Capítulo 3

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Aquela festa não era como em um filme adolescente. Era pior. Provavelmente eles queriam quebrar o recorde do maior número de gente bêbada por metro quadrado. Eu andei sorrateira, entre vômitos e camisinhas usadas espalhados pelo jardim. Eu tentava ser discreta, mas parecia que meu suéter natalino não era uma boa roupa de camuflagem, todos me olhavam. O lado bom disso era que ninguém realmente lembraria daquilo no dia seguinte, ou se lembrassem pensariam apenas que era uma peça da própria mente bêbada, ja que eu nunca frequentava lugares como aquele.
Passos antes de chegar à porta da frente um garoto que eu pensava estar dormindo na soleira, agarrou meu braço e me perguntou se já era natal. Eu chacoalhei algumas vezes meu braço, até que o idiota me deixasse livre para buscar meu celular no bolso dos jeans.
Nota mental: jogar este caralho de lã vermelha com renas fora quando chegar em casa. Busquei Keat nos contatos e apertei o send, fazendo um esforço descomunal para tentar ouvir alguma coisa que não fosse aquela música sem sentido. Nada, caiu direto na caixa postal. Mas o que aquele pirralho pensava que estava fazendo?
Passei as mãos pelo rosto, e dei um giro completo, tentando me acalmar. A porta de entrada estava aberta, mas eu não entraria ali nem sob decreto, então desci a pequena escadinha para contornar a propriedade até o quintal dos fundos. Não me surpreendi quando notei que ali tinha uma piscina lotada de garotas semi nuas e caras com volume demais nas calças.
Meu coração deu uma guinada quando avistei meu irmão jogado na grama com o celular ao lado de sua cabeça.
- Keat? Keat, cacete. - Eu me ajoelhei na grama, sem me preocupar que meus joelhos reclamaram pelo contato excessivo com a natureza. Apoiei sua cabeça em meu colo, dando alguns tapinhas no rosto dele para ver se ele recobrava o juízo.
- O que? É você querida? - Keat resmungou visivelmente alterado, com a voz embargada e o hálito com um cheio forte de álcool que me lembrava muito das poucas vezes que conversei com meu pai.
- Querida é o meu pau. Sou eu Keat, a sua irmã idiota que saiu de casa de madrugada para salvar você, seu inconsequente. Levanta logo deste chão e vamos pra casa. - Resmunguei tentando ajudá-lo a levantar. Meu irmão cambaleou algumas vezes até que conseguiu firmar os pés no chão e apoiar um de seus braços sobre o meu ombro.
- Eu não pedi a sua ajuda Cherry... eu não preciso de você. NÃO PRECISO. - Ele praticamente gritou, tentando desvencilhar os braços dos meus, mas mudou de ideia quando viu que mal conseguia ficar de pé. - Ta okay, talvez eu precise de você nesse momento... - Keat completou derrotado, me fazendo erguer um sorriso satisfeito e começar a caminhar de volta para o carro. - Mas normalmente eu não preciso... NÃO PRECISO.
- Talvez você devesse ter pensado nisso antes de me mandar uma mensagem suplicante por ajuda. - Eu retruquei enquanto lançava um olhar intimidador para um cara estranho recostado na soleira da porta dos fundos. Quem ele pensava que era pra me encarar daquele jeito? Nunca tinha visto bêbados sendo carregados por uma garota antes? Aposto que ele mesmo já havia sido carregado muitas vezes.
- Que mensagem? Não sei de mensagem nenhuma Cherry.
- O sms que vc me mandou, seu idiota.
- Eu não mandei nada, deixa de ser louca. - Keat tropeçou nos próprios pés quando passamos pela cerca lateral da casa, então eu tive que segurá-lo mais forte e tentar não me desequilibrar eu mesma. - E vai mais devagar com o carro, tá chacoalhando muito Ronnie.
- Cara, nós nem chegamos no carro ainda. Você tá nesse nível de desequilíbrio mental? - Eu não consegui evitar de rir. Como o meu irmão era patético, ainda mais bêbado. Mas, se não foi ele quem havia me mandado a mensagem - coisa que eu já havia percebido que não era, porque provavelmente Keat estava tão bêbado que mal sabia a quantidade de dedos que tinha nas mãos - quem havia sido?
Eu não tive tempo de pensar nas possibilidades porque meu irmão vomitou bem nessa hora. E você lembra que eu estava de chinelos, certo? Depois disso eu nunca mais sai sem tênis de casa. Nunca. Eu falei vários palavrões nessa hora, acho que não preciso citar todos. Keat só deu risada, mas eu não vi graça alguma. Joguei ele dentro do carro e usei todas os xingamentos que eu conhecia. Incluindo os em nadsat e alguns poucos em alemão, apesar do meu irmão ter caido no sono logo depois da segunda curva no caminho pra casa.

Clichê [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora