Há uma porta na metade da estrada principal. Vai se sentir em casa, não, Estrelas?

- Absolutamente.

- E não pensem que eu não sei sobre as ideias que podem surgir. Esse bracelete garante que vocês vão daqui para o Centro, e só, me fiz claro? Não tentem me enganar. Ou tentem, vocês não serão os primeiros. Mas posso garantir que me xingar enquanto passam por uma morte lenta e dolorosa vai ser a última coisa que vão fazer nessa vida. Temos um negócio fechado?

- Fechado. Mas com uma condição. Você tem que explicar para nós como nos encontrou e por que nos salvou.

- Veja só, é o famoso Estrelas fazendo jus a seu nome. Você sabe muito bem que eu não poderia deixar dois inocentes morrendo sozinhos em Plutão, não?

- Você não pareceu se importar muito com o resto da minha raça morrendo sozinha.

Khili'ah-ha sorriu com o canto da boca:

- Não teste minha paciência, Estrelas. Isso pode acabar muito mal para você.

Nesse instante, uma jovem abriu a porta. Trazia uma bandeja com três garrafas cúbicas de um líquido denso e verde, e um olhar de preocupação no rosto.

- Ah, adoro quando mandam a bonitinha. Pode deixar o Charsh aqui, muito bem - e, reparando que a jovem não ia embora - algum problema?

- Senhor... acabamos de ver a notícia de que... que... senhor, o gerente geral do banco, o Nebulosa, ele... ele foi assassinado.

Khili'ah-ha bufou.

- Você está de brincadeira. O infeliz não tinha outra hora para morrer?

- Senhor, creio que estamos falando de uma vi--

- Creio que não pedi sua opinião. Ah, trinta infernos, coloque os braceletes nesses dois e leve-os para o departamento de comunicação. Eu preciso resolver alguns assuntos.

E largou-os, Carlos, Ricardo, a jovem e o Charsh; e saiu bufando após bater a porta.

Por alguns segundos, o silêncio só era quebrado pelo barulho do Charsh borbulhando. Então, a jovem respirou fundo e, como se cuspisse as palavras, disse:

- Há algo de muito, muito errado acontecendo. Não sei por que ele faz questão de ignorar.


O Abismo das 1001 PortasOnde histórias criam vida. Descubra agora