Minha mãe chegou em casa. Eu estava no banho, tinha chorado tudo que tinha dado tempo de chorar. Ela abriu a porta e disse que faria o jantar, eu não respondi.
Fechei os olhos e consigo sentir as linhas por toda minha cintura e meu pulso esquerdo, latejando. Consigo sentir o cheiro e o gosto de sangue. Meu pequeno universo rodou algumas vezes e eu precisei deitar.
"Quando se tem anorexia por muito tempo, seus ossos ficam cada vez mais fracos. E há uma grande possibilidade de labirintite e distubios neurológicos." eu tinha lido isso em algum lugar, mas só naquela hora entendi.
Enquanto o box enchia de água, mais dava a impressão que eu tinha matado alguém ali. Outra hipótese é de alguém estar morrendo. Segunda opção era a correta.
Olhei em volta e eu parecia ter mergulhado em uma piscina de sangue. E enquanto eu tentava me levantar, eu vi que minha cintura parecia espirrar sangue.
- eu peguei a veia - disse baixo. E
num gesto psicótico eu sorri. Eu estava perdendo sangue. Minha visão embaçava e eu estava prestes a desmaiar.
Não sabia se chorava ou se ria. Eu estava morrendo, aos poucos. Eu consegui levantar e abrir o vasculhante. O ar gelado que vinha de fora era revigorante.
Passei a jogar água gelada na minha cintura e o sangue foi parando aos poucos. O box estava vermelho. Me enxuguei e saí do banho, fui cambaleando com meu vazio interno. Jantamos.
E ela fez questão de me acompanhar até o banheiro quando fui escovar os dentes. Naquele momento eu não me importava com as 2500 calorias de jantar, sem contar o suco, eu estava cansada. E com febre.
Quase 4:00 da manhã eu finalmente consegui dormir com ajuda de dois comprimidos. Acordei como quem acorda de um sono de 2.000 anos. Minhas olheiras falavam por mim. Meu cabelo bagunçado resumia como eu me sentia por dentro.
Uma semana se passou, quase parando, e olhando na Internet li uma frase de Chaplin. Dizia que "um dia sem rir dia, é um dia disperdiçado" cheguei a conclusão que meus dias foram totalmente inúteis nessa última semana.
Depois de um tempo, as minhas notas tinham melhorado, e meus sorrisos cada vez mais forçados. Meus amigos ainda estranhavam eu dizer que estava bem todo o tempo. Parecia falso, e era.
Naquela quarta, foi diferente. Eu estava sorrindo, não porque estava feliz mas porque queriam me ver assim. Eu estava voltando da escola, e vim conversando com minha melhor amiga e como moramos longe uma da outra, conversar é uma boa pedida. Encurta longas distâncias.
O sol parecia queimar meus pés enquanto eu, finalmente, chegava em casa. Minhas pernas soavam de baixo do jeans, meus braços doíam de tanto calor. Cheguei no portão de casa, minha cintura ardia. Apertei a campainha. Peguei a chave. O sol fez com que até a chave ficasse quente, ela também incomodada com calor saltou da minha mão. Abaixei para pega-lá. Não me lembro de ter levantado. Só lembro dos meus primeiros segundos no chão, onde minhas costas ardiam. Minha cintura também.
Acordei com uma sensação estranha. Abri os olhos e olhei em volta. Tinha uma pulseira com minhas informações em meu pulso esquerdo, agulhas nas veias entre meus dedos, e um quarto branco onde eu estava com um tubo no meu nariz.
Não fazia sentido. Eu estava chegando em casa, como vim parar aqui? Não tinha mais minhas pulseiras. Meus cortes, os vestígios deles, estavam totalmente à mostra. Medo e enjoo tomaram conta de todo meu corpo naqueles minutos.
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Meus rascunhos.
Non-FictionAbrir os olhos e ver que somos autores de nosso próprio destino e que a vida não passa de um grande história com rascunhos diários, rascunhos que foram feitos para serem corrigidos.