No dia seguinte minha cabeça ainda latejava da noite anterior. Minha maquiagem por todo meu rosto e a vaga lembrança de ter vomitado durante a madrugada. O inferno outra vez. Cheguei na escola atrasada e parecia que eu tinha sido enterrada e desenterrada, logo depois de ser sido atropelada, umas seis vezes. - estou ótima! - eu respondia à menina que sentava todos os dias na mesma cadeira. "Vomitei meu café da manhã, estou radiante!" eu pensava. Depois de meses e meses, e de tantas vezes que enfiei o dedo na garganta, cheguei a um ponto onde nenhum alimento ficava no meu estômago. Tudo que eu comia tinha vontade própria.
Meus pais ainda me forçavam a comer e eu ainda recusava. Insistiam em fazer com que eu tirasse nota boa, quando na verdade eu só queria sumir, ou morrer.
Minha notas caíam de um penhasco, meus pais cada vez mais em cima, as apelidos ainda me perseguiam, nenhum garoto se sentia atraido por mim, e tudo que fazia em prol ao outro dava errado - Por que eu ainda respiro? pensei.
Estava tão cansada de me sentir assim, como se não merecesse estar viva. Não merecer ser feliz. Como se a felicidade tivesse tido a grande ideia de se ausentar e nunca mais voltar.
Cheguei em casa e a tontura não me deixava ver o estrago que eu tinha feito. Cheiro de sangue. Havia pingos no chão, em toda parte. Minhas mãos trêmulas demais me impediam de abrir o pequeno pacote de band-aid. A ironia da situação foi ter conseguido essa pequena vitória com a ajuda de minha propria lâmina.
Eu chorava procurando socorro com minhas lágrimas e meu sangue. Talvez assim isso tudo acabe, pensava.
Muitas vezes minhas linhas transversais ardiam do nada, e eu sutilmente me dava conta de que eu merecia aquela dor. Afinal, eu era grande desperdício de espaço, como costumavam me dizer.
Minha coleção de band-aids acabava bem mais rápido do que eu esperava. Uma dessas vezes, os cortes foram tantos que sentia o sangue sendo bombeado na minha coxa esquerda, e usei a caixa band-aids pensando na possibilidade de voltarem a sangrar qualquer hora. Não. Isso não. Usava uma bendita saia todos os dias. Escola infernal. Se vissem, me encheriam de perguntas e nenhuma com respostas. Cortes que não respiram é igual a: sem tempo de cicatrizar.
Terça a noite. Cansaço. Meu armário dizia oi, meu cinto dizia "você já sabe o que fazer comigo". Eu estava sozinha. Meu jardim tinha florido, minhas linhas transversais ganharam outras amigas paralelas, meu pequeno estômago gritava com a minha mente, e os dois discutiam sobre como um precisava se alimentar e outro não (minha mente ganhou). Era só amarrar o cinto no pescoço, contar até 3 e tirar os pés da cadeira, que o cinto faria todo o serviço. Finalmente sem gritos. Respirei forte o suficiente para tomar a devida coragem. E enquanto eu amarrava o cinto em volta do meu pescoço, senti como se meu corpo estivesse sendo sugado pelo vazio do meu quarto. As veias do meu pescoço dançavam sem parar, bombeando mais sangue. Meu corpo todo dançava no mesmo ritmo. Era só um passo, apenas, e acabava tudo.
Eu fiz alguns amigos depois da garota que sentava no mesmo lugar todos os dias. Amigos mesmo. Eu contei minhas metas, mostrei meus cortes e cicatrizes, e eles não me julgaram. Disseram que eu era mais que aquilo tudo, e disseram que eu fico muito melhor sorrindo.
O " e se...?" corrói. Se eu terminasse de contar até 3, se eu tivesse tomado o último gole de coragem? ninguém nunca mais me veria sorrindo, ninguém mais me abraçaria, ou riria comigo, eu nunca mais dançaria sozinha, e bêbada, no meu quarto, ou assistiria meu filme favorito. Seria fim da linha.
E no meio da dança, entraram na minha mente, que dança sapateado profissional, pessoas que me fizeram continuar respirando pelo menos até ali.
Não podia fazer isso. Não deveria. Não com eles. Menti de mais dizendo à eles todos os dias que eu estava bem. Não podia. Não deveria - não vou - Mergulhei no chão. Sem cinto. Poderia nadar nas minhas lágrimas se quisesse. Não sei por quanto tempo eu fiquei deitada ali. Não importava. Minha garganta ainda estava vermelha. Eu continuava deitada ali - Não hoje, eu repetia.
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Meus rascunhos.
Non-FictionAbrir os olhos e ver que somos autores de nosso próprio destino e que a vida não passa de um grande história com rascunhos diários, rascunhos que foram feitos para serem corrigidos.