Problemas

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   _Quer namorar comigo?
   Estávamos deitados de conchinha no sofá, e Eduardo soltou essa bomba, sem mais nem menos. Na hora, meu primeiro impulso foi sorrir.
   _Para de brincar com essas coisas, bobo.
   _Não estou brincando, Julya. - ele disse, dessa vez com a voz mais seria. - Você quer namorar comigo?
   _Edu... - não sabia o que fazer. Queria fugir, como sempre faço quando me deparo com situações como essa.
   Ele desceu do sofá, e se ajoelhou em minha frente. Olhando em meus olhos, repetiu a pergunta. Meu coração gelou. A vida toda eu esperei por um cara como ele, e quando o príncipe encantado cai do céu, eu quero jogar tudo pro alto e dar um chute na bunda dele. O que havia de errado comigo?
   Ele ainda estava ajoelhado em minha frente, esperando a resposta. Me apoiei nos cotovelos e lhe dei um beijo.
   _Dizem que um beijo vale mais que mil palavras. - sussurrei em seu ouvido. - Meu namorado.
   Ele sorriu e ficou observando meus olhos, como se esperasse ver sua própria alma refletida.neles.
   _Eu não vou te perder nunca. Prometo. Daqui uns anos você vai lembrar disso, quando na rua te chamarem de Senhora Bertonni.
   Me deu um beijo na testa. Meu protetor. Me cuidava, me olhava, me esperava, me amava. O que eu sentia por ele? Tesão, talvez carinho. Não chegava a metade do que ele sentia por mim. Nunca chegaria. A ideia de ter o nome dele no meu me arrepiou. Eu saberia lidar com isso? Com tanto amor repentino? Eu o queria, mas era o suficiente? Não sabia. Tinha medo das respostas, tinha medo do meu futuro ao seu lado. Tinha medo só de pensar em como aquilo acabaria.

   Vida de recém-namorada não é fácil. Pior ainda quando você já deu pro irmão do seu namorado, e seu sogro te come com os olhos. Evitei ao máximo as visitas á sua casa. Íamos a todo lugar. Praias, cinemas, restaurantes, pizzarias. A cada dia meu carinho por ele aumentava mais, e o dele por mim parecia não ter fim. Me mandava flores, caminhava de mãos dadas comigo. Com vestido de seda ou com uma blusa velha e cortada, ele sempre me elogiava. Par perfeito? Talvez. Mas não comigo. Eu não nasci para ter tudo certo. A perfeição dele me incomodava. Parecia que eu nunca estava à sua altura. Eu era sempre a namoradinha do filho do empresário rico. Grandes merdas.
   Era uma tortura as festas que ele me levava. Festas da empresa, festas de caridade, festas beneficentes. Ele se encontrava com velhos metido a besta e ficavam por horas conversando sobre os juros e taxas de sei lá o que da Ibovespa. Tudo sempre igual, até chegar uma festa familiar.

   Eu sabia que chegaria o dia em que teria que me apresentar a Edgar como namorada de seu irmão, mas não esperei que chegasse tão cedo. Eduardo insistiu para que eu fosse. Era aniversário de seu pai, e embora os dois não se dessem muito bem, Eduardo dizia que a data era importante para ele e toda aquela baboseira. No final, acabei cedendo.
   Dia dois de junho. Estávamos fazendo um mês de namoro, e ele passou em casa para me buscar pra maldita festa. No fundo, achava que o fato de nosso mêsersário (isso existe?) de namoro e a festa de seu pai serem no mesmo dia, era bem mais do que coincidência. Enfim, mais uma vez estava eu me arrumando em frente ao espelho. Estava pensativa. O namoro com Eduardo me dava privilégios, é claro. Ganhava presentes caros, conhecia pessoas famosas e ricas, ganhava um pequeno espaço nas folhas de revistas de fofocas, que narravam (de modo distorcido, como sempre) o novo caso amoroso do filho de Enzo Bertonni. Mas que preço aquilo me custava? A quantos dias não via Mary? Estava perdendo minha amiga, e embora Eduardo não fosse culpado de nada, esse era o preço que eu pagava. Esqueci Edgar? Não. Tinha sexo? Não. O amava? Não. Em meio a tantos nãos, me sentia uma puta interesseira. Mas afinal, o que eu podia fazer? Largar o cara perfeito e ficar com o cafajeste que só quer matar o tesão comigo? Nem ao meu tesão Eduardo correspondia, porra. Era um cara respeitoso. Respeitoso demais. Santo, certo, esperava que eu tomasse as iniciativas. Frouxo. Sim, extremamente frouxo. Me satisfazia sozinha, mas não com o pensamento em Eduardo. Minha imaginação voava longe, em meses atrás e fantasias com Edgar.
   Meu celular vibrou, mensagem no whatsapp. "Estou chegando, Ju." De Eduardo, como imaginava. Me olhei no espelho. Usava um vestido longo de seda, tinha cor de um marfim pálido. Não era o meu preferido, mas era o que melhor se adequava a situação. Não tinha decote, não era tão justo. Se não fosse pelo decote nas costas, seria completamente fechado. O diferencial era o batom. Vermelho escuro, vinho tinto. Quase preto, bem escuro. Fechei o portão e esperei por Eduado lá fora. Meu longo cabelo preso em um coque bem arrumado e elegante. Mesmo sem precisar de extravagâncias, estava uma verdadeira rodovia inteira para a perdição.
   Eduardo logo chegou, como de costume abriu a porta para mim e me cumprimentou com um beijo no rosto. Logo chegamos em sua casa e entramos. A rua, o jardim e a garagem estavam todos cheios de carros. Dentro da casa, pessoas se acumulavam em todos os cantos. Empresários, mulheres finas, (talvez prostitutas de luxo... Quem sabe?) a imprensa, repórteres, fotógrafos e tudo mais. No centro da sala, um grande bolo que mais parecia um bolo de casamento esperava. Mas só havia uma pequena vela, nada que indicasse sua idade.
   No alto da escada, escorado no corrimão como da última vez, Edgar me fitava. Tentei me controlar e o evitar, tudo em vão. Fiquei ao lado de Eduardo o tempo todo, evitando ao máximo os fotógrafos e os olhares curiosos. Estava tediante. Como sempre, Eduardo se concentrava em suas conversas com os velhos que só falavam sobre como suad ações subiram, ou coisas do tipo. Aguentei tudo isso firme, até a hora de cantar o tão famoso parabéns.
   Pela escada descia Enzo Bertonni. O pai do meu namorado. Meu sogro. Não usava terno como os outros. Uma camisa polo bem apertada nos braços, demonstrando seus músculos aparentes. Como de costume em todas as festas, cantaram os parabéns, ele cortou o bolo e depois os empregados começaram a distribuir aos demais convidados. Aquilo era muito tediante. Fui ao banheiro retocar a maquiagem, tentar fugir por alguns instantes daquela tortura.
   O banheiro principal da casa era enorme. Do tamanho da minha cozinha, o triplo do tamanho do banheiro de Eduardo. Me sentei no pequeno banco que havia rente a parede lateral. Fechei os olhos e relaxei um pouco. Merecia relaxar, depois de quase duas horas de tortura. Mas antes que abrisse os olhos ouvi o barulho da fechadura ao se abrir.
   _EDGAR? O que você tá fazendo aqui? Tá louco?
   Ele sorriu zombeteiro e caminhou até onde eu estava, se sentando ao meu lado.
   _Tédio. A pergunta certa seria o que você está fazendo aqui, Julya.
   _Eduardo me arrastou. Eu não tenho um coração de pedra como certas pessoas por aqui, então resolvi vir.
   Uau, indireta bem direta.
   _Por que você está tão fria comigo?
   Filho da puta, irônico. Olhei em seu rosto e me contive.
   _Esfriar o coração de alguém e depois reclamar de sua frieza, é o mesmo que sair na chuva e depois reclamar por ficar molhado, não é?
   _Você acha que foi minha intenção, Julya? Olha aqui. - e virou meu rosto de encontro ao seu. - Olha. Eu nunca amei uma mulher... Eu nunca quis uma mulher, como eu quero você. - sua voz ficou calma e falha, como se segurasse o choro. - Você é diferente de todas, Julya... Eu sei que eu sou um idiota, mas... Eu quero, de verdade, ser o seu idiota.
   Ele tinha o olhar fixo no chão, e eu não consegui dizer uma única palavra.
   _Eu nunca fui o cara certo pra ninguém, Julya. Me deixa tentar, pô. Eu sempre fui o errado. Mas opostos se atraem, e meu acerto é você. Deixa eu ficar perto, deixa eu tentar. Por favor.
   Mastiguei os cacos do meu coração e deixei para lidar com a indigestão mais tarde. Agora eu precisava de força, não de lágrimas. Por fora, eu era uma guerreira, por dentro eu era a própria guerra.
   Me levantei, escorei na bancada do espelho e me recompus o mais rápido possível.
   _Tô com cara de idiota, Edgar? Que se foda você e a sua solidão. Que se foda o amor e essa merda toda. Não te quero. Só o amor não basta, Edgar. Eu quero muito mais.
   _E Eduardo te oferece mais do que eu posso te oferecer?
   Acabou minha torre de mentiras.
   _Talvez não. Quem sabe? Mas Eduardo é...
   _Você não sabe quem o Eduardo é, Julya! Abre teu olho, te orienta!
   _E você é muito orientado, Edgar? Você está me dando conselhos? Justo você?
   Edgar se levantou e caminhou até mim. Tinha medo dele, de toda essa aproximação. Ele me intimidava, me assustada. Tinha medo do poder de atração que ele exercia sobre mim. Pegou suavemente em meu rosto, e puxou meus cabelos pela raiz, com força. Contrastante, contraditório. O desejava, o detestava. Queria o agarrar e ao mesmo tempo correr dali.
   _Eu sei que me quer, Julya. Vejo em seus olhos. Mesmo quando os desvia de mim, tentando esconder todas as verdades que estão estampadas em seu rosto. Eu sei que me quer, Julya Feres. E mesmo que seja do meu irmão, mesmo que se casem, se amem, tenham filhos e família... Mesmo se acontecer tudo isso, você ainda será minha. Você sempre vai me procurar, mesmo quando estiver fugindo de mim.
   Queria chorar, queria fugir. Encarar a verdade era doloroso, aterrorizante.
   _Não gosto...
   _Gosta sim, Julya. Você gosta, você quer. E eu sei.
   _Não Edgar. Não quero. Não quero você, não quero nunca mais. Você é o meu amor, mas só o amor não me basta, Edgar. Sai, antes que alguém te veja aqui.
   Doeu tanto, as palavras saíram como lâminas cortantes.
   _Se é isso que você quer, tudo bem, Julya. Mas se eu for, você sabe... Eu não volto mais.
   O homem da minha vida. Cafajeste, idiota, vagabundo e pegador. Mas era o homem da minha vida. E neste momento ele havia me virado as costas, estava me deixando. Mas como reclamar, se fui eu quem o deixou primeiro? As lágrimas rolaram leve e discretamente pelo rosto. Maldita, maldita, maldita! Não era fraqueza, eu não era fraca. Eu aguento coisas que nem todo mundo aguenta. E uma hora enche, uma hora isso cansa. Ser forte o tempo todo, isso não dá. A gente precisa chorar, precisa se esvaziar. Não é ser fraco, é saber escolher os limites de sua fraqueza. Chorar não é fraqueza nenhuma, fraqueza é desistir, é perder as forças de lutar. E naquele momento eu não seria fraca.
   Peguei na mão de Edgar no momento em que ele se aproximava da porta. Ele se virou e vi as lágrimas, que igualmente a mim, rolavam em seu rosto.
   _Não vai... Edgar... Fica.
   Nossos rostos se aproximaram, sem que conseguíssemos tirar os olhos dos olhos do outro. Como se estivéssemos hipnotizados, vendo nossas almas apaixonadas através da iris a nossa frente. Nossos lábios se encontraram, uma explosão de desejo, de amor, de vontades e contradições. Um beijo intenso, suave. Me arrepiava como num dia frio, e me fazia suar como num dia de sol intenso. Como eu o amava! Com todas as minhas forças, de todo o meu ser e com toda minha vontade. Meu coração queria ele sempre perto, sempre para mim. Minha razão era covarde, maldita sensatez! Minha razão sabia, lá fora havia um homem perfeito que me amava de todo o seu ser.
   _Não podemos fazer isso, Edgar. Não posso.
   _Virou certinha agora, Julya? Me poupe, né!
   Afastei-me dele e deixei que minha razão me tomasse por completo.
   _Não posso não, e quem manda em mim sou eu. Sinto muito. - muito amor, muita dó, muita vontade de ficar - Um dia a gente se vê por aí.
   Saí dali, saí de perto dele. Bati a porta atrás de mim, e os cacos do meu coração eu guardei para juntar mais tarde. Eduardo ainda conversava com outros velhos, como se não houvesse nem notado minha ausência. Minha respiração ainda era descompassada, só queria sair dali. Sair daquilo tudo, fugir de Eduardo, de Edgar. Fugir de todos e de mim. Minha guerra era interna, minha guerra me destruía internamente. E eu nada podia fazer.

Sweet SeductionOnde histórias criam vida. Descubra agora