Cartas na mão

Ansiedade

Vesti as luvas de plástico e comecei a repartir o cabelo na raiz. Se eu tivesse coragem de cortar os pulsos, será que ia me dar ao trabalho de pintar o cabelo? Os empregados sempre pitam meu cabelo de 15 em 15 dias para esconder meu tom natural, mas dessa vez eu mesma estou fazendo, de certa forma é uma maneira de dissipar minha ansiedade e matar tempo até a noite chegar, quando teremos que sair para missão.

Não lembro de verme com outra cor de cabelo que não fosse o preto brilhoso da tinta, mas a julgar pela raiz crescida, meu cabelo é bem mais claro e cintilante. Era estranho. Por que Kikyo Zoldyck fazia tanta questão de esconder meus fios naturais?

Bem, eu não me importo com esse tom de preto, até gosto. Fico mais parecida com o Illumi. Só não curto ter que fazer esse processo tão frequentemente. É irritante. E o cheiro forte da tinta sempre me dá náuseas.

Passei o produto por toda a raiz, amontoei meu cabelo em um coque frouxo e esperei a química fazer efeito. 40 min para ser exata. Me levantei da cadeira e fui para o banheiro. 

Tirei as luvas e descartei-as delicadamente, feito camisinhas usadas, na lixeira. Abri a porta de vidro do box, passei a perna direita para dentro e depois a esquerda, girei o comando do chuveiro e a agua começou a cair. A tinta escorria do meu cabelo, tingindo todo meu corpo. Esfreguei bem o couro cabeludo com as pontas dos dedos até sentir que toda aquela porcaria tinha saído.

Peguei o shampoo e derramei o liquido diretamente no topo da cabeça, sem ver a quantidade que caia e quando julguei que era o suficiente, parei de apertar e posicionei a embalagem de volta em seu lugar. Mais uma esfregada com vontade na cabeça, dessa vez, pra tirar o odor da tinta. Enxaguei, removendo o shampoo, e com a propría espuma que escorria no meu corpo, eu me limpei. Não gosto de usar sabonete, por algum motivo eu prefiro aproveitar a espuma do shampoo para me limpar, sinto que economizo mais tempo. Eu tenho nojo de sabonetes em barra, mas esse não é o problema, já que tenho sabonete liquido disponível. Eu só gosto de poupar meu tempo e ser mais pratica. Se o shampoo deixa minha cabeça limpa, porque não removeria as células mortas da minha pele?

Desliguei o chuveiro e puxei a minha toalha que estava pendura no travessão de alumínio onde a porta de vidro do box corria. Me sequei e envolvi meu cabelo com ela. Sai do banheiro pelada, passei pelo quarto e fui ate o closet. Abri o guarda roupa e fiquei parada ali por longos quinze minutos, encarando as opções.

Quase todas as minhas roupas são pretas e a maioria delas são roupas de academia, é engraçado. Nunca tive tanta roupa de ginastica antes.

Agarrei o cabide com uma peça e a " desarmei". Era um Catsuit. Preto. De mangas largas e pescoço fechado, também cobria toda a extensão das pernas.

Acho que esse deve ser o look ideal pra cometer um assassinato, não?-Pensei em voz alta.

Vesti a peça e contemplei as curvas do meu corpo no espelho. Será que Illumi me acharia atraente assim? Parecia manipulador... Mesmo se fosse uma tentativa de arrancá-lo da própria melancolia aparente. Às vezes eu desconfiava que ele estava embotado, incapaz de emoções humanas previsíveis. No começo, eu achava charmoso esse seu hábito de sumir por aí, mas de repente aquilo me parecia masoquismo. Eu não quero e nem gosto quando ele me trata com indiferença.

Olhando para o meu corpo, tive a sensação de que ele era perfeito encaixe com o de Illumi, sob certa luz, a pele dele empalidecia parecia até azulada; uma espécie de criatura que eu esperava ver asas brotarem de suas escápulas. Em matéria de temperamento, Illumi era sofisticado, sua postura calma me exalava elegância, como se ele fizesse parte da decoração da própria casa. Apesar do seu porte, as vezes ele poderia parecer um pouco imaturo e mimado. Não é que Illumi fosse de fato imaturo, simplesmente estava preso num estado prematuro, feito um besouro cuja carapaça é muito mais vívida porque o último estágio de homogeneização para a vida adulta nunca aconteceu. Todas as crianças aqui pulam etapas da vida. Eu fui iniciada aos 25... Mas Killua me disse uma vez que sua mãe lhe dava choques desde de bebê. BEBÊ! Isso é loucura. Não quero imaginar que Illumi teve que passar pelo mesmo que eu, quando ainda era criança, então de certa forma eu o entendo e sinto pena.