Capítulo 1

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"Então é claro que fiquei toda tensa quando ele me tocou. Estar com o Augustus era feri-lo - inevitavelmente. E foi isso o que senti quando ele estendeu o braço: senti como se estivesse cometendo um ato de violência contra ele, porque era isso o que eu estava fazendo. Resolvi mandar uma mensagem de texto. Quis evitar uma conversa inteira a respeito.
Oi, então tá, eu não sei se você vai entender isso, mas não posso beijar você nem nada.
Não que você tenha necessariamente tido vontade de fazer isso, mas não posso.
Quando tento olhar para você desse jeito, tudo o que vejo são as coisas pelas quais vou fazer você passar. Isso talvez não faça sentido para você.
De qualquer forma, sinto muito.
Ele respondeu alguns minutos depois:
O.k.
Mandei minha resposta.
O.k."

"Ai, meu Deus, pare de flertar comigo!" era o que Augustus responderia para Hazel na linha seguinte, que eu continuaria a leitura caso o sinal não tocasse avisando o final das aulas. Havia lido aquele livro tantas vezes, que eu começava a decorar as falas. Finalmente, liberdade. Retirei meu exemplar de "A Culpa é das estrelas" que de dentro do livro de Biologia - que servia como camuflagem -, e o guardei juntamente com o restante do material dentro da mochila.
- Não se esqueçam de trazer os exercícios do capítulo 15 resolvidos para a aula de amanhã! - A professora Campbell disse, enquanto apagava o conteúdo do quadro negro. Era obvio que eu não faria os exercícios. Tinha coisas mais importantes pra fazer, como terminar a personalidade de Mark Karl que eu havia começado a rascunhar no dia anterior. Todos se levantaram apressados, se amontoando na porta da sala para ver quem conseguia sair primeiro, enquanto eu ainda empilhava alguns dos livros sobre os braços para poder guardá-los no armário. Como de costume fui a última a deixar a sala de aula, tentando equilibrar meu material nas mãos e a alça da mochila em um dos ombros.
- Cherry! Cherry, espera! - Ouvi alguém ao fundo e virei por reflexo, a tempo de ver Emma correndo por entre as pessoas do corredor em minha direção. Droga, porque nós eramos amigas mesmo? Os olhares de todos ali era em nossa direção, e se tinha uma coisa que eu não gostava era de chamar atenção, ou melhor, eu não gostava de interações sociais de qualquer tipo que fosse.
- O que você quer Emma, fala logo que eu estou atrasada. E pare de me chamar de Cherry, eu já lhe pedi um milhão de vezes. - Resmunguei, terminando de colocar a combinação no cadeado do armário para abrir a rangente porta de ferro e colocar os livros do lado de dentro. Isso definitivamente incluia o de biologia. Fuck off os 30 exercícios.
- Todo mundo te chama assim Ronnie, desde.... - Ela parou para entortar os lábios, como quem pensasse realmente em uma data, mas desistiu no meio do caminho - desde sempre, acho que é um pouco tarde pra você começar a implicar com isso. - Emma arqueou uma das sobrancelhas enquanto se encostava nos armários para descansar da corrida até ali. Aquilo era verdade, aquele apelido me perseguia desde o primário, quando o colégio promoveu uma festa de Halloween e todos os alunos chegavam fantasiados de coisas legais. Bruxas, fadas, princesas, enquanto eu apareci vestida de cereja. Minha mãe era uma pessoa muito excêntrica, e serei eternamente grata pela sina da minha vida e do funeral - decretando o fim de qualquer oportunidade de vida normal que eu poderia ter - aos meus pais. Queridos, papai e mamãe. Em geral eu não me importava com o apelido, no entanto, aquilo começara a me incomodar nos últimos meses. Era o apelido mais paradoxal que eu já ouvi. Eu não tinha nada de doce.
- Tá bem, Emma, diz logo o que quer. Estou atrasada, prometi levar Keat a um lugar qualquer, pra comprar uma peça qualquer para o skate dele. - Rolei os olhos, trancando o armário novamente e ajustando a mochila nos ombros. Era mentira, uma total e absoluta mentira. Eu sabia que Keat a esta hora já estava a caminho de casa - coisa que eu também estaria se Emma não estivesse me atrasando - e quando chegar lá, ele vai se trancar no quarto e não sairá de lá até que eu grite para que ele coma alguma coisa se não quiser morrer antes dos 15 anos. E mesmo que meu irmão me pedisse para levá-lo em algum lugar, eu nunca faria, a não ser em algumas situações específicas: a) caso o futuro da humanidade dependa disso, b) caso a vida de Keat ou a minha dependa disso, ou c) caso meu pai me ameace de alguma forma se eu não fizer. - Tá legal, eu já sei que você vai brigar comigo por isso, mas é realmente importante pra mim... - Emma colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha enquanto desviava os olhos incrivelmente azuis dos meus. Isso não era bom, definitivamente não era. - ... seria muito importante que você estivesse lá comigo como amiga e...
- Fale de uma vez. - Eu a interrompi. Tudo o que eu mais queria era ir pra casa, e eu já sabia que Emma falaria algo que eu não queria ouvir.
- Por favor, vá comigo na festa da Ashley na sexta.
- Você só pode estar brincando... - Apertei os dedos em volta da alça da mochila, já girando nos calcanhares em direção a porta principal. Lembram o que eu falei sobre interações sociais?
- Qual é Cherry, eu também não gosto muito de festas, mas o John me convidou e eu acho que finalmente pode rolar algo entre nós desta vez. - Ela começou a caminhar do meu lado, apertando o passo quando notou que eu não pararia para lhe dar atenção.
- Eu já lhe disse que tanto John, quanto todos os outros garotos deste colégio não prestam Emma. Ele já te esnobou uma vez, e você esta dando outra oportunidade pra ele fazer isso de novo. - Meus dedos coçaram, eu precisava fumar logo um cigarro... E foi por isso que empurrei a pesada porta de saída e desci o conjunto de degraus o mais rápido que pude, para enfim buscar o maço no bolso do meu casaco. Emma acompanhou todos meus movimentos com os olhos piedosos, na tentativa de me convencer do contrário. - Se você quer se sujeitar a isso de novo, eu não me importo. Mas minha resposta ainda continua sendo um não.
- Cherry... por favor, você não vai morrer se você for a uma única festa na sua vida. - Ela uniu as duas mãos, implorando da forma mais absurda que ela conseguia ser. Eu simplesmente acendi o cigarro e traguei o mais profundamente que pude, expelindo a fumaça aos poucos, observando o rosto de Emma surgindo por trás da névoa. Porque eramos amigas? Eramos tão diferentes que as vezes eu me esquecia porque ainda nos falavamos, o porque de eu ainda tentar fazê-la acordar pro meu mundo enquanto ela tentava fazer com que eu acordasse para o dela. Com seus cabelos acobreados e olhos azuis, ela era uma daquelas garotas que todos os pais querem ter como filhas e todos garotos querem ter como namoradas. Inteligente, delicada, feminina e extremamente bonita. Emma, quando estava sóbria e não se tratava de assuntos amorosos, era um exemplo de garota a se admirar. Mas não pra mim, eu a conhecia. Emma era tão problemática quanto eu, mas ela insistia em camuflar suas frustrações naquela garota amável.
- Eu preciso mesmo ir embora Emma, a gente se vê amanhã. - Dei de costas para a minha amiga enquanto jogava o restante do cigarro em um canto qualquer e destravava o cadeado que prendia as rodas da minha bicicleta.
- Vaca. - Ouvi ela sibilar enquanto me ajeitava sobre o selim, para então pedalar para casa o mais rápido que eu pude. Isso me fez lembrar o porque eu e Emma ainda eramos amigas. Era porque sob as aparências, nós eramos duas maçãs podres em meio à uma safra perfeita dos alunos de Hoodwood.

Clichê [Concluída]Onde histórias criam vida. Descubra agora