Os momentos que se seguiram foram do mais tenso e constrangedor silêncio. Mesmo depois que alcançaram Ricardo, Solet e Carlos se mantiveram sem pronunciar uma palavra sequer - apenas o seguiram enquanto ele se movia pesadamente.
A neblina estava se tornando cada vez mais densa e a escuridão, mais sólida. O baque oco de seus passos, o farfalhar do matagal em que eles agora pisavam, era tudo que eles podiam ouvir.
Até que, subitamente, nem mais isso. Ricardo parara.
Solet e Carlos distinguiram, com dificuldade, o contorno das mãos de Ricardo movimentando-se pelo vazio como se ele tocasse uma parede invisível. Ele brilhava um pouco, num verde neon que surgira graças a suas capacidades adaptativas temporárias analíticas, mas nem mesmo esse brilho conseguia superar a escuridão que se instaurara.
- Não estamos longe... nada longe. Atrás da parede... - continuou deslizando suas mãos pelo ar - atrás dessa aqui. Elas surgiram do chão, não? Então devem ser feita de terra, grama... não sei, mas de algo que podemos escavar. Vai ser muito mais fácil e menos perigoso do que tentarmos dar a volta pelos corredores desse labirinto. Sem contar que, se trabalharmos rápido, conseguimos chegar ao outro lado em alguns minutos.
- E daqui vamos para onde? - perguntou Solet.
- De volta para o Salão. Ah, você vai adorar aquele lugar. E você... você pode me ajudar nessa busca, se quiser. Temos um longo caminho pela frente ainda. Quer dizer, isso depois que deixarmos ele em algum lugar - com um aceno desdenhoso de cabeça, apontou para Carlos - Mas provavelmente precisaremos encontrar uma porta para voltar para cá em algum momento. Vamos embora, claro, porque nossa prioridade agora é sobreviver, - ouvindo isso, Carlos olhou para o céu e murmurou, quase inaudivelmente, "agora!" - mas temos muitos mistérios ainda não resolvidos por aqui. Esses braceletes vão continuar funcionando mesmo fora deste planeta?
- Acredito que sim. Mas como eles foram inicialmente programados para garantir a energia para viagens curtas, do centro até o prédio, eles podem ir ficando mais fracos ao longo do tempo se vocês fizerem... se nós os utilizarmos para encontrar portas em viagens muito longas. Talvez durem mais depois que eu desativei todas as outras funções... a escuta, o raio desintegrador da morte, etcétera. Não sei, só testando para descobrirmos.
Solet sorriu levemente, e continuou:
- Mas não acho que devemos nos preocupar tanto com isso por enquanto. Sabe, com voltar para cá e tudo mais. Estamos diante de um grande mistério, um mistério muito maior que este planeta, eu até me arriscaria a dizer que é um mistério que envolve o Universo todo, ou até mais. E grandes mistérios funcionam de formas engraçadas. Ele vai continuar aparecendo para nós, onde quer que nós resolvamos ir. Tudo vai se ligar, uma hora. A questão é se vamos conseguir perceber isso.
Ricardo e Carlos a encararam, boquiabertos.
- É... é... suponho que sim. Bom, vamos colocar as mãos na massa. Precisamos chegar do outro lado dessa parede e ir embora daqui.
Os três começaram a arrancar os grandes chumaços de mato que cresciam das paredes e, para sua alegre surpresa, confirmaram que elas eram de fato feitas de terra. Começaram logo a escavar, com suas próprias mãos, arrancando velozmente punhados e mais punhados de terra. A penumbra tornava muito difícil acompanhar o progresso, então eles se limitavam a seguir trabalhando, tão rápido quanto podiam.
E cavaram, cavaram, cavaram, cavaram... o tempo passava, mas eles não pareciam estar chegando mais perto do fim.
Uma pequena curiosidade: isso é porque eles realmente não estavam.
Foi Solet quem primeiro estranhou.
- Ei... passem a mão aqui. Eu estou cavando por todo esse tempo, mas a parede continua lisa. Eu posso jurar que fiz um buraco aqui agorinha mesmo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Abismo das 1001 Portas
FantasíaQuando a mente de Carlos percebeu que ele se encontrava no meio de uma queda irreversível em direção ao fundo do Abismo do Fim do Mundo, ela imediatamente começou a produzir pensamentos curiosos, pensamentos diversos - mas que, de uma forma ou de ou...