Obra de Arte - Part Única

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A gota que escorreu no chão parecia cair em câmera lenta, aos olhos da pessoa sentada na poltrona de couro. O tempo naquele quarto parecia ter parado. Não havia um relógio na parede, nenhuma fresta na cortina para revelar se era dia ou noite, e, como de costume, dentro daquele pequeno espaço, não havia celulares.

A pessoa sentada na poltrona estava com as pernas cruzadas, mas não de uma forma graciosa. Estava longe disso, longe de ser esteticamente bela. Seu corpo estava em um movimento quase bruto, mais como uma tentativa de friccionar as coxas grossas contra a própria intimidade, que, por sua vez, estava completamente saturada pela umidade de onde.

A taça de vinho, ao lado de uma garrafa, repousava na pequena mesa de madeira à esquerda da poltrona. Estava intacta, apesar de parecer que a pessoa a quem ela havia sido destinada estava completamente embriagada. Contudo, o que corria em suas veias não era o álcool, mas uma excitação ardente e um prazer intenso pela obra de arte que acabara de criar.

O primeiro som que quebrou o silêncio do cômodo foi um murmúrio de dor, um gemido baixo que escapou dos lábios da mulher a frente da poltrona , os pequenos músculos de seu corpo tencionando a cada movimento que ouvia da outra pessoa. A mulher a centimentros a frente da poltrona estava ajoelhada no chão, os seios tocando o piso gelado, seus joelhos imersos na frieza que contrastava com o calor que ainda queimava seu corpo.

— Xiuuu — disse a pessoa na poltrona, sua voz baixa, mas carregada de autoridade. Ela olhou com um sorriso enigmático para a mulher no chão, como se saboreasse cada segundo daquele momento. — Estou apreciando minha obra — continuou, a voz fria e controlada. — Se você atrapalhar, será punida.— As palavras saíram como uma ameaça velada, mas o olhar em seus olhos transmitia algo mais intenso, uma promessa de que cada ação teria uma consequência.

Nenhum som mais se ouviu da mulher nua a sua frente. Ela estava imersa em seu próprio silêncio, o corpo sentindo os efeitos da posição desconfortável, com as pernas formigando e os braços já doloridos. Cada músculo parecia pedir alívio, mas, de alguma forma, a dor em seu corpo alimentava a excitação que queimava por dentro. Ela não conseguia explicar o que a motivava, mas havia algo naquele momento — no sofrimento e na entrega — que a fascinava. A combinação de prazer e dor, a sensação de impotência e poder, a fazia sentir-se viva de uma maneira que não conseguia racionalizar, mas que, de algum modo, a envolvia por completo.

O objeto de silicone dentro de si, como um intruso em sua casa, algo que, horas antes, parecia perfeito e agora se tornava uma presença indesejada. Cada movimento parecia intensificar a sensação de algo estranho e impessoal se espalhando por dentro como se o espaço íntimo em que ele havia sido colocado o quiser expulsar. Seu corpo estava coberto por marcas e arranhões — marcas de fúria, de dor e amor— que deixavam um rastro evidente de tudo o que havia acontecido, um lembrete doloroso da entrega que, por momentos, parecia fora de controle. As velas espalhadas pelo quarto não queimavam mais que sua propria bunda.

Ela notava a diferença entre o molhado da sua intimidade e o molhado da gota de sangue que escorria de alguns pontos dos arranhões, principalmente das marcas na pele, que começavam a se misturar. A cor do silicone bege combinava perfeitamente com o terço branco dentro de si, abaixo do mesmo. Ela sentia as pequenas bolinhas escorrendo por dentro, sendo abraçadas pelas paredes quentes e molhadas que ela possuía. Mais de 70% do terço estava em si, e os 20% restantes, justamente a parte onde o crucifixo ficava pendurado, e o molhado encontrava o caminho de dentro de si para fora, seguindo o terço.

Ela não sentia mais dor na coxa, que agora era abraçada pelo cilício, uma dor tão familiar quanto a dos joelhos, algo que se tornara comum em sua rotina. A sensação que antes a incomodava, agora parecia parte de sua própria carne, como se fosse uma marca indelével de algo que ela aceitava. O desconforto, quase reconfortante.

O coração dela acelerou ao ouvir o som dos passos vindo em sua direção, o eco das botas no chão frio e a suave vibração do ambiente, como se o ar estivesse carregado de uma tensão palpável. Ela sentiu os olhos da figura se aproximando, e a sensação de ser observada a envolveu, gerando uma mistura de excitação e receio. O som da poltrona rangeu novamente, anunciando a presença do outro, e o silêncio se fez, pesado e carregado, à medida que os passos se aproximavam mais.

A respiração dela ficou mais rápida, as mãos suadas tocando a superfície fria do chão, como se tentasse encontrar algum equilíbrio entre o medo e o desejo que se entrelaçavam dentro dela. Ela sabia o que estava por vir, mas, de alguma forma, estava imersa nesse momento, perdida na inevitabilidade daquilo tudo.

Lábios e PecadosWhere stories live. Discover now