Por pouco

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No dia seguinte, Claryssa corria pela casa com o tal livro sobre Faunillan e comparava as imagens do livro às pinturas da casa, gesticulando loucamente e em sua face era notável a animação e a curiosidade. 

- São os mesmos! Lígia! Olha! - Ela corria, e Lígia a acompanhava com o olhar parada se apoiando em uma porta. 

- Eu estou vendo, Claryssa. Mas pare de correr, por favor! Estou ficando tonta! - disse de braços cruzados.

- Tudo bem, vou parar. Desculpe, não consigo ficar parada. - Ela dançava no lugar. - Será que comi açúcar demais? 

- Ah, eu tenho certeza. Você comeu bem mais do que qualquer pessoa deveria! Não devia ter deixado você na cozinha sozinha. Quando vi já estava com a boca cheia! - Lígia balançou a cabeça negativamente com cara de desapontamento. 

Claryssa riu de sua feição e pôs as mãos sobre a face, escondendo o rosto.

- Eu ainda sou uma criança, esqueceu? 

- Claro que não, já que você faz questão de lembrar. Você às vezes é tão madura, mas às vezes tão infantil... 

- Você também é muito infantil, às vezes até mais que eu. - Claryssa a encarou com um olhar de "quem sabe tudo", ela às vezes o fazia não intencionalmente. 

- Tá bem, tá bem. Eu sei! - Lígia levou as mãos ao alto. - Mas, por favor, pare de dançar no lugar. Daqui a pouco vai fazer um buraco no chão. 

- Ok! Mudando de assunto... é muito estranho, essa casa e etc. Sabe, encontramos uma casa no Prado, nela há quartos, comida e tudo que podemos precisar, e fora os quadros estranhos que se movimentam! Isso tudo é muito, MUITO estranho. - Claryssa gesticulava e mostrava diversas expressões faciais. 

- Sim, muito estranho. Mas agora acho melhor pararmos um pouco e irmos almoçar, estou com fome e tenho certeza que você também. - Lígia disse querendo mudar de assunto, ainda não tinha certeza se deveria contar sobre a noite passada, de todas as coisas estranhas na Terra de Ninguém, essa é a mais estranha de todas, aquele tipo de estranheza que pode ser confundido com loucura. 

Lígia foi empurrando levemente Claryssa pelos corredores e escada, até chegarem a cozinha enquanto a menina tagarelava sem parar, como ela sempre fazia. Lígia adorava aquilo nela, gostava de ouvir. 

- Sim, Clary. Já sei. - Ela ria. 

As duas chegaram a cozinha e logo começaram a almoçar, sentando a uma larga mesa de mogno. Claryssa continuava falando entre uma garfada e outra.

- Ah, desculpe! Estou falando demais! Estou aqui tagarelando! Sou terrível! Vou parar de falar, prometo! 

- Não. - Lígia riu. - Eu também falo. Mas, gosto de ouvir você falar. 

- Não fala, não. 

- Falo, sim! - Lígia riu.

- Não, não. - Claryssa negou com a cabeça. - Eu sou a tagarela aqui, esqueceu? Você é a mais reservada e... "deprimida". E eu sou a que fala demais e é toda maluca. 

- Está me chamando de deprimente? Nossa, obrigada. 

- Não, não! - Claryssa riu. - É que você é mais... reservada, mais quieta... 

- Claryssa, melhor parar de falar. Só está se complicando. 

- Ai, meu Deus! - Claryssa pôs as mãos na cabeça, rindo. 

E naqueles pequenos momentos de alegria, todos os problemas perdiam a importância. Esqueciam que o reino havia sido tomado, que o pai de Claryssa a essa altura poderia estar morto, e as pessoas que morreram e que se tornaram escravas, ou coisa pior.



4, 5, 6, 7... 

O número de vezes que Lígia batia os dedos sobre a mesa. Ela estava pensando em tudo que acontecera, na garota que na verdade era uma pintura, e tudo mais. E se aquilo simplesmente não tivesse sido um sonho? Não teve coragem de contar a Claryssa, e se ela a chamasse de louca? Dissesse que estava só imaginando coisas? Não queria nem pensar. Mas... e se ela acreditasse? E se ela abrisse "aquele sorriso lindo infantil" que dava sempre que estava empolgada com algo? E se... 

"Esqueça. Não pense nisso agora."  Lígia pensava.

Olhava para cama, olhava para a porta e, em seguida para a janela que mostrava a noite. Continuava batendo os dedos sobre a mesa. Olhava novamente para a porta. E depois para a cama. E para a porta de novo.

- Já chega! - Gritou para si mesma.

Então seguiu para a porta e a abriu, indo para o corredor em que achara a porta para... como se chamava mesmo? Ela não se lembrava bem. "Citra, talvez?" Ela pensou. Caminhou pelo corredor e chegou ao final. Encarou a parede, não havia nada. Fechou os olhos com força, e esperou por dezessete segundos. Abriu os olhos novamente e encarou a parede esperançosa, nada. Não havia nada ali. Ela suspirou, sem entender o que acontecera. Será que não fora apenas um sonho? Ela começava a acreditar nisso. 

Até que ouviu um barulho ao longe, como que algo caindo no chão. Se virou e voltou a caminhar indo de encontro ao barulho. Seguiu por um corredor, virou em outro, entrou em mais outro e então finalmente parou. Já não sabia mais aonde estava, de repente parecia que estava em outro lugar, como se aquela não fosse a mesma casa, ou como se aquela parte da casa houvesse surgido agora. Ela caminhou por mais outros corredores tentando se encontrar, não entendia aquilo, na verdade não entendia muitas das coisas que aconteceram. Até que viu um vulto.

- Olá? - Lígia chamou, duvidosa. 

Nenhuma resposta se seguiu. Ela ouviu passos em corredores próximos e os seguiu, curiosa. Seus passos ecoavam pelos corredores, assim como os de outra pessoa, e de repente, não era mais ela quem perseguia a pessoa e, sim, a pessoa desconhecida era quem a perseguia agora. Ela podia ouvir os passos atrás de si, então começou a dar passos mais longos, e então mais rápidos, e logo ela estava correndo pelos corredores. Suspirou aliviada ao reconhecer o corredor que estava, logo achou a porta de seu quarto e entrou, fechando a porta atrás de si, respirando aliviada. 

- Essa foi por pouco. - Um homem com sorriso maníaco disse, a sua frente, e então desapareceu numa nuvem de tinta. 

A Casa no PradoOnde histórias criam vida. Descubra agora