Capítulo 6

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Era quinta-feira e eu não me importava em ter cabulado as duas aulas de literatura. Eu duvidava muito que o professor Blake me reprovasse na matéria, não importava quantas faltas eu tivesse ou o número de provas que eu deixasse de fazer. E nós dois sabíamos o porquê disso.
Como de costume, eu passava o intervalo em um dos corredores principais mordiscando meu sanduíche de pasta de amendoim e tentando ler algum livro. Mas hoje eu não havia trazido nenhum, não estava com cabeça pra ler. A verdade é que eu não queria pensar em tudo o que aconteceu no dia anterior. Era terrível pensar que toda a minha vida foi uma grande mentira. Suspirei fundo, me encostando na lataria do armário e encarando o tumulto no final do corredor. Qual era o problema daquela gente?
Ninguém ficava ali durante o intervalo das aulas, esse era justamente o motivo de eu ficar. O falatório foi diminuindo até que uma voz irritante se fizesse presente.
- Por favor, se organizem garotos. Uma única fila e quando chegar a sua vez, você vai para a garota que estiver disponível. Nada de escolher, somos todas lindas, e tenho certeza de que nenhum de vocês teria a oportunidade de beijar qualquer uma de nós se não fosse pagando. - Eu não me admirei nem um pouco quando avistei Ashley a frente daquele discurso. Ela exibia um sorrisinho idiota no rosto e, mais do que nunca, empinava os peitos pra frente do corpo. - E, lembrem-se, é por uma boa causa. O baile anual é no fim do mês e precisamos arrecadar todo o dinheiro que pudermos pra organizar os detalhes.
Ela concluiu, e de repente eu fiquei enjoada. Não consegui dar mais nem uma mordida sequer no meu lanche. Porque as garotas se assujeitavam a esse tipo de coisa? Quer dizer, garotas além de Ashley?
- Isso é ridículo, não é? - Alguém disse ao meu lado e eu não demorei mais do que dois segundos para reconhecer meu irmão sentado a alguns passos de distância de mim com seu skate sobre o colo. Ele tinha uma feição emburrada e os braços cruzados na frente do peito. Eu só me lembrava dele com essa expressão quando ele havia pedido seu primeiro skate de natal e no lugar havia ganhado uma bicicleta. Keat devia ter seus 8 anos naquela época.
- Definitivamente. - Eu concordei, esticando meu lanche pra ele. Mas Keat negou, acho que estava tão enojado quanto eu. Por um bom tempo eu pensei que ele não falaria mais nada.
- Quer dizer, porque Emma está fazendo isso Cherry? Agora nós estamos juntos, não estamos? E ela parece que tem vergonha de mim quando estamos na frente das pessoas. Tem vergonha de me beijar em público, mas não tem vergonha de beijar um bando de nerds babões que só conseguem ficar com uma garota porquê pagam pra isso! - Ele continuou, dizendo rápido demais as palavras, o que me fez levar um tempo pra e conseguir absorver a frase toda.
- Ah... - Eu entreabri os lábios, voltando a encarar a fila no final do corredor. Emma estava sentada em uma das mesas, conversando com Ashley e mais uma outra garota loira que eu não me lembrava o nome. Ashley falou alguma coisa para o primeiro da fila, então ele caminhou até a mesa, depositou o dinheiro no grande pote de vidro e selou os lábios com os dela. O próximo fez o mesmo com Emma, e o seguinte com a outra garota.
O fato é que eu havia me esquecido de que Emma participava da organização do baile anual. Era estranho porque ela não fazia parte do grupo dos populares do colégio - já que andar comigo estragava toda sua reputação - mas, Emma era uma das garotas mais bonitas de lá, e não havia um garoto daquela escola que não quisesse beijá-la. O próprio John ficou com ela por um tempo, mas o idiota achou que não fazia bem à sua reputação sair com a melhor amiga da maluca do colégio e deu o fora nela.
- Eu ainda não acredito que eu estou aqui pra ver isso. - Keat resmungou, levando o skate até próximo a testa e dando algumas pequenas batidinhas nela como punição por ser tão retardado. Acho que os problemas mentais eram genéticos.
- Bem... - Eu fiz um barulho engraçado com a boca, aguardando o meu irmão deixar de se comportar estranhamente para me dar atenção. - Você assistia The O.C. comigo...
- O que você quer dizer com isso Cherry? - Ele resmungou com os lábios entreabertos e o cenho franzido.
- Você sabe bem o que eu quis dizer. Eu sei que sabe... - Completei enquanto fechava o saco de papel pardo com o restante do meu sanduíche. Talvez eu comesse mais tarde ou durante a aula de ginástica.
Keat não disse mais nada por um bom tempo. Sinceramente eu achei que ele não faria nada e quando eu estava pronta pra sair dali, ele se levantou e esboçou um pequeno sorriso antes de colocar o skate no chão e deslizar até o final do corredor.
Meu irmão se esquivou por entre os garotos, o que causou um certo falatório de resmungos e reclamações de que ele estava furando a fila. Mesmo um pouco distante eu pude notar os olhos arregalados de Emma terminando de beijar um dos nerds e se deparando com Keat ali. Me chamem de fofoqueira, mas eu precisei me aproximar um pouco pra não perder nenhum detalhe.
- O que você está fazendo garoto? Você não pode furar a fila desse jeito! - Ashley esbravejou, literalmente jogando o cara que a beijava de lado para reclamar.
- Eu não estou na fila, não vou pagar pra beijar minha namorada. - Keat disse e eu precisei levar a mão na boca pra conter o grito que eu queria dar. Ele estava MESMO fazendo isso! Eu não podia acreditar.
Emma arregalou mais ainda os olhos e eu podia ver as suas bochechas ruborizarem. - Você tá drogado garoto? - Ashley continuou mas ele não se deu o trabalho de dar atenção pra ela. O burburinho da fila só aumentava.
- Emma... - ele começou, se aproximando dela e então todo aquele barulho parecia ter cessado. Todos estavam interessados em saber o que diabos aquele calouro estava dizendo que namorava uma das veteranas mais cobiçadas do colégio. - Eu não entendo o porque de você me esconder pelos cantos. Eu te amo, e eu não quero precisar ter que esperar chegar em casa pra poder te beijar. E eu pensei que você também gostasse de mim, mas eu acho que eu me enganei. Se você gostasse pelo menos um pouco, não teria o que temer. Que se foda todo mundo, não sei porque você pensa tanto no que os outros vão pensar. Você deveria se preocupar mais com o que eu estou pensando disso tudo... - Keat despejou tudo de uma só vez, socando as mãos dentro dos bolsos e um olhar cansado em direção a minha melhor amiga. Eu podia jurar que ela choraria a qualquer momento.
- É verdade isso? Você namora esse pirralho? - Alguém gritou do meio da fila, e então todo aquele falatório voltou. Keat e Emma ainda se encaravam, ninguém falava nada. Emma não falou nada. Eu quis matá-la quando depois de longos segundos de silêncio meu irmão balançou a cabeça derrotado, e deu meia volta, pronto para se embolar no meio das pessoas novamente e ir embora.
- É verdade! - Ela gritou antes que ele saísse dali e eu murmurei um "Graças a Deus". Não precisaria sujar minha mão de sangue, pelo menos não com o dela. - Eu namoro esse pirralho. Na verdade, eu estou apaixonada por ele...
O restante da frase foi desaparecendo gradativamente, ao mesmo tempo que meu irmão se voltava para ela mais uma vez. Keat sorriu e antes que eu pudesse me dar conta, ele a beijou. Ali, na frente de todo mundo. De repente, todas as pessoas que assistiam a cena começaram a assoviar e dar gritinhos de felicidade. Aquilo parecia o final do campeonato de basquete.
E eu fiquei feliz pelo meu irmão, fiquei feliz por Emma. Algum dos White merecia ser feliz, e dos três, era definitivamente Keat quem eu escolheria pra ganhar o mérito. Esbocei um pequeno sorriso, me distanciando da multidão quando ouvi o sinal avisando que o intervalo estava no fim.
Seria um erro fugir do ginásio pra fumar um cigarro durante a aula? Bem, eu nunca fazia as aulas de ginástica própriamente ditas então, eu acho que eu posso considerar essa possibilidade. Caminhei até o próximo corredor, retirando meus livros da bolsa para guardar no meu próprio armário. Assim que terminei de colocar a combinação no cadeado e abri o armário, um envelope branco caiu de lá de dentro sobre meus pés. Franzi o cenho, guardando os livros para então me abaixar e pegar o papel nas mãos. Definitivamente aquilo não era meu. Não tinha remetente, ou qualquer coisa escrita no envelope em ambos os lados.
Não tinha mais ninguém no corredor, o intervalo já havia terminado a algum tempo então não tinha como saber quem colocou aquela carta no meu armário. Mordi o lábio observando o papel. Era um texto digitado, feito em alguma impressora de segunda mão, porque havia manchas de tinta nas bordas do papel. Provavelmente de algum dos computadores da biblioteca. Aquelas impressoras sempre fazem esse tipo de coisa. Pisquei duas vezes antes de ler.

Dear Cherry,
Não sei o que houve com você. Fiquei confuso depois da nossa última conversa. Sinto sua falta. Sinto falta das conversas também. Não quero que você se afaste de mim, o que parece que vai acontecer.
Então, acho que agora é o momento certo.
Me encontre amanhã durante o jogo de basquete, na escada exterior que leva ao ginásio.
Ps 1: Use o seu chapéu preto. É o meu favorito.
Ps 2: O seu irmão é maluco.
Bog

Clichê [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora