Whindertoll

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Lígia subia os degraus da escada completamente cansada, e é claro, emocionalmente abalada. Ela caminhou lentamente até a porta do quarto de Claryssa, a encarou por algum tempo antes de abrir a porta.

Ela se deitou na cama, se encolhendo como uma bola, até que sentiu que havia algo embaixo dela. E encontrou no meio das cobertas Gaby, o ursinho de Clary. Encarou-a por um momento com olhos marejados, e num ato impulsivo a abraçou. Fechou os olhos e voltou a se encolher, até que caiu no sono. Não percebeu que estava tão cansada até de fato dormir, quando choramos muito uma paz nos invade e junto a ela o sono, é um tanto engraçado. Lígia dormiu feito uma pedra.

Ao abrir os olhos de novo e se sentar na cama, percebeu que continuava cansada, mas não queria dormir. Sabia o que tinha que fazer, e não podia perder mais tempo. Dessa vez, pensaria mais, agiria com cautela.

"Ok, Lígia, primeiro: descubra quem é esse homem. Primeiro, ele desapareceu numa nuvem de tinta, e agora, faz com que Claryssa suma. Bem, só pode ter sido ele quem fez Claryssa desaparecer, não há mais ninguém nessa casa."

Ela pensou mais sobre tudo aquilo, considerando a tinta, ele só pode ser um pintor. O pintor que fez todos os quadros dessa casa. É isso! Como ela não pensou nisso? Lígia pulou da cama e começou a procurar pelo livro de Faunillan. Era tão óbvio, ela não conseguia acreditar que não percebeu isso antes. O encontrou embaixo da cama, o folheou procurando a parte que falava sobre o fim de sua vida.

"Espera, eu não considerei algo... como ele poderia ainda estar vivo?" Ela pensou.

Mesmo assim continuou sua busca pelo livro, que era razoavelmente grande, por conta das inúmeras ilustrações de suas obras.

- Assim como não há registros de seu nascimento, não há registros de sua morte. - Ela leu. - Houveram muitas especulações, pois com aproximadamente 70 anos Faunillan desapareceu, na verdade, partiu para uma jornada solitária. Alguns dizem que ele morreu logo após ter iniciado sua peregrinação, no entanto, outros dizem que ele só morreu anos depois por causas naturais, afinal, ele já não era um jovem rapaz. Surgiram algumas lendas que dizem que ela ainda peregrina por aí levando sua tinta consigo, porém, pelo tempo ela endureceu a tal ponto de virar uma espécie de farelo, como uma poeira. Já outros dizem que ele atravessou o portal de Whindertoll*, mas a partir daí são apenas especulações fantasiosas. Mas, o certo é que, de fato, ele morreu. Ninguém é eterno. - Então continuou a leitura da página. - *O Portal de Whindertoll foi uma lenda criada pelo povo durante o Novo Período, na qual dizia haver um portal no Grande Prado Whindertoll, também conhecido como Prado Encantado, que levava a outros mundos.

Lígia fechou o livro e ponderou, pensando. A muito tempo diziam haver um portal para outro mundo no Prado Encantado, e de fato existe. E se ele encontrou a casa e foi para outro mundo? Quem garante que não poderia ter se feito imortal? Afinal, estávamos falando de magia. Essas questões voavam na mente de Lígia. Agora ela sabia que, os antigos já haviam descoberto, mas os ridicularizaram. Como ela mesma pensara, muitas vezes a verdade pode ser confundida com loucura, principalmente se for algo diferente.

Agora ela sabia que havia a possibilidade do tal pintor ser Clarêncio Faunillan e que se, for mesmo ele, deve estar preparada para algo muito maior do que já imaginara. Mas se não for ele, seus olhos estão abertos para o inesperado. Mas a pergunta final que martelava em sua mente era: por que ele escolheu Claryssa?

E novamente uma onda de perguntas tomou a mente de Lígia.

Ela se sentou no chão, em frente a pequena estante, procurando algo mais que pudesse lhe revelar. Puxou livro por livro, formando uma pilha a seu lado, e logo duas, até que achou um livro que a chamou a atenção.

- O Portal de Whindertoll. - Após ler o título logo abriu o livro, talvez fosse bom descobrir algo mais sobre tudo aquilo, mesmo sendo algo um tanto fantasioso.

Mas não teve tempo de ler o que havia no livro, um barulho terrível chegou a seus ouvidos, milhares de panelas caindo no chão. Ela se levantou num pulo e correu para a cozinha. Ao descer a escada, seu coração palpitava rápido demais, uma esperança chegou a ela, mesmo que involuntariamente, de que fosse Claryssa.

Correu o mais rápido que pode, enquanto sua mente a induzia a acreditar que era Claryssa. E por um momento, ela imaginou que aquilo não havia acontecido e que Claryssa apenas havia se perdido naquela enorme casa, ou qualquer coisa do tipo, ela só queria acreditar que Claryssa estava bem. Algumas vezes, nos agarramos a qualquer possibilidade para nos satisfazer, porém, ao nos agarrarmos a isso, quando descobrimos que não é realmente aquilo, a decepção é ainda maior.

- Clary... - sua voz foi sumindo lentamente ao cair a ficha de que o causador do barulho não era Claryssa.

Algumas portas do armário estavam abertas, e as panelas jogadas ao chão, outras voavam pela cozinha. Lígia olhou com mais atenção, e então percebeu que era um esquilo fazendo toda aquela bagunça. Mas não era um esquilo comum, era um pouco maior que um esquilo normal, tinha pelo marrom e uma única mancha branca, olhos um tanto esbugalhados, ele pulava sobre a mesa e os armários, estava extremamente agitado. Quando viu Lígia, a encarou e sorriu.

- Olá, cara amiga. - O esquilo disse, e Lígia se assustou.

- Vo-você fala? - Ela arregalou os olhos.

- Imaginei que fosse mais inteligente. - Ele revirou os olhos. - Eu fui enviado por Jeanne.

- Por Jeanne... não estou entendendo. Por que Jeanne o mandou?

- Ela lembrou de algumas coisas que podem lhe ajudar, para falar a verdade, o Grande Mago a ajudou a lembrar. Ele a convoca imediatamente.

- O quê? - Lígia estava completamente confusa.

- Oh, menina burra. "Não espere muito de humanos", era o que minha mãe me dizia, e ela está certa.

- Quem é este tal de Grande Mago? E o que Jeanne lembrou?

- Uma coisa por vez. Como quem é o Grande Mago? É o Grande Mago, ora. - Ele revirou os olhos novamente. - Jeanne se lembrou de muitas coisas, mas ela pediu para que eu apenas te ajudasse a chegar a Citra, ela irá te contar.

- Espere, Claryssa sumiu. Não posso ir a lugar algum antes de encontrá-la.

- Quem é Claryssa? - O esquilo perguntou confuso.

- Minha amiga, irmã. Ela sumiu... depois que entrou numa nuvem de tinta, foi o Pintor.

- Espere, você conhece o Pintor? Estamos indo encontrá-lo, só assim chegaremos a Citra.

- Como assim?

- Só duas pessoas possuem as chaves para os outros mundos, ah, e alguns seres como eu conseguem os atravessar sem nenhum problema.

- E quais são essas duas pessoas?

- Eu só sei de apenas uma, a outra é um mistério, pelo menos para mim.

- E qual é a que você sabe?

- O pintor.

Depois de muitas explicações a busca pelo pintor novamente se iniciou. Perceberam que não conseguiriam achá-lo tão facilmente quanto o Esquilo, que a propósito se chama Layloard, pensara.

- Você parece muito cansada. Vá dormir, depois continuamos. - ele disse.

- Não. - Ela se negou. - Precisamos achar o Pintor.

- Com você cansada assim não vamos mesmo. - Ele tirou algo do bolso e soprou na cara de Lígia, um pó com cheiro de hortelã e mais alguma coisa que Lígia não conhecia.

- Não, eu não... - Ela não teve tempo de terminar de falar, logo caiu adormecida no chão com um baque alto.

Layloard então começou a tentar levantá-la para levá-la para o quarto, mas ela era muito pesada para ele. Pobre Lígia, foi arrastada pelo esquilo até o quarto, pelo menos já estavam no segundo andar. Ao chegar no quarto Layloard usou toda sua pequena força para colocá-la na cama, e então ele próprio pegou uma das grossas cobertas, a colocou no chão e se enroscou nela para tirar um cochilo.

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