Preciso admitir que demorei um certo tempo para assimilar aquela imagem, e mesmo assim meu cérebro não dava nenhum comando para que eu me mexesse. John erguia Keat a alguns centímetros do chão pela alça da mochila, enquanto ele se debatia, resmungando insultos desconexos de volta.
- O pirralho me negou um cigarro, você pode acreditar Brian? - John soltou um riso de escárnio para o amigo que também ajudava a levantar meu irmão. - Como se um fedelho como ele fumasse de verdade.
Observei Keat ficando roxo de raiva, ele odiava ser chamado de pirralho ou coisas do gênero. A verdade é que ele não parecia ter os seus 14 - quase 15, como ele fazia questão de dizer. Meu irmão era alto, e seus ombros largos fazia com que ele aparentasse ser mais velho do que eu em determinadas situações. Só não era maior que John e seus amigos jogadores de futebol.
- Me solta cara, me deixa em paz, seu filho da puta. - Keat esbravejou e John o trouxe mais pra perto dele, soltando a alça da mochila para agora puxá-lo pela camiseta. Aquilo ia dar merda, e ia dar das grandes.
- Você me chamou de quê?
- Olha John, ele turbinou o skate! Da ultima vez que o socamos ele não tinha essas rodas da Element... - Brian pegou o skate nas mãos e passou os dedos pelas rodinhas, fazendo-as girarem. - Eu tava mesmo querendo um novo... - Ele deu risada, jogando o shape no chão enquanto apoiava o pé sobre ele movimentando-o pra frente e pra trás. Meu irmão se debateu mais uma vez, em vão, enquanto os dois riam dele. Eu precisava fazer alguma coisa, porra.
- Deixa ele em paz John. - Elevei meu tom de voz, pedindo passagem por entre as pessoas até o centro da roda.
- Sai daqui Ronnie. - Foi Keat quem resmungou, provavelmente se sentindo humilhado por eu interceder. Acreditem eu não gostava de me meter na vida dos outros, eu mal gostava de conversar com outras pessoas, ainda mais quando elas eram da espécie de John e seus amigos... mas, eu me sentia responsável pelo meu irmão.
- Escuta o pirralho Cherry, cai fora. Aproveita e diz pra sua amiga que eu espero ela na festa amanhã. - John ergueu os lábios, formando um sorriso de escárnio nos lábios, e olhou para Brian, para que os dois engatassem um riso de alguma piada interna que eu não fazia questão alguma de saber qual era. Eu sabia que Emma estava se metendo em problemas por conta da sua paixonite colegial com esse cara, só espero que os danos não sejam irreparáveis. Mas qual é o problema comigo hoje? Contando que ela não venha chorar no meu ombro, eu realmente não me importo.
- Porque você não se mete com alguém do seu tamanho John? Tem que parar de ficar batendo em crianças por ai, seu idiota. - Eu me aproximei mais um passo, retirando a minha mochila do ombro e jogando-a no chão. Eu fiz o mesmo com meu chapéu. Se eu iria bater nele? Provavelmente não, mas aquela atitude foi a única coisa que me veio a cabeça naquele momento, depois disso eu não saberia o que fazer. Acertava um soco de direita? Um chute bem no meio das pernas? Nos livros e filmes a garota sempre sabia lutar e se defender. Bem, eu não fazia ideia do que eu estava fazendo.
- O que você vai fazer garota, me bater? Não me faça rir... - Ele continuou, ainda segurando meu irmão do jeito que podia. - Você ouviu Brian? A garota vai me bater.
- Ela não vai. - Alguém disse atrás de mim, mas não houve tempo para eu me virar e observá-lo. Matt logo passou a minha frente e deu duas batidinhas amigáveis no ombro de John. - Ninguém vai bater em ninguém aqui cara, deixa o garoto... o diretor Flint ficou sabendo do tumulto e já vem vindo. Você não vai querer pegar detenção amanhã, não é? Tem uma festa daquelas. - Ele continuou, sem me olhar uma vez sequer. Eu apenas continuei encarando a cena. John afrouxando os dedos que seguravam meu irmão, Brian largando o skate e saindo dali o mais depressa possível, a multidão de alunos se dissipando e por fim Matt dando um abraço desengonçado em John para que os dois caminhassem em direção ao carro esporte dele.
Assim que Keat caiu de joelhos no chão eu corri em sua direção, ajudando-o a se levantar. John e Matt já estavam longe da minha vista, e ele não havia olhado para trás uma vez sequer em todo o trajeto até o carro.
- Hey, você tá legal? - Resmunguei, observando meu irmão se recompor e colocar o skate novamente sob seus pés. Ele me observou com os olhos cerrados e o lábio vermelho, com uma gota de sangue escorrendo devagar até formar uma pequena mancha em sua camiseta branca. Keat não me respondeu, apenas ageitou a mochila nas costas, e deu impulso pra sair dali. Eu apenas observei meu irmão sumir pela rua até pegar minhas coisas, montar na minha bicicleta e ir finalmente pra casa enquanto tentava assimilar o que tinha acabado de acontecer.
Quando cheguei ao meu destino deixei minha bicicleta jogada no gramado do quintal e corri depressa até a grande porta branca. Eu não me supreendi quando notei que meu pai não estava em casa, ele nunca estava lá. Principalmente em dias de semana, eu duvidava que ele ao menos dormisse lá. Já nos sábados e domingos era impossível não notá-lo. O cheiro de uísque barato misturado com o perfume de segunda mão que as vadias que ele levava pra casa impregnava o ar, eu mal conseguia respirar. Era por isso que eu não saia do quarto quase nunca, tinha sorte de ter meus personagens como companhia para ocasiões como aquelas.
Subi as escadas correndo, pulando de dois em dois degraus, e abri bruscamente a porta do quarto de Keat. Ele não estava ali, e isso sim me preocupava. Meu irmão era tão recluso quanto eu, mas a diferença entre nós dois era que talvez ele não fizesse isso por vontade própria. Não era a primeira vez que valentões da escola faziam esse tipo de coisa com ele. Pra onde Keat poderia ter ido?
Suspirei pesado, escaneando o quarto com meus olhos antes de ir para o meu ao lado. O computador, o qual eu nunca desligava, piscava a tela insistente indicando que eu tinha uma nova mensagem. Tirei minha mochila das costas, apressada para me sentar na cadeira e ver de quem era. Eu esperava realmente que fosse Bog dando notícias. Desde aquele dia que ele me revelou que era de Hoodwood ele havia evaporado.
Bog diz:
Cherry, seu irmão está bem?
Eu separei os lábios por alguns segundos, supresa como ele havia ido direto ao ponto. Bog ultimamente anda cheio de mistérios, eu não estava gostando nem um pouco disso.
Cherry diz:
Como você soube do meu irmão?
Bog diz:
As notícias naquele colégio correm rápido demais.
Eu demorei um pouco pra responder essa.
Cherry diz:
Quem é você Bog?
Bog diz:
Na hora certa você vai descobrir.
O que? Ele iria fazer esse joguinho?
Cherry diz:
Porque você simplesmente não me diz logo?
Bog diz:
Ele está bem?
Bufei, dando algumas batidinhas com a testa na mesa de madeira. Qual era o problema com aquele garoto? Quem era ele que não podia me falar? Qual seria o motivo? Passei as mãos pelo rosto, e antes que eu pudesse me recompor parar respondê-lo recebi mais algumas mensagens.
Bog diz:
Apenas faça o que eu disse, fique de olho nele. Preciso ir, talvez nos vejamos amanhã. Até.
Bog está offline
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Clichê [Concluída]
Teen FictionCherry é uma garota introspectiva. Ela não gosta de interagir socialmente, nem mesmo com Emma, sua única amiga de toda vida. Ela passa a questionar seus ideais quando em um fórum online ela conhece Bog, alguém bem diferente de todos os idiotas do se...