Respostas

7 2 0
                                    

"É como o tempo funciona(...) Estamos constantemente carregando nosso peito de memórias e sentimentos, para que no fim dos nossos dias não nos tornemos pessoas arrependidas por não termos vivido."

-As Vidas Literárias de Atlas Lefrève

______________________________________
O castelo estava vazio em um silêncio sepulcral. Não haviam os habituais guardas protegendo a entrada, nem os servos cuidando dos jardins ou limpando e mantendo o lugar em pleno funcionamento.

Os passos dos dois ecoaram no chão do palácio, as paredes de cristal pareciam opacas e o lugar mergulhado na penumbra como se uma grande sombra pairasse sobre o lugar. Eles ouviram um gorgolejar e passos molhados que se arrastavam pelo chão, nenhum ser humano seria capaz de produzir aquele som.

-Fique atrás de mim. -Wriothesley sussurrou.  Neuvillette apenas assentiu, aproximando-se silencioso, lá fora a tempestade agitava os céus, e ventos furiosos castigavam as copas das árvores.

Emínia apareceu. Seus olhos saltavam para fora das órbitas e sua face se contorcia em uma expressão de pavor, o pescoço pendia em um ângulo humanamente impossível, mas antes que os dois pudessem dizer algo, a mulher desabou no chão. E o rei Zarian saiu de tràs dela. Ou pelo menos algo que em algum momento fora o rei, aquilo, seja lá o que fosse, não pertencia aquele mundo, sua face estava dividida em duas uma carregava uma expressão de pavor e a outra de puro ódio.

-A-ajudem-me ... -Ele murmurou. A voz entrecortada. Sua garganta rasgou-se em uma risada longa e profunda que ecoou no salão enviando arrepios pelos corpos dos dois.

-Você se esconde atrás desse humano? -Uma voz que não parecia pertencer ao rei falou. -Quão covarde você se tornou, Iudex! -Outra risada.

Com um salto o rei atravessou parando atrás de Neuvillette e agarrando seu pescoço.

-Você fede! Como todos aqueles seres inferiores e desprezíveis. E ainda por cima deixou que esse humano o tocasse de forma tão... -A coisa fez uma expressão de desgosto e abriu a boca para dizer algo, mas foi atingido por soco forte e violento que o arremessou do outro lado do salão. Cristais de gelo perfuraram sua pele, fazendo o sangue escorrer por toda a extensão do seu corpo.

Os olhos da criatura brilharam cheios de uma fúria incontida e ele saltou contra Wriothesley, antes de sentir o sangue lhe fugir do corpo, tomado pelas sensações que as limitacoes humanas pareciam lhe provocar naquele momento, encarou Neuvillette com um sorriso e esgueirou-se por entre as fendas do chão movendo-se como um líquido negro que possuía vida própria e desapareceu, deixando o corpo de Zarian desabado no chão.

A respiração do rei era superficial e ele deixou um gemido de dor lhe escapar. Wriothesley pegou-o nos braços e levou-o pelos corredores vazios até encontrar um quarto seguro. Neuvillette trancou a porta e começou a cuidar dos ferimentos de Zarian, rezando para que quando ele acordasse pudesse oferecer as respostas que os dois precisavam.

Algumas horas mais tarde, o rei abriu os olhos e franziu o cenho, seu corpo inteiro doía.

-Seled... -Ele murmurou com a voz rouca.

-Ele... Está... ? -Wriothesley perguntou com um sussurro.

O rei meneou a cabeça negativamente, o mero movimento o fez se encolher.

-Está na câmara de proteção... destinada ao rei...  - Ele ergueu as mãos em um gesto suave.

-Nós iremos até ele... Mas precisa nos contar a verdade. -Neuvillete disse convicto, os olhos azuis carregados de dúvidas.

Zarian assentiu silencioso, os lábios apertados formando uma linha fina.

Neuvillette permaneceu ao lado do rei, que encarava as janelas embaçadas, esfriara bastante e com a chegada do anoitecer uma névoa incomum tomara conta de Onhyria.

Enquanto Wriothesley caminhou em direção a Câmara, segundo as instruções de sua majestade atrás do vaso com rosas azuis, deveria haver uma pequena porta, conforme ele tocou na maçaneta viu a figura de Seled encolhida no canto, ele ficou de pé assim que viu o duque.

-Wriothesley! O que está acontecendo? -perguntou com a voz calma, mas seus olhos estavam agitados.

-Honestamente, eu também não sei. Vamos ver se Zarian consegue nos dar alguma explicação -A menção do nome do rei o outro ergueu os olhos claros

-Ele... Está bem? -Perguntou sentindo -se ansioso.

-Ele vai sobreviver. -O outro respondeu com tranquilidade.

-Como você veio parar aqui? Achei que essa câmara era para a segurança do rei...

Seled suspirou.

-Ele me jogou aqui dentro e disse que se tudo desse errado em 12 horas ela abriria automaticamente e eu poderia sair e se ele sobrevivesse voltaria... para me buscar.

-E você concordou com isso? -Wriothesley perguntou um pouco decepcionado.

-Acha que eu tive escolha? Acha que Zarian é homem fácil de ser desafiado? Você não faz ideia... De como ele é poderoso... E também é muito teimoso. -Suspirou.

-Seja como for, ele salvou a sua vida... Emínia está morta e Sunyse provavelmente também está...

-Emínia... Sunyse... -Ele fechou os olhos momentaneamente, então seguiu o duque até o aposento onde o rei descansara.

Os dois entraram no quarto e fecharam a porta atrás de si, o rei ressonava baixinho.

-Eu achei melhor deixá-lo dormir. Parece que ele exauriu a maior parte de suas forças lutando contra aquilo.
-Neuvillete explicou.

Seled se ajoelhou, sentindo os olhos arderem e um bolo se formar em sua garganta... Por muito tempo ele achara que fora meramente um brinquedo nas mãos do rei e agora ele quase morrera, para dar-lhe a chance de permancerer vivo.

Não fazia sentido... Ele mirou o rosto pálido, que dormia pacificamente e tomou sua mão esquerda entre as suas, notando que Zarian segurava com firmeza uma corrente delicada, com uma aliança de prata.

Seu coração se agitou profundamente, recordando daquela noite, uma memória quase desvanecida em sua mente. Seled falara a Zarian de seus sentimentos, de forma tola e desajeitada, naquela época ele ainda era o príncipe de Mints e Seled tinha certeza que ele cuspiria em sua cara, mas sua alteza sorriu e lhe agradeceu quando o outro lhe entregara o embrulho que preparara minuciosamente durante semanas.

Seled nunca o vira usando a aliança prata. Por isso imaginara que o príncipe não havia gostado do presente, mas depois de tanto tempo, tanto tempo que ele quase havia esquecido... Estava alí... Agarrando-se aquilo como se fosse o último fiapo de sua existência.

Ele segurou firme a mão de Zarian e rezou para que ele não morresse.

Neuvillette e Wriothesley entreolharam-se e permaneceram em silêncio respeitando o momento.

-Seled... -Zarian sussurrou. -que bom que está bem... -O outro assentiu silencioso incapaz de pronunciar qualquer palavra.

O Oceano Sagrado e a Máscara da DorOnde histórias criam vida. Descubra agora