Prólogo

69 3 0
                                    

 Acordo assustada ao som de um disparo.
 Eu não precisava levantar da cama para avisar minha mãe de que os vizinhos estavam brigando novamente. Era normal o meu vizinho atirar na parede do quarto da sua filha, só para ameaçar sua esposa de morte. Cátia é o nome da filha deles, meiga, olhos castanhos e alta. Ela já havia me pedido para chamar a polícia quando eu ouvisse seus pais brigando, mas minha mãe me proibira. "Não se meta nisso, menina." Ordenou ela, certa vez.
Fecho os olhos e tento voltar a dormir, mas ouço mais disparos. Isso me preocupa, pois sempre fora apenas um único tiro.
 — Desgraçada — Ouço Isaque, o pai de Cátia gritando.
 Naquele momento tudo veio à minha cabeça.
 Grito por minha mãe apavorada, mas ela não responde. Levanto da cama e vou para o seu quarto.  Abro a porta e me deparo com papai dormindo sozinho.
 — Pai, acorde — balanço-o enquanto grito — cadê mamãe?
 Ele abre os olhos confusos.
 — Pai, os pais de Cátia estão brigando e dispararam mais de um tiro, e — sinto minha voz embargar.  — e mamãe não está aqui.
 Ele levanta ainda sem entender o que estava acontecendo. Após um momento ele entende o que eu estava falando, e corre em disparada para a casa de Cátia. 
 Chegando lá ouvimos ameaças e gritos apavorados. 
 — Não faça isso, por favor — alguém grita e eu não consigo reconhecer a voz.
 Papai sobe as escadas correndo e eu fico na sala com medo de ver o que estava acontecendo.
 Mais dois disparos são desferidos, eu dou um pulo do chão pelo susto que levei.
 Sem pensar subo as escadas correndo, tropeço na passadeira do corredor e quase caio no chão.
Um cheiro forte de ferro invade minhas narinas, percebo que há uma poça de sangue a alguns metros perto da batente da porta do casal.
 Corro em direção à porta e vejo minha mãe em pé ao lado da cama. Com uma arma na mão e uma faca na cintura, ela parece transtornada. Naquele momento fico tonta e sem reação. 
 Mamãe levanta a arma e aponta para minha cabeça, eu dou um passo desesperado para trás, as lágrimas rolando pela minha face de horror.
 Percebo o corpo de Barbara, a mãe de Cátia, caído perto da janela. Seu pescoço estava todo cortado e sua barriga cheia de furos.
 Olho novamente para minha mãe, lentamente ela muda o sentido da arma. A arma que antes apontava para mim agora está em sua boca.
 Ela a tira.
 — Filha antes de tudo quero lhe dizer que te amo muito, quero pedir perdão a você e a todos por tudo isso e que eu... — ela faz uma grande pausa e cai uma lágrima em sua bochecha —... Eu matei todos.
 Ela engatilha a arma que ainda estava em sua mão e dá um tiro contra a própria cabeça.
 Depois disso não me lembro de muitas coisas. Só lembro-me das únicas pessoas não feridas daquela casa sendo retiradas, eu e Cátia, e levadas ao hospital. Depois de quatro dias recebemos uma péssima noticia.
 — Bom dia queridas — Disse o nosso responsável no hospital.
 Não fomos educadas, não o respondemos. Porque já tínhamos em mente o que ele diria.
 — Eu não queria falar isso para as minhas princesinhas, mas tenho que informa-las. A vida não é eterna, chega um momento em que ela acaba — Cátia começou a chorar capitando o que viria a seguir.
 — Para de nos enrolar, já sabemos que eles... — também não aguento e caio no choro.
 Todos da sala ficaram olhando para mim porque eu não falava há três dias.
 — ... Morreram — Digo com a garganta apertada.
 Depois daquele dias fomos para o inferno de quatro muros, o orfanato. Após dois anos vivendo naquele inferno fui adotada e levada para Governador Valadares, onde minha vida mudou por completo.
 Meu nome é Joana, tenho oito anos e sou uma órfã sem sorte e sem rumo.


                                                 — Joana

A IraOnde histórias criam vida. Descubra agora