Tinta

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Claryssa estava sentada no piso escuro da Sala dos Quadros, encarando a pintura do reino, algumas pessoas passavam vez ou outra, era tão estranho.

Claryssa suspirou desanimada, nenhum sinal de seu pai desde aquela noite sangrenta. Agora havia passado seis semanas do ocorrido, seis semanas que estavam naquela casa, seis semanas sem cartas ou notícias de seu pai. E Lígia ultimamente andava tão estranha, olhando diversas vezes para trás, e não deixava Claryssa sozinha nunca. Claryssa achava isso bom, mas o comportamento dela era estranho demais.

Claryssa percebera que Lígia passara a sair de noite enquanto ela supostamente dormia. Ela não tinha ideia do que ela fazia, ela criara uma desculpa para si mesma de que Lígia apenas ia dormir num quarto mais confortável, mas isso era apenas para aquietar sua curiosidade, no fundo ela sabia que não era isso. Mas, ela aproveitava o pouco de tempo que tinha sozinha para ficar observando o quadro do reino, procurando qualquer sinal que fosse de seu pai. Não queria perturbar Lígia com seus pensamentos ruins, ela sabia que precisava ter esperança. Mas, Claryssa sabia que por trás de toda aquela armadura de coragem de Lígia, havia alguém frágil e com medo, que no fundo precisa de alguém que lhe dê esperança. E esse alguém, é Claryssa.

Claryssa afugentou esses pensamentos sacudindo a cabeça, e tentou pensar em coisas boas, tentou pensar em como aquela casa era grande, e quão pouco ela havia explorado, os poucos quartos que havia entrado. Decidira então explorar a casa, Lígia não ficaria brava, ela esperava.

"Afinal, ela ainda está dormindo, só estou fazendo o que ela provavelmente também faria, porque ela é tão curiosa quanto eu" Claryssa pensava enquanto subia a escada e seguia por um corredor que ela ainda não havia entrado. Não havia nada de interessante nele, exceto uma pintura que a fez rir, era um elefante misturado com girafa, tinha as patas traseiras e o tronco de elefante, e as patas dianteiras e o pescoço e cabeça de girafa, mas a cabeça também possuía uma longa trompa. E do quadro saiam barulhos estranhos, a mistura do som que um elefante produz e o que um elefante produz.

"Um girafante." Claryssa pensou rindo.

Então seguiu por outro corredor, nele haviam pinturas de pedras preciosas, e de uma cachoeira que no lugar da água estava ouro. O quadro da cachoeira de ouro estava preso a uma porta.

Claryssa se aproximou da porta da cachoeira, e pôs a mão sobre a maçaneta, admirando a pintura. Começou a pressionar a maçaneta para abrir a porta, lentamente, fascinada, mas no último minuto outra coisa lhe chamou atenção.

Ela virou abruptamente e encarou o outro corredor, havia uma "poeira colorida", até que ela percebeu que na verdade era como uma fumaça de tinta. Deu passos lentos em direção àquilo, a curiosidade e um certo fascínio tomaram conta dela.

Ela finalmente entrou no meio daquela névoa, e ouviu um grito atrás de si, era Lígia a chamando. Mas já era tarde demais, Claryssa sentiu uma fisgada e quando abriu novamente os olhos não estava mais no mesmo lugar.



Depois de ter passado mais uma noite procurando pelo homem do sorriso maníaco, até mesmo nos sonhos de Ligia, ela estava o procurando.

Na noite anterior caminhara por tantos corredores em busca de algo que perdeu a conta, ela percebeu que a casa era muito maior do que ela pensava. Descobrira cinco passagens secretas, duas delas levavam a cozinha, uma a biblioteca e, a que sobrara levava a uma parede.

Quando Lígia descobrira a passagem para a cozinha fora um tanto cômico.

Era um túnel não muito grande, mas suficiente para que ela passasse de joelhos. Ela achara que finalmente descobrira onde aquele homem se escondia. Mas no meio do caminho sentiu perninhas caminhando em sua perna.

- Não é nada, não é nada. Pode ser só uma folha... é só uma folha, é só uma folha... - ela fechou os olhos com força, mas os forçou a abrir e ver o que havia em sua perna, virou a cabeça lentamente e viu a minúscula aranha. - Não é uma folha, não é uma folha, por que não podia ser só uma folha? - então gritou estridente.

Mas a aranha nem ligou pra ela e logo saiu de sua perna, então Lígia praticamente voou para o fim do túnel, descobrindo que dava na cozinha. Então fechou a portinha do túnel o mais rápido que pode imaginando que milhares de aranhas sairiam dali. Depois daquilo ela parou de procurar aquela noite e voltou para o quarto.

Quando acordou se sentou na cama, e esfregou os olhos, sem perceber que Claryssa não estava mais lá. Mas quando percebeu, a preocupação foi imediata. Saiu a procurando, primeiro foi à Sala dos Quadros, e então a cozinha.

- Droga, Claryssa! Droga! Por que faz isso?

Ela continuou a procurando, nunca se perdoaria se algo acontecesse a ela. Correu pelos corredores, começara a pensar no pior. E se aquele homem a encontrou? E se a está fazendo mal? E se ele a machucar?

"Não, não pense nisso, Lígia. Apenas continue. Ela está bem, ela está..." Ela repetia, tentando se acalmar.

Ela sabia bem aonde estava agora, ala oeste da casa, isso se devia as noites de busca. Não encontrou nada. Foi a ala norte, passou por milhares de corredores, e nenhum sinal de Claryssa.

Até que ouviu uma risada ao longe, e alguns passos. Correu em direção aquilo, só podia ser Claryssa, mas parecia que cada passo demorava um século. Como se estivesse correndo para trás, como se não estivesse realmente se movendo.

Passou por um corredor onde as pinturas eram de pedras preciosas, e então viu um pouco a frente. Aquela mesma nuvem de tinta deixada por aquele homem. Claryssa estava entrando. Aquilo não era bom, o que quer fosse.

- CLARY! NÃO FAZ ISSO! - ela gritou, mas já era tarde demais.
A fumaça se dissipou, e não havia nada lá. Claryssa havia desaparecido. Lígia gritou, um misto de raiva e dor, e segurou as lágrimas.

"Como deixei isso acontecer? Eu... eu não podia." Ela caiu de joelhos e as lágrimas vieram à tona. "Clary..."

Ela então secou as lágrimas e começou a correr de novo, tentando encontrá-la, procurou por todos os cantos. Entrou em vários quartos, passou por vários corredores. Ela sabia que não a encontraria, mas correr afastava as lágrimas.

"E se nunca mais a encontrar?" Ela pensava.

Ela continuou correndo, por horas, mesmo depois de já ter percorrido toda a casa, passou novamente pelos mesmos corredores. Ela perdera sua irmãzinha, de novo.

Lígia só parou de correr quando bateu em uma parede e caiu no chão. Continuou lá, socando o chão, gritando, e as lágrimas voltaram a rolar.

- Droga, droga, droga! - ela socava o chão.

Quando as lágrimas finalmente se foram, aquele sentimento se foi, e uma paz a invadiu, por um tempo. Ela sabia o que tinha que fazer agora: encontrar aquele homem. Aquele pintor.

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