Carlos nunca tivera a experiência de estar em uma jangada no meio do mar durante uma tempestade, e depois ser engolido por um tubarão, e depois ser cuspido de volta na tempestade, só para depois ser atacado por pelicanos assassinos.
Mas ele suspeitava que a sensação seria bem parecida com a de entrar em uma daquelas espirais.
Depois de finalmente perceber que a viagem havia acabado, Carlos ficou deitado no chão esperando o mundo parar de girar e sua vista voltar ao normal.
Lentamente, ele começou a perceber alguns detalhes da paisagem do lugar onde eles haviam ido parar. Era um lugar aberto: não havia nenhum sinal de tetos, paredes ou portas (e isso até o deixou um pouquinho aliviado), pelo menos não onde ele conseguisse ver. Bem, não que ele conseguisse ver muita coisa, estava realmente muito escuro. O solo parecia feito de areia, e era de uma cor que ele nunca vira antes. E isso não o deixou nem um pouco aliviado.
Seus olhos procuraram a fonte de iluminação que o permitia ver o pouco que ele conseguia. Não vinha do céu. Vinha... vinha do seu lado...
Havia algo parado a uns dez metros dele. Algo com uma forma humanóide. Brilhava com uma fraca luz laranja, com excessão de seus pés, que brilhavam com luzes de outras cores. A coisa começou a andar em sua direção. Chegou mais perto. E mais perto. Cada vez mais perto.
Carlos sentiu uma descarga de adrenalina no corpo. Levantou, fechou suas mãos em punho, pronto para atacar, mas ainda estava tonto demais, ainda não conseguia enxergar direito, estava tudo embaçado. Caiu novamente no chão.
Protegeu seu rosto com as mãos. Recuou como pôde, e falou a única coisa que veio à sua cabeça:
- Abajur alienígena ambulante! Saia... de... perto... de... mim!
A coisa falou.
- Abajur alienígena? Cara, o que há de errado com você?
Carlos reconheceu aquela voz. Simultaneamente, sua visão resolvera voltar ao normal. Se isso tivesse acontecido dez segundos antes, pensou amargamente, eu teria escapado de um belo constrangimento.
- Ricardo?
- Quem mais você esperava? A rena do nariz vemelho?
- Pelo visto, é laranja...
Ricardo demorou um pouco para entender. Depois, olhou para os próprios braços e sorriu.
- Ah, isso? - ele falava com um tom debochado, como se fosse absolutamente normal sair brilhando por aí - Você deveria estar agradecendo! Como você esperava enxergar algo se não fossem pelas minhas capacidades adaptativas temporárias analíticas?
- Das suas o quê?
- Esquece o nome. Bem, vamos indo?
- Não! - Carlos conseguia sentir as palavras crescendo nele, como se fossem explodir se ele não falasse. Esperava que conseguisse falar coisa com coisa. - Escuta, desde que eu caí você fica falando essas coisas, e tudo sempre termina com você falando "esqueça isso" ou comigo caindo em algum lugar ou sofrendo algum tipo de dano físico ou moral e eu estou muito cansado e eu só queria que...
- Calma.
- VOCÊ CONSEGUE ME DEIXAR FALAR UMA PORCARIA DE FRASE SEM DIZER PARA EU FICAR CALMO OU--
- Eu vou conseguir quando você estiver calmo - Ricardo se sentou ao lado de Carlos, o que o surpreendeu. Ele esperava que o homem brilhante (ou brilhante homem, como preferir) iria sumir em uma nuvem de fumaça e uma voz grave e misteriosa vinda de lugar nenhum diria "você jamais saberá nossos segredos, criaturinha miserável!" e começaria a rir de um jeito maligno. Mas Ricardo apenas se sentou e disse calmamente:
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O Abismo das 1001 Portas
FantasyQuando a mente de Carlos percebeu que ele se encontrava no meio de uma queda irreversível em direção ao fundo do Abismo do Fim do Mundo, ela imediatamente começou a produzir pensamentos curiosos, pensamentos diversos - mas que, de uma forma ou de ou...