vinte e dois - gwen

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"O corredor era escuro, uma névoa densa tomava conta do ar.

Segui em frente, sem direção, sem saber que caminho percorrer. Apenas acompanhando o fluxo de pessoas que caminhavam até o quê eu julgava ser o fim do corredor. Todos na mesma direção, os olhos vazios, nem ao menos pareciam respirar.

Eu estava na escola, em Nova York, notei os armários por trás da névoa. Todos em tons de cinza, variando do claro ao escuro.

Vez ou outra um aluno corria na direção oposta da fila de alunos. Com meu coração batendo forte, virava a cabeça seguindo-os com o olhar a cada um que passava como se fossem uma espécie diferente, fadas, heroínas e magos disfarçados no meio de toda aquela gente.

Ao meu lado, um garoto apertava o passo, tinha o cabelo escuro penteado para trás da cabeça, o gel que o mantinha no lugar brilhava de um jeito seboso esquisito. Ver Josh alí, com seu costumeiro corta-vento azul acinzentado me fez ter ânsia de vomito.

- Voltou a fumar Gwen? - Ele olhou para mim, eu que pensei ser invisível. - Sua mãe deve estar desapontada.

Então fiquei ciente do maço de cigarros que carregava no bolso.

Minha mãe nunca soube. Nunca se importou o suficiente para perguntar qualquer coisa além das minhas notas e se eu tentaria medicina no vestibular.

O corredor não terminava. Era um túnel escuro, sem saída talvez.

Andei mais rápido.

Outra voz se juntou. Uma menina baixa, lorinha, vestindo mary janes e um vestido modesto. Eu a conhecia de algum lugar, mas não conseguia me lembrar, seu rosto era um borrão.

- Você sabe que nunca vão te levar a sério se continuar agindo igual uma pirralha né? Você lê tantos livros porque não opta por algum conteúdo que preste?

Chegar ao fim do corredor e sair da escola era tudo o que importava.

- Fantasia? Poesia? Romances? Sua vida é tão medíocre assim que você precisa tanto fugir da realidade? Uma piada mesmo.

A loira não calava a porra da boca.

Eu corri, meu corpo pesava, não parecia real. Ainda podia ouvir a voz dos dois atrás de mim.

- Você 'tá querendo psicologia, né? Não tem medo de ficar pobre?

Pelo menos não serei infeliz igual a você, fazendo o que não te faz bem.

Agradando pessoas que não podiam se importar menos com a sua presença.

Tentei dizer, mas minha voz não saia. Tentei outra vez:

Você não se cansa de ser a ovelhinha deles? Não percebe que está morrendo por dentro?

Aí começou a fazer sentido.

O Lobo 'tá comendo você viva.

Era eu.

Comecei a entrar em desespero, correr cada vez mais rápido e fugir de mim mesma.

Minha cabeça latejando, as vozes aumentando e martelando nos meus ouvidos que a qualquer momento começariam a sangrar.

Corri tanto que cheguei a quase cair quando bati contra uma figura cinza.

Achei que era.

Mas não.

Reconheci o moletom vermelho, cores vivas. O rosto de céu iluminado pela constelação de sardas e os olhos de um verde tão cintilante brilharam ao me ver.

Alex.

Meus olhos encheram de lágrimas. O barulho sumiu, as vozes se calaram e o mundo estava em silêncio.

Ele não disse nada, só agarrou minha mão e nós corremos para a direção oposta da que eu vinha seguindo até então.

Quando segurei a sua, minha pele se sujou com o sangue vermelho e quente que manchava seus dedos, os machucados nos nós dos dedos dele estavam abertos outra vez.

Eu precisava gritar.

Chorar.

Correr mais rápido. Para longe de todos. Para mais perto dele.

A medida em que eu e Alex corriamos entre os alunos sem rosto, estes iam se perdendo no tempo, feito pó. Cinzas mortas e esquecidas, levadas pelo vento. As paredes da escola eram substituídas por grandes árvores e um céu que celebrava o nascimento recente do sol.

Um novo dia.

Recomeçamos. Um lembrete de que sempre é possível começar de novo, fazer diferente, melhor.

Não demorou até a paisagem ser tomada de flores coloridas, acreditei poder sentir o cheiro de seus perfumes assim como o da pureza carregada pelas árvores verdes e cheias de vida.

Tomaram conta de tudo.

Tão longe do passado.

Alex e eu respiravamos com muita dificuldade, mas ele me abraçou e meu coração se encheu de cor e vida mais uma vez.

Finalmente.

Quanta saudade.

Eu ia viver para sempre.

Até o chão se abrir abaixo de mim, tudo estava caindo.

Fiquei em pânico, as vozes voltaram, agora eu vestia o mesmo vestido modesto que usava na escola, encarava a saia preta ondulando no vazio enquanto despencava.

Tentativas falhas de  segurar a mão de Alex que pairava lá em cima e gritava meu nome iriam me assombrar para eternidade.

Não.

Não.

Não.

Eu caí no rio e a água me engoliu feito um bicho-papão."

...

Gwen acordou suando frio, a respiração pesada e o coração batendo na garganta.

Um pesadelo. Não sabia se chorava ou se ria da própria merda.

Estava assustada, um tanto perdida, queria apagar esse pesadelo de sua mente o quanto antes e nunca mais dormir outra vez.

Ligou o celular, eram seis da manhã. Não dormiu nem um pouco, quase nada. O sono deixava seu corpo lento mas se recusava a deitar. Jackie dormia profundamente na cama de cima.

Como previsto, era possível ouvir a chuva caindo lá fora, uma música brusca mas convidativa, bela em todos os sentidos.

Gwen amava a chuva num geral, sem motivos, apenas amava. Sempre amou, desde pequena pulava nas poças sujas das ruas da cidade, gargalhando quando a água batia contra suas botinhas vermelhas.

A mãe puxava a garota de volta para casa, a expressão raivosa de sua mãe sempre a fez rir um pouquinho mais.

Ela se levantou zonza, cautelosa para Jackie não acordar, mesmo julgando ser difícil de acontecer. Precisava admitir que nesse caso sentia um pouco de inveja da amiga, que dormia feito uma gatinha.

Precisava de um copo de água gelada, para beber ou para jogar no próprio rosto e voltar a realidade, ainda incerta do quê faria.

𝘴𝘪𝘭𝘦𝘯𝘤𝘦 ⸺ alex walter Onde histórias criam vida. Descubra agora